Indústria chinesa e motores roubados em Israel – Francisco Duarte

Finge a fraqueza e encoraja a arrogância (do inimigo).”

Sun-Tzu

 

Algo de que se tem falado com alguma regularidade nos media internacionais é a tendência aparentemente militarista da política atual da República Popular da China (RPC). Apesar de o novo secretário-geral do Partido Comunista prometer novas abordagens na relação da China com o mundo, o facto é que diversos projetos militares já em curso prosseguem, alguns a um ritmo bastante acelerado.

Uma das áreas em desenvolvimento é a indústria aeronáutica, que está rodeada de todo do tipo de teorias e ideias relacionadas com o modo como os chineses têm desenvolvido os seus caças. Isto porque existem alguns elementos subversivos bastante interessantes e que a serem verdade, dão um insight bastante curioso acerca do modo como mesmo uma grande nação cria o seu equipamento militar e gere os seus relacionamentos políticos.

Mas comecemos pela contextualização da questão.

Origens históricas

Não é segredo nenhum que muito do poderio económico chinês foi criado passando por cima das leis internacionais sobre os direitos de propriedade e copiando produtos de empresas e governos do mundo inteiro que depois seriam vendidos como seus. Evidentemente que podemos racionalizar e criticar o conceito o quanto quisermos, afinal na Idade Clássica e quando a Europa vivia a sua Idade das Trevas os sábios chineses criavam invenções que seriam pioneiras de diversas tecnologias da Humanidade, algumas das quais damos hoje como garantidas.

Contudo a História é cheia de ironias interessantes e ciclos de ascensão e perda de poder. Durante os Séculos XVII e XVIII o Império Chinês encontrava-se em decadência, apenas acentuada pela propensão dos Europeus colonialistas para dominar, pela força se necessário, a política do Sudoeste Asiático (os Portugueses eram especialmente bons nisto, tendo sido dos maiores fornecedores de armas aos samurais japoneses durante as Guerras dos Ronin, mas essa é outra história).

As Guerras do Ópio e a derrota contra o Japão apenas humilharam mais a dinastia dominante na China, o que eventualmente levou ao metafórico ponto de rutura. Após a falhada revolução dos Boxers na viragem do século, um golpe de estado levaria à instauração da República da China. A eventual invasão japonesa foi combatida com ajuda americana e russa durante a Segunda Guerra Mundial e levou à ascensão dos Comunistas e de Mao Zedong. A política de Mao acabou por levar a uma desconstrução crónica das instituições e das elites intelectuais chinesas, assim como a alguns dos maiores desastres humanos da História.



O caso foi que o espírito inovador chinês foi substituído por algo diferente, uma noção de copiar e melhorar, se possível. No que diz respeito à indústria aeronáutica, a China comunista era apoiada fortemente pelos russos soviéticos, inclusive com a venda e autorização de fabrico de diversos caças do fabricante MiG (como os lendários MiG-15 da Guerra da Coreia). Contudo as relações começaram a azedar com o tempo.

Copiando dos russos

Em 1961 profundos diferendos ideológicos e interesses políticos distintos levaram ao corte de relações entre a China e a União Soviética, e ao início de uma relação tensa entre ambos os poderes que duraria até ao fim da Guerra Fria (e recomeçaria de um modo menos intenso pouco depois).

Pouco antes de se afastarem, contudo, os soviéticos haviam vendido uns quantos dos então novos caças MiG-21 aos chineses. Sem o apoio da indústria aeronáutica russa, os engenheiros chineses trataram de copiar o pequeno caça, iniciando a produção do chamado J-7, que duraria até hoje. Contudo, estas aeronaves apresentavam problemas, como pouca fiabilidade e capacidades limitadas (um problema geral do MiG-21, que os russos amenizaram ligeiramente com as suas próprias versões avançadas do avião).

Já após o fim da Guerra Fria, a indústria russa, então a debater-se para arranjar fundos onde quer que fosse possível, resolveu vender à RPC uma série dos então novos caças Su-27 e Su-30, ainda hoje considerados eficientes e de excelente qualidade. Com as relações instáveis e desejosa de fazer renascer a sua indústria aeronáutica, a RPC iniciou a cópia destas aeronaves, levando ao nascimento da série J-11.

Contudo, vários problemas ainda placavam as forças aéreas chinesas. E isto leva-nos aos mais recentes desenvolvimentos da questão, alguns bastante caricatos.

Copiando os israelitas?

No final dos anos 90 sentiu-se a necessidade de desenvolver um novo caça ligeiro para substituir os já obsoletos J-7s. Foi assim que nasceu o J-10. Esta aeronave, assim que foi anunciada ao público levantou logo uma série de questões. Com um motor alimentado por em entrada de ar ventral, e grande asa triangular com canards, lembrava um projeto israelita de criar um F-16 adaptado às necessidades locais, o Lavi, que foi cancelado devido a pressões americanas.

Contrariamente a muitos dos seus aliados, os israelitas não têm grandes problemas em negociar com os chineses. O mesmo sucede com os ucranianos, que lhes venderam um porta-aviões e o protótipo de um caça naval que levou ao desenvolvimento do J-15.

Entretanto, as forças armadas israelitas têm, nos últimos anos, sofrido de uma série de problemas de natureza caricata. Roubo de armas e de peças de metal (inclusive durante exercícios com fogo real) têm surgido nos media com relativa frequência. Mas o que dizer do roubo de uma série de motores a jato de uma base militar? Mesmo os beduínos que têm roubado muitos destes itens teriam dificuldade em transportar um motor grande e pesado.

E como se liga isto aos chineses? O facto é que, apesar das crises e problemas, as forças armadas da RPC têm dependido da compra, por um meio ou outro, de motores russos para manter os seus caças no ar. Isto torna-se ainda mais verdadeiro com os motores de nova geração para os seus caças mais avançados.

A questão é que desenvolver um motor a jacto não é fácil, e apenas alguns países conseguem construir motores de última geração (a Índia, inimigo da RPC, teve finalmente alguns progressos no motor Kaveri, após 15 anos de desenvolvimento, mas ainda não está sequer próximo de ser utilizado em serviço). Assim sendo, teoriza-se que os chineses estejam a fazer tudo o que for possível para obter modelos de estudo.

Seria este o fim último dos motores roubados em Israel? Até que ponto está este país disposto a ceder material e projetos à RPC em troca de favores políticos e económicos? Não há modo de saber, mas certamente que faria sentido. A RPC está a tornar-se mais agressiva e com intenções de ampliar o seu território marítimo no Sudoeste Asiático. Assim, projetos militares tornam-se urgentes.

Se a razão irá prevalecer no fim, ninguém sabe, mas a China comunista, devo à sua história, deveria conhecer como ninguém a sensação de ser puxada contra a parede e o que daí pode advir ao agressor.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso