"A insustentável leveza da irritação" - Conto

“A insustentável leveza da irritação ” – Conto

O sol reluzia que nem moeda acabada de criar no pálido céu, cansado após um dia de trabalho, e ela repousava numa cadeira de plástico, típica de esplanada e timbrada por um rol de publicidade.

No areal, jazia o lixo que as ondas trouxeram nos revoltos dias de inverno, agora traiçoeiramente tranquilo.

Apesar de aquele ser um cenário propício para um final de tarde calmante e relaxante, Margarida sentia-se a fervilhar por dentro. A sua irritação pulsava tão forte como o seu coração acelerado, espelhando o seu estado na sua expressão. O seu olhar furioso, onde a sua pupila estava tão pequena como a de um gato prestes a caçar a sua presa, tentava em vão encontrar paz interior no mar pouco ondulante. As suas pernas sacudiam tão freneticamente que a sua mesa (e as vizinhas) abanavam como se fossem alvo de um terramoto.

“Porquê?”

Ela não sabe. O trabalho ia bem, gostava do que fazia, estava a ter bons resultados e a sua carreira estava a ter uma evolução bastante positiva, apesar da sua juventude. Com a sua família também estava tudo bem. Os seus pais acabaram de festejar 30 anos de casados, com os seus altos e baixos, mas na globalidade eram um casal feliz. O irmão, mais novo e que tanto a chateou quando eram crianças, era agora um grande companheiro de aventuras e um suporte. Partilhavam o gosto pela música, indo frequentemente a concertos juntos. Os amigos, apesar de espalhados pelo mundo, estavam sempre presentes nos momentos mais importantes. E por fim…

O telemóvel vibrava insistentemente, interrompendo a sua linha de pensamento. Margarida mirou o ecrã. 5 chamadas não atendidas e 3 mensagens. Rodrigo. O seu namorado de há cerca de 1 ano, um homem que logo arrebatou o seu coração à primeira vista. Uma química instantânea que jamais julgou ser possível. Apesar das pequenas coisas que a irritam, ele é fantástico, sempre atencioso consigo, mostrando frequentemente o quão importante ela é para ele.

A última vez que deu sinal de vida foi há 5 horas. Desde então não manteve contacto com ninguém que lhe era próximo. Ela sabia que Rodrigo deveria estar bastante preocupado, no entanto, naquele momento ela não queria saber, porque se sentia tão desligada e irritada. Ele não tinha culpa, mas ela queria estar sozinha.

O telemóvel vibrou novamente e saltou-lhe a tampa. De dentes cerrados até que lhe doessem os maxilares, pegou no telemóvel e desligou-o. Ela não conseguia decifrar o que a movia, o porquê daquela reacção. Não saberia como explicar esta situação ao Rodrigo ou até mesmo à sua família, mas naquele momento, era a única coisa que lhe parecia certa.

O sol já se tinha posto e a sua respiração estava cada vez mais ofegante, acompanhando a sua cara bastante corada. Margarida sentia que estava a atingir o seu ponto de quebra, que as suas forças estava a desvanecer muito rapidamente.

Fortes passos ecoaram nas velhas traves de madeira da esplanada, queixosas devido às visitas da maresia. Ela conhecia aquela passada. Fechou os olhos e as lágrimas começaram a correr pelo seu rosto, deixando-a bastante frágil e exposta. Sentiu  a sua presença à sua frente, mesmo mantendo os olhos cerrados na tentativa de prender os soluços prontos na sua garganta. Mais um passo e Margarida estava a desmoronar. Um suave toque na sua trémula face provocou um ataque de choro desenfreado, prontamente apanhado pelo aconchegante abraço que a arrancou da cadeira e a envolveu, protegeu.

Ela não sabia quanto tempo passou até que conseguiu finalmente acalmar-se. A camisa sobre a qual pousava a sua cabeça tinha uma larga mancha húmida das suas lágrimas. Durante todo aquele tempo, nunca abriu os olhos. Até a aquele momento.

Ali estava ele. O seu cavaleiro andante. Rodrigo. Mesmo sem responder às suas chamadas, ele encontrou-a. Os seus olhos vermelhos mostram que também a acompanhou no choro, deixando-a de coração apertado. O que fez para merecer um homem tão bom? Os seus braços envolveram-na mais um pouco.

“Desculpa.” É a única coisa que a sua frágil voz consegue proferir depois daquele choro desenfreado e as pequenas gotículas começaram novamente a formar-se no canto do olho.

Eu estou aqui, meu amor.” Sussurra Rodrigo numa voz de veludo, fazendo Margarida sentir toda a sua sinceridade, querendo ficar no seu abraço para sempre.

Naquele momento, ela já não sabe onde está a irritação, os seus pensamentos confusos, os seus pseudo não problemas, apenas sente o seu abraço, o seu colo e o seu amor.

Fim.