” Interlúdio ” – Conto

A estação não parece a mesma, enquanto deambulo e me lembro da última vez que aqui estive. Na verdade, da última vez passei a correr… Passamos a correr…

Era eu que, praticamente, te puxava a correr e… Bolas! Eu devia ter notado os sinais.

Nunca me puxaste para junto de ti. Não seguravas a minha mão com firmeza. Estavas mais preocupado com o horário do que com o facto de eu ir embora. Evitavas dizer o meu nome. Evitaste olhar-me nos olhos o dia todo. O teu olhar estava tão perdido. O silêncio que às vezes se prolongava mais que o habitual. Sete sinais.

Eu não recordei a tua voz, o teu cheiro, o teu abraço. Recordei as palavras suaves infundadas, da doce promessa dita enquanto corríamos já atrasados e do beijo superficial.

Da cicatriz que ali ficou feita.

Nunca me mentiste, mas houveram tantas palavras não ditas, pensamentos, factos…

Nunca foste totalmente sincero comigo, eu que nunca escondi os meus medos, os meus maiores medos… E tu fizeste-me encarar os piores de todos: o usar, o trocar e o descartar, como se fosse um farrapo velho.

Mas, no momento seguinte, apaguei tudo da minha memória. Não, não eram resquícios de sentimentos, de uma relação que mal começara. Eram as sensações, as emoções tristes daquela noite que ainda ressoavam em mim. Era o medo que aquela cicatriz se abrisse novamente, ou outra fosse feita. Quantas já tinha eu? Quantas fizeste tu (para além de te tornares uma?)

Tu eras alguém especial, mas no final foste apenas uma cicatriz.

E, agora, pessoas especiais causam-me medo.

No entanto, não esqueço a lição que aprendi: Não acreditar em ninguém, que mal se despede de ti, sai a correr para transformar o passado em presente, presente que deveria ser eu.

Mas eu… Eu fui apenas um interlúdio.

Fim

Interlúdio: Lapso de tempo que interrompe provisoriamente alguma coisa.