IPO: é das pessoas que quero falar…

Por força das circunstâncias, o tempo que tenho passado por Lisboa – entre as curtas estadias por África – tem-me levado, como acompanhante de um familiar e com alguma frequência ao IPO – Instituto Português de Oncologia (clara e inequivocamente associado às patologias cancerígenas). Estive em quase todas as consultas realizadas – antes dos tratamentos de radio e quimioterapia – e tenho seguido com bastante atenção todo o procedimento conducente à fase do tratamento propriamente dito.

Sobre o cancro – os carcinomas, como lhe chamam – pouco ou nada sabemos. Pelo que vou entendendo, cada caso é um caso e nunca nenhum é igual a um outro. Às vezes morre-se, às vezes sobrevive-se. Já conheci quem morreu e também quem por cá ainda ande…

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Contudo, não me apetece falar da enfermidade ou daquilo que o IPO representa para a grande maioria. Daquilo a que chamamos de doença – porque nem sei se é sequer uma doença ou uma aberração do próprio sistema celular do organismo que, a determinada altura grita: já chega! e desata meticulosamente a desorganizar-se.

Quero falar aqui das pessoas, do que vejo e do que sinto. Justamente sempre que entro no IPO de Lisboa.

Do pessoal de enfermagem com quem cruzo – e que sempre me sorri. Dos bombeiros que esperam pacientemente – e circunspectos – à porta dos pavilhões, pelos pacientes que irão levar a casa nas suas ambulâncias. Daqueles que, vestidos de palhaços e de nariz redondo e vermelho, animam os pacientes e acompanhantes com as suas brincadeiras. Das senhoras que servem pão com manteiga e café nos corredores. Das empregadas da limpeza que são gentis apesar de silenciosas. Das muitas mulheres que se oferecem como voluntárias e usam uma bata diferente – que ajudam as pessoas a encontrar caminhos e saídas. E talvez entradas. Da enfermeira que à hora do almoço – e junto a um dos bares interiores – traz num saco de plástico um pouco de ração seca e chama de Princesa uma gata gorda e preta – para que venha comer (a Princesa, bem sei: ela veio roçar-se nos meus tornozelos várias vezes e receber mimos). E sob o banco de jardim no lateral da esplanada há um comedor azul e dois bebedouros.

Das crianças sem cabelo que vejo transportadas em cadeiras de rodas e que mesmo assim vestem um sorriso maravilhoso. Dos desenhos e rabiscos feitos por outras crianças sem cabelo que decoram a recepção de um serviço de consultas. E que me deixam sem fala. Com um nó na garganta. São desenhos maravilhosos, repletos de grandes sóis amarelos ou laranjas e flores coloridas.

É desta gente que quero falar e não sei como começar. Sei que me emociono, que me tocam os sentidos e me trazem à lembrança o quanto somos humanos e frágeis. E às vezes maravilhosos!

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Provavelmente todos nós temos uma história de cancro para contar – um parente, um amigo, um vizinho. Mas não é da degeneração celular que quero falar. Dos carcinomas, do Tramadol e do Paracetamol, da metástase ou qualquer outra terminologia bizarra. É das pessoas que quero falar e não sei como começar….

Mas quero deixar aqui o meu apreço, o respeito e a admiração pelo pessoal que ali trabalha, no IPO da capital; as pessoas que observo com bastante regularidade e que me olham e sorriem também.

Há um elo invisível que parece nos unir nos momentos de dor. A morte – ou a perspectiva da sua proximidade – deixa-nos mais empáticos. E humanos.