Ironia: pensar torna-nos mais infelizes ?

Ironia: uso de palavra ou expressão em sentido oposto àquele que se deveria usar para definir algo; forma de humor que consiste em dizer o contrário daquilo que se pretende dar a entender;
recurso estilístico que veicula um significado diferente ou contrário daquele que deriva da interpretação literal do enunciado; sarcasmo, zombaria [1]

Como professora de língua portuguesa não pude deixar de nomear os recursos estilísticos onde se inclui a figura da ironia. E verifiquei que a ironia sempre foi algo de indubitavelmente complicado para explicar aos alunos. Não que eles não entendessem o conceito. O que grande parte deles não conseguia vislumbrar era o interesse em dizer o contrário daquilo que se quer dizer.

Alguns professores tinham-me já prevenido acerca da suposta incapacidade dos alunos em entenderem as subtilezas da ironia. E verifiquei que perante a leitura de um texto, nem sempre a ironia era detectada. Com efeito, uma das grandes dificuldades dos alunos é a interpretação de textos – dos mais simples aos mais complexos – assim como a produção de pensamento crítico. Não estão habituados a formular uma teoria ou a criticar as existentes. Não há hábitos de leitura, nem livros disponíveis, nem políticas de fomentar frequência de bibliotecas. Os livros são obscenamente caros e o que interessa em termos políticos é manter o povo viciado nas comunicações – que são também elas muito deficientes – e os próprios alunos gastam com mais facilidade um saldo de telemóvel do que compram um livro. Um aluno comentava comigo que “quando quiser esconder um segredo de um angolano, escreva num livro”.

Contudo, a dedicação dos alunos angolanos, grosso modo, a humildade são de louvar mas tropeçam numa série de vícios que muito dificilmente se ultrapassam dada a conjuntura política e educacional. Mas também cultural. Os subornos (gasosas) aos professores como forma de passar de ano fazem parte da gastronomia educativa e estão fortemente institucionalizados. Os favores sexuais que muitos professores masculinos entendem fazer parte da docência. O facilitismo com que se passam diplomas, se falsificam notas, se fazem cábulas para os exames para se enganar o professor, a instituição – seja quem for. A ideia preconcebida que investigação é fazer copy/paste daquilo que se encontra na Internet: Ó professora, não tenho tempo para escrever. Quando chego a casa não tenho luz, os miúdos fazem barulho e estou cansado….

Mais voltamos à ironia que tentei ilustrar com alguns exemplos. O do dedal e do homem que estava bêbado e a quem o polícia perguntou a quantidade de álcool ingerido sendo que este teria respondido: “não bebi muito. Foi só um dedal”. Mas ninguém achou piada ao dedal. Talvez não soubessem o que era um dedal – mas sabiam. Mas não entenderam. O que me deixou muito frustrada pelo exemplo escolhido não ter fruído. Escolhi outros com resultados idênticos.

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Eu, professora de português, tantas vezes irónica na minha vida; eu, que faço da ironia o meu prato principal, a sobremesa…eu que conto a história da mulher, na morgue, a quem perguntaram que traços do cônjuge poderiam ser utilizados para identificar o seu corpo e ela que respondera: era canhoto e gago!

Há quem afirme que a satisfação está directamente associada à capacidade de ironizar – mas sei por experiência que quando quase ninguém percebe a ironia, quem desempenha o papel de idiota somos nós – e pessoalmente tal não me traz nenhuma satisfação. É como contar aquela anedota engraçada e ninguém ri. O contrário também é verdade: é como contarem-me aquela anedota dos maus cheiros, da essência de feijão e dos peidos – e eu não achar graça nenhuma. Então, esta história da ironia é também cultural. Ou seja, um determinado grupo ri do morto que não pode ser identificado pela gaguez ou pelo facto de ser canhoto.

Há, contudo, as maiorias deste mundo dando a entender que as minorias podem ser uma espécie de elite que deve subordinar-se. Pensar dá muito trabalho. É mais fácil julgar, porque pensar torna-nos infelizes.

Dizem que os Ingleses são os mestres do humor negro – que para mim é a quintessência da ironia. Não resisti a este video como um dos exemplos mais prementes do que significa ser irónico, espetando o dedo na ferida e escarafunchando-a voluntariosamente. Aqui se mede e pesa a equação entre infelicidade e inteligência. Aqui se inserem os preconceitos raciais, sexuais, religiosos, filosóficos. Aqui se exibem os indivíduos formatados que nunca “saem da caixa”, que criticam e que têm certezas absolutamente extraordinárias! Aqui se provoca o riso, o gozo dos sentidos, a satisfação e a ironia. Mais não digo.

[1] in Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consult. 2016-10-03 20:57:43]. Disponível na Internet:  https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/ironia