ISIS… porque não?

O dia tinha meia hora, quando a voz de Maria finalmente se fez audível. “Porque não?”, disse ela, aceitando algo que se vendia como laranja, sabia como laranja, até cheirava como laranja, mas não tinha qualquer vestígio de laranja.

Os apressados lábios da mãe tocaram-lhe na cara, com a mesma velocidade com que o resto do corpo se deslocava desde que se tinha levantado.

Estiveram juntas não mais de uma hora, iriam estar separadas não menos de catorze horas.

Na escola, a vida esperava-a, ou assim seria de esperar, afinal era ali que o virtual se encontrava com a realidade.

Carla, Andreia, Tita, Alex e Mariana eram as suas melhores amigas, nenhuma delas retirou os olhos do telemóvel para a saudar. Não era indelicadeza, tão pouco má educação, era simplesmente pragmatismo. Seria tão estúpido como interromper uma conversa de horas com um cumprimento.

Maria pousou a mochila, e continuou a falar com elas através dos dedos.

Antes que a primeira aula tivesse acabado, já elas tinham combinado ir à Meca dos sentidos no mundo físico.

– Porque não? – respondeu ela às amigas, ainda na aula.

Saíram da escola, entraram no metro, saíram do metro, entraram na camioneta, saíram da camioneta e entraram no Shopping. Tudo isto, no silêncio sepulcral que as palavras virtuais exigem.

Entraram num mundo que rivalizava com os mais coloridos ecrãs cibernéticos, onde as luzes imperam e estimulam os desejos imediatos. Algo que não deixaria indiferente o mais acanhado dos animais, nem tão pouco o mais feroz.

Até poderia acontecer uma vitória da realidade, não fossem estes animais estarem tão habituados às suas celas de não mais de dez por dez centímetros.

Alguns desejos supridos, e alguém se fartou. Já não havia paciência para estas cores, “sempre as mesmas cores!” Decidindo por todos a procura de novo rival para o Universo Zuckerbergueano.

– Porque não? – foi a resposta de Maria, desta vez em uníssono virtual com todas as outras.

Saíram do shopping, entraram na camioneta, saíram da camioneta, entraram no metro, saíram do metro, entraram no… shopping.

Sim, este shopping era outra coisa. Tinha as mesmas cores, mas era outra coisa. Tinha as mesmas lojas, mas era outra coisa. Tinha os mesmos adolescentes de olhos quadrados, mas era outra coisa. E era outra coisa, porque era outro Shopping.

A óbvia e esperada insatisfação só não ganhou nova batalha, porque Marco parou os passos delas.

Maria nunca o tinha visto, a não ser no mundo virtual. E lá, não o considerava especialmente bonito, inteligente ou interessante. Tudo isso iria mudar, enquanto ele caminhava sobre a admiração delas.

E elas não paravam de falar, perdão, de teclar. “Ele vem para aqui, ele está a olhar para ti”, “que giro, já viste as calças dele”, “ouvi dizer que ele tirou a peruca ao Prof. no outro dia”, “Maria ele gosta de ti, ele está olhar para ti, ele adora-te…que inveja”.

Invejada, sim, foi isso mesmo que ela sentiu. A primeira coisa que sentiu desde que o dia tinha começado. Talvez por isso, quando ele a convidou no seu dialeto próprio, para uma sessão de sexo trapalhão ao lado duma sanita, ela disse:

– Porque não?

Enquanto o jovem tentava fazer a sua melhor interpretação da interpretação dum qualquer ator pornográfico, Maria lembrou-se da mãe. Não era qualquer imagem de culpa. Era apenas a imagem do beijo que esta lhe tinha dado, enquanto via as horas para não se atrasar.

No caminho para casa, perguntaram-lhe o que sentia, ela nada disse. Simplesmente, porque nada sentiu. Nem prazer, nem dor, nem depressão, nem mesmo glória por toda a bajulação de que era alvo. Simplesmente, nada.

– Arroz? – perguntou-lhe a mãe.

– Porque não? – respondeu ela a todas as pequenas questões similares.

Houve um momento, com todos na mesa sentados, em que ela sentiu que poderia dizer qualquer coisa, talvez fosse importante dizer qualquer coisa, mas alguém ligou a televisão e depressa se perdeu qualquer coisa.

Ou não, porque mais tarde, sentada à frente do computador, ela sentiu novamente essa urgência, essa mesma importância, e achou qualquer coisa.

Uma mensagem não lida.

– Vai partir um avião dia 17 para cá. Se vieres, uma vida com significado estará à tua espera. 

Era dia dezasseis quando leu, dia dezassete quando respondeu.

– Porque não?