IT – “Também Vais Flutuar” (Review)

IT propõe-se a despertar a nossa coulrofobia, e a ir mais longe na definição do imprevisível, mas será a nova adaptação da obra de Stephen King um filme de terror digno de um género já de si saturado?

 

Título Original: IT

Ano: 2017

Realizador: Andy Muschietti

Cinematografia: Chung-hoon Chung

Produção: Seth Grahame-Smith, David Katzenberg, Roy Lee, Dan Lin, Barbara Muschietti

Argumento: Chase Palmer, Cary Fukunaga, Gary Dauberman, Stephen King (livro)

Actores:  Bill Skarsgård, Jaeden Lieberher, Finn Wolfhard

Música: Benjamin Wallfisch

Género: Aventura, Thriller, Terror

Ficha Técnica Completa

 

Stephen King é um dos autores mais explorados por Hollywood, nem sempre nas melhores adaptações. Se rapidamente nos esquecemos que Os Condenados de Shawshank (1994), o filme com o score mais alto do IMDB, é baseado num dos seus contos, lembramo-nos certamente de The Shinning (1980), num género ao qual rapidamente o associamos, o horror surreal e arrepiante. A indústria americana tem ressuscitado o seu género sazonalmente, e 2017 parece ser mais um desses anos. Infelizmente para King, a primeira pegada sua do ano foi A Torre Negra, uma série de sete livros colocada na concertina de Quim Barreiros e transformada num filme casual, que falhou em replicar o universo fantástico e grotesco do pistoleiro Roland. Restou-nos esperar pelo espírito demoníaco disfarçado de palhaço Pennywise, para mostrar que ainda é possível adaptar a obra do autor americano, e no processo, ter alguma esperança de que o género de terror possa triunfar e sair da poça genérica da última década.

IT, a obra de Stephen King de 1986, já adaptada para televisão em 1990 numa mini-série de dois episódios com o lendário Tim Curry, de outras andanças mirabolantes como The Rocky Horror Picture Show (1975), alcançou estatuto de culto e, ainda hoje, é relembrado embora tenha dispensado o gore, em prol de uma abordagem próxima de um qualquer filme de domingo à tarde. Infelizmente não envelheceu como deveria, embora a performance de Tim Curry como Pennywise continue irrepreensível. Passados 17 anos a “palhaçada” é outra, no bom sentido. Assinada pela direcção de Andy Muschietti, que já tinha mostrado algum talento no moderado Mama (2013), e pela actuação de Bill Skarsgård, um Pennywise que rivaliza com o de Curry, e o coloca num outro nível.

Os primeiros cinco minutos de filme parecem dar uma direcção ao filme que não se manifestará no resto da fita, a sensação presente de que ninguém está a salvo, nem mesmo as crianças. Quem leu o livro saberá que a história assim se processa, mas para quem é plateia casual pensará que o argumento está a jogar pelo seguro, enquanto muda de drama infantil passado nos anos 80 para o terror desmesurado, mas bem executado, que parte da imprevisibilidade que Pennywise representa. E se o espírito maléfico mascarado de palhaço aparece mesmo antes do titulo do filme surgir, deixando a sensação de que deveria ser revelado muito mais tarde, esse receio rapidamente se dissipa, até porque esta revelação dá-nos a falsa segurança que não seremos surpreendidos, quando na realidade ser “palhaço” é apenas um disfarce, e uma oportunidade para qualquer guionista e realizador, para jogar com as oscilações de vários géneros no terror. Essa oportunidade não é explorada de forma tão aperfeiçoada como deveria!

IT bebe um pouco de Stranger Things, partilhando até o jovem actor Finn Wolfhard, e do horror moderno. A maneira como o drama pré-adolescente e o horror se cruzam é, por vezes, desconcertante. Mas depressa é perceptível que a combinação bizarra reflecte a própria escrita de King, numa aventura que conta com um grupo de crianças dos 80, que não parecem ter pais normais, numa cidade assombrada por um espírito que só delas tem a devida atenção. Os Losers, ou Os Falhados, têm todos os seus medos, e as suas vidas complicadas, que se parecem cruzar com Pennywise das mais variadas formas, sendo ele a representação do medo em si. Entre bullying, abuso parental e até, à descoberta da sexualidade, há espaço para o humor e para uma quantidade não saudável de mom jokes, tecendo as personalidades vincadas num grupo numeroso de crianças que, ao fim de duas horas conhecemos o suficiente para cimentar alguma empatia. Infelizmente, a coulrofobia de uma das crianças não é explorada, e chega até a ser desconcertante que tenha sido mencionada, uma vez que não parece haver sinais nenhuns de fobia grave que sejam aproveitados na narrativa.

Outro problema é o final, que não fecha completamente muitos dos problemas que deveriam ser esclarecidos no epílogo desta primeira parte, e não no futuro filme! Não são certamente as chamadas conclusões “a longo prazo” que podem ser reveladas mais tarde, são sim dúvidas pendentes e em aberto, que têm o seu tempo na narrativa e que são descartados, mesmo fazendo a diferença neste buraco cronológico de vinte sete anos entre filmes!

Quanto ao terror, é alucinatório, e convencional na sua essência, mas mesmo na sua procura pelo horror clássico, há que louvar os diversos truques de câmara e direcção, que transformam algumas cenas em autênticos tubos de ensaio. Alguns planos assumem uma perspectiva GoPro em relação a Pennywise, acentuando as perseguições e o grotesco a duas velocidades, a velocidade acentuada de Pennywise contra um fundo de cena, que se move à velocidade normal. De louvar também uma cena em particular envolvendo um projector, onde a câmara assume o ritmo intermitente da passagem de fotografias acompanhando toda a acção e, transportando a realidade das crianças para a nossa, jogando com os breves momentos de inconstância. É o horror bem realizado, em planos e camadas!

Sobre a representação e, tendo em conta, um argumento sólido para filme de terror, parece evidente que os actores e actrizes fazem um papel irrepreensível, mesmo sendo na sua maioria pré-adolescentes. Tendo em conta que, muitas destes personagens jovens têm de lidar com papéis de grande envergadura a nível emocional, como Sophia Lillis no papel de Beverly Marsh, uma rapariga abusada pelo pai, é normal que o casting tenha sido, particularmente, exaustivo. As personagens infantis vivem, no entanto, de estereótipos, que as aproximam da infância de cada um. Um rapaz com excesso de peso, um nerd, ou aquele que não leva nada a sério, há espaço para empatia, e seria impossível concretizá-la situando-a num espaço temporal tão único como os anos 80 sem actores preparados para não explorar de forma efusiva os estereótipos ao ponto de tornar cada uma das personagens numa fonte de ridículo.

Já no vilão Pennywise, interpretado por Bill Skarsgård, é notável a captura de muito do que transformou a performance de Curry em algo tão lendário, mas avançando para outro patamar, até porque este não é um filme para passar em horário nobre. O explorar dos medos e das inseguranças das crianças, beneficia muito de efeitos especiais, mas nem tudo é trabalho de maquilhagem. Da voz “apalhaçada” há presença ameaçadora, é mais um irmão da família Skarsgård em rota ascendente em Hollywood. Pennywise transforma-se numa figura aterradora e grotesca, explorando também o estereótipo característico de um palhaço, revelando uma certa inocência, que passa até pela voz, e que depressa se transforma numa poça ensanguentada e em alguns gritos de espanto, por esses cinemas fora. É uma performance acima da média, grotesca e aterradora, que peca por não se basear mais na representação, descurando disso por entre contorcionismos de CGI.

A música é assinada por Benjamin Wallfisch, um trabalho que, tal como filme, oscila em estilo enquanto tenta compreender as mudanças de cena para cena. Mostra-se à altura, com uma vertente clássica, com algum grau genérico, mas dentro do estilo requerido. Pode ouvir a trilha completa aqui.

IT é na sua essência um bom filme, mesmo que se alimente de um pouco de “mais do mesmo”. Felizmente, nem sempre “reaproveitar” é negativo! Quantos filmes falharam em replicar o básico do conceito de terror, e quantos não terão tentado inventar algo novo falhando miseravelmente? Há mérito em explorar o que já está feito e atribuir-lhe qualidade e, nesta dimensão, IT é digno de nota. Se estão à espera de muitos saltos da cadeira? Provavelmente não será o melhor filme, mas há duas ou três cenas que poderão proporcionar alguma satisfação nessa procura. Continua a ter mais de thriller do que de terror, mas seja qual for o género que lhe atribuamos depois de duas horas e um quarto de película. É uma primeira parte sólida, que pede pela continuação e conclusão, que parece já ter obtido confirmação e estar em fase de pré-produção. Se seguir os passos desta, será certamente satisfatória, e contará, provavelmente, com menos drama pré-adolescente, para quem conhece os contornos da história, representado uma oportunidade para corrigir também alguns dos problemas deste primeiro acto.

Já Stephen King pode descansar nos seus 70 anos, comemorados ontem, pois parece que desta vez Hollywood acertou numa das suas adaptações!

7.5

Volto brevemente com mais cinema…