Já chorei nos teus olhos

Outorgamos o corpo ao prazer, como quem lê um livro da primeira à última página. Num segundo apenas, ofegante. O erotismo é a continuação do relacionamento. Penso.

O carro do costume. Na garagem. Parado. A enfrentar o tempo. Que nunca amolece. Azul.

Os óculos trajados. Escuros. Na cerca da realidade.
Vivaldi. O padre ruivo. As quatro estações. Primavera. Verão. Outono. Inverno. Os anos todos. Cão que ladra, por vezes morde.
Amo-te acima de qualquer época. Acima de tudo.
Beijas-me com os olhos. Abraças-me com a alma. Devoras-me com os ossos. Com tudo aquilo a que te pertence. E eu. Observo. De dentro de ti.
Esperas-me na esquina da inquietação. De braços cruzados. À espera da vulnerabilidade. Fulminas a decepção da relação. Da nossa. Prezas os sinais. Das coisas. Curvas o cabelo. Liso. Cor de mel. Para a esquerda. E para a direita. Desmesuradamente. A deliciar a cadência de todos os movimentos. Mulher.
Sinto-me aflito. Fora de horas. Mudez estranha. Contemplar perdido. Mal vestido. O sorriso. Olheiras do tamanho de um urso polar. Bocejos inequívocos. Gestos. Silêncios. Atitudes monstruosas. Resultado do ciúme. Ou dos ciúmes.
Anseio a confiança. Em mim. Em ti. Talvez. Desejo a saudade. Não de ti. Mas do amor. Que és tu. Às vezes, considero uma enorme vontade de viajar com o pessimismo. O meu maior diabo. Alimentado a todo o gás.
A insegurança é a melhor amiga do receio. E a pior inimiga da solidez. Emocional. Claramente.
Prometo ser-te.
Prometo respirar-te.
Prometo viver-te.
Um dia.

Engendro uma outra perspectiva. Espero-te pela calada. Mas tu não vens. Ou não queres vir. A teimosia sempre fez parte da tua personalidade. Forte, por sinal. Espero-te no vagar das palavras. Espero-te nos movimentos sombrios. E aquieto-me. Como quem vislumbra a morte. Sigo as mãos. Para me proteger do frio que se faz sentir fértil. Incomodativo. Assemelha-se ao samba, não do Brasil, mas do céu dançante. E as horas vão passando. E eu aqui. À espera de tantos planos para nós dois. À espera.

Não foi mau pertencer-te. Pelo contrário. Só que a vida encarrega-se sempre de afugentar a monotonia e acabar com as coisas boas repentinamente.

Sinto falta de não sentir falta de amor.