Lawrence da Arábia

As eras passam e os grandes de Hollywood vão desaparecendo. Com a morte de Peter O’Toole, em Dezembro de 2013, e a recente morte de Omar Sharif, em Julho deste ano, está na altura de revisitar o clássico dos clássicos, um filme incomparável com 53 anos de existência.

Senhoras e senhores: Lawrence da Arábia

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Titulo Original: Lawrence of Arabia

Ano: 1962

Realizador: David Lean

Produção: David Lean, Sam Spiegel

Argumento: T.E. Lawrence (livro), Robert Bolt, Michael Wilson

Actores: Peter O’Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn, Omar Sharif

Musica: Maurice Jarre

Género: Aventura, Biografia, Drama

Ficha técnica completa em:  http://www.imdb.com/title/tt0056172/

Muitos filmes antigos ficam na memória por serem clássicos adquiridos da era de ouro do cinema há muito perdida. Tal como os filmes, também os actores ficam, de alguma forma, imortalizados quando o papel que fazem se destaca de forma derradeira. A obra prima de David Lean, Lawrence of Arabia, arrecadou 7 Óscares, e com razão os recebeu. Nenhum foi atribuído a O’Toole ou a Sharif, embora nomeados para Melhor Actor Principal e Melhor Actor Secundário, respectivamente. O’Toole ganhou apenas um óscar honorário em 2003 pela sua carreira brilhante na Sétima Arte.

Lawrence da Arábia despertou outras mentes do cinema como Steven Spielberg ou George Lucas. A escala desta aventura é surpreende até para o padrões de hoje, podemos até arriscar que já não se fazem filmes assim, sem efeitos especiais e com equipas de figurantes de um número completamente descabido para simular batalhas e momentos mais ou menos históricos. Para o bem e para o mal, T. E. Lawrence foi um militar altamente romantizado e este filme é prova disso. O seu papel na luta dos britânicos e das tribos árabes contra o império otomano pode não ter adquirido um carácter tão messiânico, mas nem por isso a historia deixa de vender. O filme é uma obra de aventura biográfica que não só toca o épico como vai para além dele, continuando viva 51 anos depois da sua estreia.

Em tantos anos, muito mudou no cinema, e muitos poderão ficar assustados se não perceberem que os primeiros minutos de filme são a ecrã completamente preto apenas com a banda sonora a tocar em background. Pensar que compraram um DVD ou blu-ray avariado é uma sensação normal, mas o que é facto é que o cinema mundial teria ganho com isso, se todos os épicos começassem com três minutos na total obscuridade. Seria uma óptima maneira de perceber a mestria que existe nas grandes orquestras que durante os filmes não são muito audíveis.

Outra das coisas que destaca “Lawrence da Arábia” é a sua duração. São quase quatro horas de filme que podem ser divididas em dois, até porque a meio há novamente uma manifestação do tal ecrã preto com fanfarra durante outros tantos minutos. Mas são quatro horas do melhor que o cinema tem para dar. A paisagem do deserto pode ser altamente desumana em muitos aspectos mas assume, neste filme, um toque de beleza selvagem que nos faz sonhar ser Lawrence e partilhar da cultura, também romantizada, dos beduínos.

Os actores e a construção dos personagens são muito auxiliada pelo argumento e pela proximidade histórica dos eventos, provavelmente seria impossível fazer um filme como este em 2015, o que é certo é a impossibilidade de fazer um remake com tanto pormenor. Peter O’Toole entra definitivamente para o Hall of Fame do cinema com a interpretação brilhante de Lawrence, uma personagem com todos os seus defeitos e virtudes, e uma paixão pelo deserto e pelos beduínos. Também Omar Sharif faz a sua grande estreia, presenteando-nos, mais tarde, com grandes interpretações em filmes dos anos 60, sendo outro dos seus maiores sucessos o Dr. Jivago de 1965. Destaco também Alec Guiness, que os suficientemente geeks chamarão a partir de 1977 de Obi-Wan Kenobi (ficando então, marcado para a vida), aqui Príncipe Feisal também num papel genial e digno de nota.

Lawrance da Arábia
Omar Sharif (à esquerda) e Peter O’Toole (à direita)

Destaque para a falta de personagens femininas em “Lawrence da Arábia”. Podemos justificar esse facto com o conceito de guerra e mundo árabe, no entanto, pode ser uma lufada de ar fresco no sentido em que uma personagem feminina num filme onde dificilmente teria um papel plausível, tendo em conta a época, serviria apenas para cultivar os sonhos masculinos de ter algo mais para observar mas, claro, este é um filme dos anos 60, e esse sexismo de adicionar mulheres para encher um filme do ponto de vista observacional, não funciona porque os tempos são claramente outros e, por um lado, ainda bem, não pelo facto de não existirem personagens femininas mas sim porque não cai no erro do cinema moderno do adicionar porque é bonito e para vender o filme.

De resto “Lawrence da Arábia” presenteia-nos com o melhor que há da era de ouro do cinema. Acção, História e, sobretudo, um bom argumento que dá ao filme as melhores peças de diálogo da Sétima Arte, juntando filosofia, religião, poder e guerra. Destaque ainda para um pormenor riquíssimo: este é um filme anterior ao 11 de Setembro. Esse facto torna este filme numa peça única. O povo árabe é tratado com o respeito que merece, quase de uma forma romântica e muito digna. Um ocidental verá o filme com tanta paixão quanto um árabe, sem nunca notar o mínimo escárnio pela sua cultura. É um filme que apresenta um choque de culturas sem nunca condicionar a interpretação e uma em relação à outra.

Por fim, falta deixar a ultima nota. Peter O’Toole e Omar Sharif deixam-nos um património cinematográfico riquíssimo e imaterial. É na representação e na maneira fabulosa como o fizeram através dos anos, que os imortalizaram. Ficam eternamente ligados a Lawrence of Arabia como muitos outros actores ficam associados aos seus papéis. Esta é uma nota de homenagem final num mundo que parece ter notado tão pouco a falta de dois dos mestres da representação, embora o seu falecimento esteja afastado por quase 3 anos.

9,59,5

Até ao próximo mês com mais cinema…