Lembrei-me de ti… – Mara Tomé

De vez em quando, lembro-me de um menino que conheci há uns anos e que nunca mais voltei a ver e de quem nunca soube o nome.

Nessa altura, estava numa sede de agrupamento à espera de uma reunião e um aluno – nem ele me conhecia a mim nem eu o conhecia a ele – veio abraçar-me forte e deu-me a mão e queria vir comigo para a sala, não me largava, mas sem nunca me falar. De entre todas as pessoas presentes, foi comigo que ele veio ter. Não dei muita importância a isso. Retribui o abraço (hoje, olhando para trás, acho que poderia tê-lo abraçado forte também) e dei-lhe a mão e tentei explicar-lhe que ele não poderia estar ali, para ir brincar com os coleguinhas. Não entendi o porquê de ele andar sozinho no recinto da escola quando, supostamente, deveria estar a ter aulas.

O rapaz não falou ou se o fez foi de forma impercetível. Tinha um olhar distante e não fazia contacto ocular direto. Parecia diferente de outros meninos. Outros colegas meus ainda riram desta situação e disseram que ele era muito esperto pois viera abraçar-se a uma rapariga toda giraça. Também ri, um pouco constrangida com aquela situação. Havia ali algo estranho.

O rapaz acabou por ir embora, encaminhado por um funcionário, e, então, alguém me disse que eu deveria ser especial porque aquele menino era autista e não tolerava o contacto físico, não gostava que lhe tocassem ou de tocar em alguém. E, do nada, veio logo abraçar-se a mim e dar-me a mão…

Passados mais de quatro anos, revivida esta memória que estava esquecida lá nos confins dos meus arquivos cerebrais, penso que há coisas do caraças… Vivo – vivemos – diariamente com um diagnóstico de Perturbação do Espectro Autista. Recordar aquele menino faz-me sentir confusa e chorosa.  As minhas piolhas não têm esses sinais de ausência de olhar ou de olhar vazio, são muito meiguinhas e adoram dar abraços e beijos e andar de mãos dadas. Talvez por isso seja tão estranho recordar aquele menino. Nem quero imaginar o esforço que se calhar fez para estabelecer esse contacto e ultrapassar essa barreira. Em 2008, nem sabia bem o que era o autismo nem quais sinais a ter em conta nem que o espectro é tão vasto e que cabem lá dentro “n” graus de autismo…

Se foi destino, um sinal de alguma coisa, um prenúncio, um alerta, whatever it was, não sei. Mas sei que vou guardar esta memória e, agora que está escrita, será guardada com muito mais significado.


Crónica de Mara Tomé
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