Lisboa não é Benidorm

Ziguezagueava pela cidade à procura de um indício que me furtasse à evidência de que Lisboa não era igual a Benidorm.

Não me ficava mal, vestido de short e t-shirt, percorrer a cidade na pele de um turista encarregado de formar uma opinião acerca do que via, como se fosse a primeira vez que a visitava. E era no mínimo curioso ver espelhado no rosto das pessoas com quem me cruzava, uma alegria que as animava na secreta esperança de que eu viesse a pronunciar-me agradavelmente a respeito do que via, nos sítios por onde passava.

Contudo, não era de um parecer favorável meu, exposto num roteiro da especialidade que colocasse Lisboa no lote restrito das capitais a visitar a breve trecho, que em minha opinião a cidade mais precisava naquele momento. Pelo menos, não tanto como de elementos que a tornassem parecida com Benidorm, logo a seguir a Nova Iorque, a segunda cidade com maior número de arranha-céus por metro quadrado à face da Terra.

Esqueçam lá a história e os castelos de ameias cinzentas com paredes e degraus rebocados a cimento como se desde o século décimo até agora a sua construção tivesse demorado mil anos para acabar. E não de fale em demasia dos bairros no centro histórico, cuja população envelhecida já viu de tudo, menos a remodelação das casas onde em melhores condições do que os pais gostaria de continuar a viver.

Localizada na costa mediterrânica espanhola, a uns mil e cem quilómetros de Lisboa, a Benidorm, melhor do que o de possuir uma baía de águas calmas, assentaria o epíteto de ser capital europeia da diversão ou de nessas águas se banharem mulheres na companhia de quem, tendo a água pelos joelhos, facilmente nos deixamos arrastar para a situação de nos sentirmos como se estivéssemos numa zona de fora de pé.

Em toda a linha da costa, com as numerosas torres de apartamentos de fachadas alegres onde predominam a cor e os toldos nas varandas como se fossem painéis solares que quisessem armazenar a mais popular forma de energia renovável, coabitam os edifícios dos hotéis de cujo nome só deixamos de gostar quando, ao cabo de oito dias bem passados, ainda nos acusam de não sabermos corretamente pronunciá-lo.

E não é só no que salta à vista que as diferenças entre as duas cidades se acentuam. Elas são profundas e vêm desde a época em que entre portugueses e espanhóis começaram a travar-se lutas pelo domínio de um território que, mais tarde, nem uns nem outros saberiam vir a governar da melhor forma, de maneira a evitar derrapagens orçamentais.

Em Lisboa, aportam navios de cruzeiro. De Benidorm, nunca sai ninguém sem vontade de fazer mais do que uma curta escala. Em Lisboa, os pares de namorados passeiam de mão dada à noite sob um manto de estrelas. Em Benidorm, puseram às ruas nomes de rainhas por causa de quem, em nome do amor que sentiam, os seus maridos ou amantes, eram capazes de ir à Lua e voltar. À capital portuguesa, os visitantes mais tarde ou mais cedo acabam por voltar, por se tratar de um excelente destino de férias onde sobretudo se come bem. Da estância balnear, são naturais as pessoas que, mesmo sem nunca terem cá vindo, sabem-no pela barriga dos portugueses, assim que os veem despir na praia e deitar na toalha para apanhar banhos de sol.

Que Lisboa não era Benidorm, já eu sabia da última vez em que lá estivera de férias. E ainda bem que assim é.

Não me agradava nada viver num sítio em que para ir à praia tinha de esperar pelo inverno, que é quando os turistas de verão já regressaram aos países de origem e eu posso finalmente tê-la toda só para mim.