Lista de Pedófilos: Sim ou Não?

Primeiro surgiu como um rumor, depois teve direito a confirmação. Alguns aplaudiram efusivamente enquanto outros repudiavam veementemente. Causou polémica desde a nascença e entende-se o porquê. Afinal de contas não se pode criar uma lista de pedófilos de ânimo leve. É impressão minha ou a nova moda são as listas? Primeiro foi a dos contribuintes VIP, agora é a dos pedófilos. E sabe Deus o que teremos a seguir (nem vou tentar adivinhar, ainda corria o risco de acertar). Apesar desta ser uma questão portuguesa o problema, esse, é global. Tanto acontece em Portugal como Espanha, Estados Unidos da América ou Brasil. Mas esta lista será um passo ou frente ou vários à retaguarda? É isso que tentarei perceber no final desta crónica. Sejam bem-vindos ao “Desnecessariamente Complicado” desta semana.

Mas antes de ir ao cerne da questão é necessário três pontos prévios. Primeiro: não sou pai (e nem é uma questão de idade porque muito boa gente é pai aos vinte e quatro anos de idade). Mas sou padrinho de uma linda menina e tenho outras crianças na família (nomeadamente primos). E tenho por essa menina um genuíno amor. Não é minha filha, mas é como se fosse (afinal de contas ser padrinho é ser pai duas vezes, certo?). Segundo: gosto muito de crianças (e como este é um texto sério nem se atrevam a fazer piadinhas, ok?). Sou filho único, mas sempre desejei ter irmãos. Pedi inúmeras vezes ao longo dos anos um irmão (ou irmã, não tinha preferência), mas o meu pedido nunca foi satisfeito. E como tal sempre gostei muito de outras crianças (diz que brincar sozinho é engraçado mas monótono). E isso manteve-se ao longo dos anos. Hoje sou adulto mas continuo a gostar de crianças, contudo estou mais perto de ser pai do que de ter um irmão (não é preciso explicar porquê, pois não?). Tudo isto serve para vos explicar que embora não seja pai este é um tema que me diz muito e ao qual dou especial importância.

Terceiro: não se esqueçam que pedofilia pode ser praticada contra bebés, mas também contra adolescentes de 17 anos. E se um bebé, ou uma criança, não terá nunca culpa de nada, uma adolescente por vezes sabe bem o que faz. Nunca se esqueçam da quantidade de casos que existem onde um(a) adolescente queria “apenas” provocar um acto impróprio para, posteriormente, colocar o caso em tribunal e conseguir assim dinheiro fácil. Não estou a ser insensível, é a dura realidade, por mais que nos custe a admitir! Agora sim, vamos ao tema em si!

A primeira pergunta que nos surge quando pensamos numa lista de pedófilos é: “quem vai poder aceder a ela?”. Bom, segundo o que a imprensa revelou poderão aceder à lista os pais e aqueles que exerçam responsabilidades parentais sobre menores até aos 16 anos de idade. “Mas podem fazê-lo em qualquer situação?” Não, apenas o poderão fazer quando tiverem “fundado receio” de que determinada pessoa possa constar no registo. “E onde estará a lista? Na polícia?”. Exactamente, na polícia. Bastará que se desloquem à esquadra policial da respectiva zona de residência e perguntar se a pessoa em causa consta da referida lista. Como devem imaginar caberá às forças da autoridade determinar se as preocupações justificam o acesso à lista ou não. E se se justificar aquilo que é revelado não é mais do que se a pessoa da qual suspeitam está, ou não na lista. Ou seja: ficam sem saber se o pedófilo aparece na lista por ter cometido uma agressão sexual com pena mínima ou por ter cometido crimes de pena máxima.

Mas ainda não está tudo dito: o agente da polícia que consultar a lista fica com o seu nome registado, assim como a hora e o dia da consulta, sendo que fica igualmente obrigado a manter o sigilo sobre a informação consultada. Sim, porque como deve imaginar esta é informação que não convém que ande a circular pelos cafés e mercearias das vilas portuguesas. Dito isto vamos à verdade pura, e dura: alguém acredita que estas informações não vão ser reveladas a tudo e todos?

Imaginemos o seguinte caso: numa pequena aldeia alentejana um casal suspeita que um individuo possa ser pedófilo. Deslocam-se à polícia e conseguem ter acesso à referida lista. Acontece que o casal tinha razão e a pessoa em causa está mesmo na lista dos pedófilos. Alguém acredita que o casal mantenha sigilo da informação a que ali teve acesso? Claro que não! O casal vai, mais que não seja, contar aos melhores amigos e vizinhos mais próximos. Provavelmente avisa as educadoras de infância, as professoras da escola e as auxiliares de educação. E, verdade seja dita, ninguém os poderia julgar. Todos queremos o melhor para os nossos filhos/afilhados/sobrinhos/primos. Todos queremos que tenham saúde, sorte e sucesso pela vida fora. E a pedofilia não entra em nenhuma parte dessa equação. Logo se queremos tudo isso é natural que avisemos os que nos são próximos. Contudo isso levanta vários problemas.

A casa desse individuo passaria rapidamente a aparecer com os vidros partidos. O carro poderia ser riscado. As pessoas passariam a olhá-lo de lado, com desdém e até algum nojo. As mulheres deixaram de se sentir confortáveis ao seu lado, tendo sempre a tentação de desatar a chamar-lhe nomes injuriosos. Resumindo: essa pessoa deixaria de fazer uma vida normal. E apesar do exemplo que dei ser uma aldeia alentejana arrisco dizer que seria igual em quase qualquer parte do país.

Chegados aqui pergunta o leitor: “Mas agora estás a defender os direitos dos pedófilos? Essa gente não tem direitos!”. Não os estou a defender, estou a constatar factos. Por mais que nos custe perceber os seus actos e palavras a verdade é que são seres humanos como nós. E como seres humanos que são têm direito à mesma justiça que nós. E se constarem da referida lista isso quer dizer que foram julgados, declarados culpados e cumpriram a sua pena estando agora em liberdade, certo? Certo. E o que é que esta lista vai trazer? Vai eternizar a condenação e a pena dada pelo tribunal. E isso não está correcto nem me parece ser algo de que nos devemos orgulhar.

E sim, sei que a pedofilia é dos crimes onde a taxa de reincidência é mais elevada e onde o risco de acontecer uma “recaída”, e um crime voltar a ser praticado, é maior. E isso implica que uma criança ou adolescente seja abusado sexualmente. A pedofila não acontece por acaso: é uma doença!

Se devemos proteger as nossas crianças e adolescentes? Sem dúvida. Se esta lista vai ajudar a que estejamos mais atentos e alerta? Sem dúvida. Se vai trazer o tema para o centro do debate, obrigando-nos a falar sobre ele (algo que não acontece actualmente)? Sem dúvida. Se vai fazer com que os pedófilos tenham receio de voltar a cometer um crime, sob pena de serem identificados? Sem dúvida também. Mas esta lista vai, acima de tudo, alimentar o “diz que disse”, as intrigas, a coscuvilhice, os rumores, as calúnias e os ataques sem rosto à vida e bens destas pessoas. E com isso eu não posso estar de acordo.

Voltemos, por instantes, ao exemplo acima do casal da aldeia alentejana. Contudo, agora vamos mudar um pequeno detalhe: o individuo em causa não é culpado mas sim inocente. Ou seja, não está na tal lista. Alguém tem dúvida que mesmo sendo inocente iam demorar apenas alguns dias até aparecerem rumores na aldeia. Por mais que o casal desminta os rumores e diga que ele é inocente vai, sempre, existir alguém com o típico discurso: “Não, a mim não me enganam! Ele é culpado de certeza! E aposto que cumpriu pena máxima! Eu logo vi que ele tinha algo de estranho, a mim ele nunca me enganou!”. Parece caricato, mas pode ser realidade em breve se esta lei for para a frente.

Aquele homem nunca mais seria o mesmo. A sua vida poderia ser estragada por causa disto. Coloquem-se no lugar deste homem e digam, sinceramente, se concordam com esta lei. Este homem seria inocente aos olhos da justiça mas culpado aos olhos de alguns. E essa culpa ninguém a poderia tirar, infelizmente.

Será esta lista uma realidade em breve? Ainda é cedo para o saber. Para já parece existir vontade por parte do Governo, o que pode querer dizer muito. Mas também parece existir vontade por parte da oposição em atacar esta intenção (mais que não seja colocando em causa a sua constitucionalidade). Por isso apenas o tempo dirá o que o futuro nos reserva. Para já é importante discutirmos este assunto. Até porque a pior coisa que existe é a desinformação e a má informação.

Finalizo com uma mensagem para todos vós, leitores. Amem as vossas crianças. Não interessa se são filhos, afilhados, sobrinhos, primos. Amem-nos e façam com que eles o saibam e sintam. Eduquem-nos e informem-nos. Não os deixem na sombra no que diz respeito a temas tão importantes quanto a sexualidade ou a saúde (não é preciso explicar a ligação de ambos os temas pois não?). Vivam e deixem-nos viver. Dêem-lhes a liberdade de que eles precisam para viver e errar, mas estejam sempre nas proximidades para os ajudar a levantar quando a vida os deitar abaixo.

“Mas afinal és a favor, ou contra, a lista de pedófilos?” Querem que seja sincero convosco? Nem eu sei. Este é dos poucos assuntos onde não tenho uma posição concreta e definida. Contudo se a lei for realmente inconstitucional só posso estar contra ela. Percebo que a lei tenha boas intenções, mas temo que as consequências negativas superem em muito as positivas. Este é, sem dúvida, um tema para acompanhar de perto.

Boa semana.
Boas leituras.