Lucia Cole – A cantora que, afinal, não existia

Em toda a história da humanidade nunca se produziu, e ouviu, tanta música como actualmente. Seja em que plataforma, e formato, for a música parece estar em todo o lado. Ou seja aumentou, e muito, a oferta a que nós temos acesso. Desde bandas com décadas de carreira aos miúdos que ainda nem saíram da puberdade, e gravaram uma música no sótão da casa da avó, tudo está acessível na internet. A internet veio dar-nos acesso ao mundo…literalmente. E isso é bom, obviamente. Mas também tem o seu lado negativo. O “Desnecessariamente Complicado” desta semana é sobre a cantora Lucia Cole. O quê? Nunca ouviu falar deste nome? Como não? Então prepara-se para ler a história da cantora que, afinal, não existia.

Digamos que a cara leitora é um promissora cantora/compositora e que está em busca de uma oportunidade para brilhar. Tem uma forte presença nas redes sociais, um contrato com uma grande editora discográfica e um som que a distingue (embora um pouco datado) que, muito provavelmente, teria vendido razoavelmente bem se tivesse saído no final dos anos 90/início dos anos 2000.

Só existe um problema. Como é que eu lhe digo isto? Bom, você…não existe. A sua, suposta, editora nunca ouviu falar de si (porque você não existe) e as suas canções são, na realidade, músicas da Jessica Simpson. Não, não me refiro a covers de músicas da Jessica Simpson, mas sim a gravações reais, que foram lançadas pela Columbia Records em 2001 e recém-lançadas para o iTunes, Amazon, Spotify e Tidal só que com outros títulos.

Bem, tanto quanto eu sei esta é a história de Lucia Cole. E digo “tanto quanto eu sei” porque, não só Lucia Cole não existe como o pouco que existe está a desaparecer, rapidamente, da internet. Mas, mesmo não existindo, uma cantora com o nome “Lucia Cole” lançou a 28 de Maio um álbum chamado “Innocence” no iTunes (supostamente através da Republic Records, que pertence à Universal Music Group, que é “só” uma das maiores editoras do mundo).

Jessica Simpson
Jessica Simpson

Esta história começou a captar a atenção de vários órgãos de comunicação social depois de um blogue norte-americano ter percebido (vá-se lá saber como) que as músicas da “Lucia Cole” eram, afinal, músicas da Jessica Simpson, mas com outros títulos. Não só as músicas são as mesmas como os “novos títulos” são muito semelhantes (ou mesmo iguais) aos originais. Senão vejamos: “What’s It Gonna Be” (do álbum “Irresistible”, de 2001) transformou-se em “Gonna Be” para Lucia Cole; “For Your Love” tornou-se em “Your Love” enquanto “Forever In Your Eyes” e “His Eye Is On The Sparrow” mantiveram os títulos. Ou seja: não era um esquema assim tão difícil de ser detectado.

Alguns jornalistas norte-americanos quiseram investigar este caso e, pelo menos, tentar percebê-lo um pouco melhor. Foi aí que o caso se tornou mais claro mas, também, mais confuso. A Republic Records (supostamente a editora de Lucia Cole) negou, por duas vezes, ter sob contracto alguma cantora com o nome indicado. Curiosamente, ou não, ao final da tarde desse mesmo dia todas as músicas de Lucia Cole tinham sido retiradas do iTunes (contudo permaneceram durante mais algum tempo na Amazon, no Spotify e no Tidal).

Lucia Cole

Mas não foi tudo: nesse mesmo dia a sua página de Wikipédia foi apagada e a sua página de Twitter deixou de estar acessível ao comum dos mortais, sendo que a alguns jornalistas norte-americanos tentaram contactá-la por email (através do email que disponibilizada no seu perfil do Twitter) mas também não tiveram sorte (dado que o mesmo já se encontrava desactivado).

Vamos parar um pouco para pensar em tudo isto. A primeira pergunta que damos por nós a colocar é: “Mas como é possível algo assim acontecer? O iTunes não verificou a autenticidade das músicas da Lucia Cole?”. Pois, das duas uma: ou não verificou ou, se o fez, foi completamente incompetente. Só isso explica o que aconteceu. É que nesta situação o esquema nem era muito complexo (relembro que os títulos das faixas mal foram mudados…), o que ainda aumenta mais as responsabilidades da empresa.

A segunda pergunta é muito, muito, curta: “Porquê a Jessica Simpson?”. Pois, não faço ideia. Admito que me ri ao tomar conhecimento deste caso (aliás, acho que é impossível um amante de música não se rir ao ler os contornos deste caso…), mas tenho que dar a mão à palmatória e reconhecer…a profunda inteligência da escolha. Sim, inteligência. Senão reparem: quantos é que são os verdadeiramente fanáticos pela carreira discográfica da Jessica Simpson? Pois, muito poucos. Logo a probabilidade de alguma dessas pessoas reconhecer uma música do seu ídolo por entre as “músicas” da “Lucia Cole” diminui drasticamente. Se a escolha tivesse recaído em canções com…digamos, qualidade, ia conseguir muitos fãs (afinal de contas as músicas seriam boas) e isso ia despertar atenções desnecessárias e comprometer a burla. Logo, feitas as contas, escolher músicas da Jessica Simpson faz sentido. Tem graça, mas faz sentido.

Mas querem saber uma curiosidade? Então eu digo-vos: “Lucia Cole” deu ao seu perfil no Twitter o nome @trulylucia. Querem uma segunda curiosidade? Pronto, não peçam tanto…eu digo-vos: Lucia Cole deu, pelo menos, uma entrevista. Sim, uma cantora que nunca existiu deu uma entrevista. A que meio de comunicação? A um blogue (claro, só podia não é verdade?). Ou seja, não foi feita qualquer filtragem antes da entrevista (o que, por si só, diz muito do blogue em causa). Eu sei que vocês estão aí a salivar por mais uma curiosidade não é? Pronto, está bem, eu revelo (é o que dá eu ser um coração de manteiga!): Shaquille O’Neal (sim, “esse” Shaquille O’Neal) partilhou uma vez o “álbum” de Lucia Cole dizendo “Estará aqui a nova Mariah Carey?”. Eu sabia que vocês iam gostar e que se iam rir (é o que dá conhecer tão bem os leitores do Mais Opinião!).

Apesar de tudo isto ter alguma piada a verdade é que estamos perante um caso muito grave. Foram cometidos muitos crimes no decorrer desta burla. E, por enquanto, não existe qualquer sinal do burlão (ou burlona, claro). Até porque o pouco “rasto” que havia de Lucia Cole desapareceu assim que a imprensa “cheirou” esta marosca. Esperemos que as autoridades consigam seguir o pouco rasto existente e chegar até ao culpado!

Agora, sejamos sinceros: para quem já esteve mais do que cinco minutos na internet nada disto é novidade. Aliás, já estamos demasiado habituados a meias-verdades, mentiras, dados falsos ou exagerados para impressionar tudo e todos ou mesmo a manipulação de imagens nas mais variadas situações e contextos. Esse é o pior lado da internet: permite as mentiras e incentiva o anonimato. E quando esta é a premissa de algo temos de estar preparados para o pior não é?

Dito tudo isto é inevitável deixar no ar a seguinte pergunta: quantas mais “Lucias Cole” haverá espalhadas pela Internet?

P.S: Não resisto a contar-vos mais uma curiosidade sobre “Lucia Cole”. Nenhuma das suas músicas vendeu mais do que cinco cópias. Ou seja, podemos elogiar a ideia, o planeamento e a paciência em sustentar a mentira durante tanto tempo, mas os resultados práticos (entenda-se: o lucro) foi praticamente nulo. Mas isso era de esperar a partir do momento em que as músicas originais eram da…Jessica Simpson (digo eu, não sei…).

Boa semana.
Boas leituras.