Madame de Beauharnais

Inerte na cama, de rosto virado para cima, contempla o teto como se tivesse nele pintado o mapa político da Europa como gostaria que tivesse ficado desenhado à hora da sua morte.

Atento sem pestanejar, era como se observasse o posicionamento em que no céu deveriam ter estado alinhados os planetas, para ter conseguido levar de vencida os soldados inimigos no dia da célebre Batalha travada em Waterloo.

Com a nação francesa à cabeça, a Europa seria uma formosíssima mulher, com a inteligência de Minerva, a deusa grega da sabedoria, e o corpo de uma ninfa que até a um general faria perder o norte, motivando chegar atrasado ao campo de combate.

Não de aspeto muito sedutor, granjeando de pouquíssima popularidade entre as mulheres, Napoleão nasceu e morreu numa época em que ninguém esperaria ver a Córsega tornar-se berço de um soldado com aspirações a ser Imperador. O futuro imperador podia ser de baixa estatura e parecer insignificante aos olhos de quem achava que à frente de um grande exército só caberia um homem da envergadura de um cavalo, porém, veio a revelar-se tão grande na defesa dos ideias saídos da revolução francesa, que era como se da sua autoria é que fosse o célebre lema a preconizar a liberdade, a igualdade e a fraternidade entre todos os homens.

Primeiro como soldado e finalmente à frente da mais alta patente militar, num exército por cujos atos respondiam marechais da craveira de Ney ou Murat, ao longo de uma dúzia de anos, foram tão vastos e tantos os reis subjugados, que dir-se-ia ter sido o percursor de táticas militares criadas por si, que até ali ninguém podia ter herdado.

Até onde pôde levar as suas tropas, Napoleão Bonaparte ajudou a definir as fronteiras terrestres de um novo império. Pelo meio, lutou, casou, teve filhos, foi amado, atraiçoado, julgado e considerado culpado, mas a sua fama haveria de sobrepor-se a outros estrategas que, perante uma ameaça, sem explorar todas as possibilidades de vitória punham em marcha uma espécie de plano B que os conduziria à derrota.

No auge da glória do seu mandato vitalício de cônsul francês, autoproclamou-se imperador em Notre-Dame de Paris e à mulher que amava, uma jovem viúva com dois filhos chamada Josefina, tornou digna sucessora em opulência de Maria Antonieta que, se entretanto não tivessem decapitado, teria assistido ciumenta à coroação de uma mulher, por todos considerada ainda mais bonita do que ela.

No ocaso da vida, Napoleão foi preso e exilado numa ilha do Atlântico sul batizada pelos ingleses de Santa Helena, talvez em homenagem à figura da Igreja a quem, em prece, mais terão rogado para ser libertos, os homens e mulheres que ao longo de décadas ali foram sendo feitos prisioneiros.

A cinco de maio de mil oitocentos e vinte e um, o imperador deposto recorda alguns momentos de uma carreira militar iniciada na infância desde a entrada no Colégio interno de Brienne, deitado de olhar vidrado colado no teto de uma casa, da qual guardariam melhores lembranças os seus admiradores, se ao invés de servir de leito de morte, o tivesse visto ali nascer cinquenta e um anos antes.

Dali a pouco, Napoleão Bonaparte sabia que ia morrer, constrangido apenas por não estar rodeado de maior número de leais servidores ou simplesmente por Maria Luísa, a princesa austríaca que desposou no intuito da paz e de cujo amor resultou um filho, a quem tratavam afetuosamente por Rei de Roma, mas que gostaria de ver suceder-lhe com o título pomposo de Napoleão II.

Como se tivesse parado de contemplar uma cena que resumia uma vida aos escombros de um campo de batalha, Napoleão cerrou os olhos e entreabrindo os lábios brevíssimas palavras que, aos mais distraídos, passariam despercebidas, mas a quem melhor o conhecia e acompanhava naquele momento doloroso não podiam ter deixado de soar senão ao nome da mulher que toda a vida o amou: Joséphine … Joséphine … je vous aime, madame de Beauharnais.