Mãe, estou na queima! – Rafael Coelho

A maior parte das semanas das queimas das fitas e das bênçãos das pastas, coincidem em muitas cidades do país com a primeira semana e primeiro fim-de-semana de maio, onde cujo domingo é dedicado ao dia da mãe.

Estranha coincidência esta quando muitas das mães de estudantes universitários presenciam pela primeira vez aos desfiles dos carros alegóricos pela cidade de Coimbra, desde a alta universitária (alta como eufemismo de espaço geométrico, mas também de dignidade e até de superioridade – em termos de estudos), até à baixa da portagem, junto ao desde sempre aclamado por muitos poetas e escritores Rio Mondego.

O espetáculo é bonito, motivante e contagiante quando começa, mas imploravelmente degradante e pouco digno quando termina. O desfile da queima traz para cima dos carros alusivos aos cursos ministrados na cidade – frequentemente decorados com motivos de sátira política e humor – muitas vezes o pior dos mundos pelo qual passam alguns dos estudantes universitários desta geração. O pudor fica muitas vezes guardado dentro do quarto onde se vestiu a farda negra – quase parecendo que uma coisa substituiu a outra. O respeito pelo outro, que nem sempre está virado para o pobre pagode, apenas pensa que vai assistir a um desfile de cultura, de sabedoria, de gratidão, de alegria, mas de tristeza na despedida, esse, ficou escondido por debaixo daquelas decorações ao início coloridas e atraentes, para que no final fiquem dantesca e marginalmente destruídas pelo chão do percurso desfileiro.

Cem metros após a “largada”(1) já os foliões estudantes aparecem de farda molhada, muitas vezes bêbados e outras sabe-se lá com que outros efeitos de outras substâncias. As decorações dos carros vão sendo destruídos e os seus destroços espalhados pela via pública – quando existe um local disponibilizado pela Câmara Municipal, no final do percurso, para serem deitados esses restos. Durante o cortejo, milhares de livros de cerveja são oferecidos ao povo assistente, outros bebidos e as latas e copos espalhados pelo chão, assim como o resto de cerveja que cai ao chão, desperdiçando-se e deixando um resíduo mal cheiroso durante uma série de dias. Durante a semana académica, uma série de barbáries são cometidas por, obviamente, bárbaros, que não necessariamente, mas preponderantemente estudantes. Brincadeiras com carrinhos de supermercado roubados das grandes superfícies, que veem a ser encontrados em qualquer lugar, muitas vezes destruídos e outras vezes atirados para dentro do rio. A par de tudo isto, as salas vazias de estudantes que… estão a dormir porque pernoitaram na “Queima”. Tudo isto, sem contar os estudantes que em certos anos morrem estupidamente nesta época.

Será que mães e pais conheciam estes espetáculos antes de os presenciarem?

Será que concordam com eles?

Seria esta a impressão que tinham os pais acerca dos estudos dos seus filhos?

São estes os homens e mulheres que no futuro vão orientar o nosso país e conduzir o futuro dos nossos filhos e netos?

Serão estes espetáculos degradantes suficientemente dignos para uma cidade que se diz e quer cosmopolita e na vanguarda do ensino superior?

(1) Na minha terra chama-se “largada” ao gesto de largar vacas ou novilhos pelas ruas, para as pessoas brincarem com elas e, muitas vezes, serem por erras marradas, assim também acontece em muitos lugares de Espanha, como é o caso de Pamplona.

 

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro