A magia das noites Europeias.

Foi com um friozinho na barriga que passei a tarde. Uma noite mal dormida antecedia um dia gélido. Não assente na temperatura que se fazia sentir ao relento, mas muito por culpa do Pólo Sul que ligava a minha garganta – que se ia fechando com a quantidade de saliva ingerida -, ao meu estômago, que roncava mais do que uma manatim com o cio. Era dia trinta de Julho de dois mil e quinze. Tinham passados oito anos. Oito. 2920 dias menos uns pozinhos. Pozinhos esses que eram a poeira na história recente do meu clube. Pozinhos esses que se uniram para formar a torre de emoção que se abatera sobre mim. Era UEFA. Era Liga Europa. Era o que quisessem chamar. O certo é que as noites Europeias tinham voltado ao Restelo. A minha casa.

O jogo era frente ao Gotemburgo. Os Vikings iam defrontar os meus “Vikings”, os do Restelo. Aqueles que foram por mim apelidados. Aqueles que venceram todas as adversidades sem poupar ninguém; os que se tornaram conquistadores; os que navegaram sem destino e chegaram a bom porto. Vikings contra Vikings. Altos e fortes contra pequenos e franzinos. Mas o futebol é mais do uns nomes soltos, é mais do que uma comparação de alturas, é mais do que uns chutos na bola. O dia de trinta de Julho de dois mil e quinze marcou tudo. Marcou uma viragem, um regresso, um marco. Foi noite de emoções, de voltar a ser falado Europa fora, de cravar o nome na lista europeia, de transportar a “cruz que andava solta nas velas” para o mundo. Esse dia chegou, passou e mais do que tudo, ficou e ficará sempre gravado na memória de todos. Tal como ficou o dia em que nos batemos bem frente ao Mónaco; ao Leverkusen; ao Barcelona ou ao Bayern de Munique, isto só falando de adversários de renome. Tal e qual fénix, renasceu. Voltou a erguer-se e a conquistar algo que será sempre pequeno para quem quer muito. Ou exagerado, para quem é tacanho. A verdade é que chegámos lá. Espetamos a bandeira do orgulho em casa e lavaremos o símbolo da esperança para a Suécia.

O jogo em si trouxe muito. Duas espadas cravadas no coração dos suecos. Dois golpes de Carlos Martins, caíram com estrondo nas barbas loiras e nos dois metros de homens. 5000 pessoas a vibrar, a chorar, a abraçar o do lado como se de um filho se tratasse. Era futebol. Era Europa. Era o sonho dos que se dizem “poucos mas bons” mas que na maior parte das vezes acabam por ser “muitos mas maus”. Era o eco de um clube farto de sofrer, farto de azares que nem em livros de profetas da desgraça se verificam, farto do mau auguro, farto de se fazer valer da história. Mais de 25 anos depois, o Belenenses volta a ganhar numa competição Europeia. E desta feita com um onze completamente nacional, a valorizar o que de bom se faz cá dentro. A demonstrar a garra lusitana e o coração azul. Foram onze Viriatos a remar para o mesmo lado, contra uma tempestade sueca que ainda assustou, mas que não fez muita mossa. Foi histórico. É inédito. E será ainda mais grandioso após dia 6.

Foi no dia trinta de Julho de dois mil e quinze. Foi nesse dia que voltei a ver o meu clube na Europa, foi nesse dia que voltei a sentir o friozinho na barriga que me faz borbulhar o estômago, foi nesse dia que senti o que é ser grande, o que é ter estatuto, e o que é fazer história. Chega de nos valermos do palmarés, é tempo de o começarmos a fazer. A magia das noites de futebol europeu voltou ao estádio mais bonito do mundo e, se não nos deixarmos abalar pelos vaticínios dos “Velhos do Restelo”, passaremos o Cabo das Tormentas que tem sido o passado recente e faremos um futuro ser a capa da história azul.