A mais épica aventura da minha infância

É frequente ouvirmos alguém dizer “tenho tantas saudades da minha infância…aquilo é que eram tempos bem passados!” E porque acontece isto? Porque a infância é efectivamente a melhor fase das nossas vidas. Claro que em adultos vivemos momentos igualmente fantásticos, contudo a magia que envolve a infância é irrepetível e todos temos plena consciência disso. E a infância é marcada por episódios caricatos, épicos, desastrosos, enfim, há um pouco de tudo. A história que vos conto hoje aconteceu em meados dos anos 90, era eu apenas um petiz, e asseguro-vos que é 100% verdadeira.

Antes de mais deixem que vos situe no tempo e espaço. Estamos em meados dos anos 90, muito provavelmente 1994/1995 (não sei precisar, confesso) em Azambuja, concelho pertencente ao distrito de Lisboa. Era final de tarde, e certamente seria inverno, visto que apesar de não ser muito tarde o pôr-do-sol rompia por entre os estores, iluminando levemente a sala de estar.

Eu estava, como sempre, sentado no sofá a ver os meus desenhos animados favoritos. E sendo eu um rapaz, e decorrendo a acção em meados dos anos 90, acho que é bastante óbvio que falo de…Dragon Ball! Os meus pais tinham saído para ir às compras (aquelas compras do mês que demoram uma eternidade) e encontrava-me sozinho em casa com a minha bisavó. A nossa sala de estar era composta por um móvel (onde estava a televisão) que continha um bar no canto superior direito da sala, uma pequena mesa de madeira a meio da sala, um sofá individual ao lado da mesa (virado de frente para esta) e dois sofás (um individual e outro maior, para três pessoas).

Continha também duas portas que davam acesso ao quintal (visto ser o rés-do-chão) e um candeeiro grande, lindo, majestoso. E o cadeeiro não ficou para o fim por acaso. Era um candeeiro de tecto com pendentes, tantos pendentes que nunca soube ao certo quantos eram. Mas na altura pareciam-me mais de mil.

Bem, lá estava eu sentado no sofá a seguir com toda a atenção mais um episódio do Dragon Ball quando por algum motivo que não faz parte da memória que tenho dos acontecimentos decido saltar para cima do sofá (o grande, no canto da sala e de frente para a televisão). Certamente a acção estava entusiasmante e o nervoso miudinho era tanto que não aguentei sentado (logo eu que nunca gostei nada de estar quieto e calado). Todo eu era emoção, e nervosismo, e adrenalina. A acção estava ao rubro e certamente que na caixinha mágica acontecia um combate absolutamente épico e imperdível (daqueles que durava 20 episódios) que eu acompanhava com murros e pontapés disferidos na atmosfera num inimigo invisível.

Mas eu só podia dar murros e pontapés enquanto que as personagens podiam voar, não era justo. Eu também queria voar, mas sabia que isso era impossível. E aí olho em frente e para cima. Os meus olhos encontram-se com o candeeiro, mais concretamente com os seus pendentes. Os desenhos animados perdem interesse por momentos.

Num acto repentino, e irreflectido, decido saltar e esticar os braços em direcção ao candeeiro. As minhas pequenas mãos agarram alguns dos pendentes e eu fico pendurado no candeeiro (o facto de ser pequeno permitia-me estar a uma altura considerável do chão). O facto de ter saltado de cima de sofá deu-me balanço suficiente para que viajasse, por meros segundos, pela sala. Afinal era possível eu voar! Agora sim, estava em vantagem na batalha, agora o meu inimigo invisível não teria hipótese de vencer! Todo eu era felicidade, afinal de contas estava a voar em plena sala de estar.

Mas assim que pensei isto para mim mesmo fiquei preocupado, visto que era preciso sair dali rapidamente e eu não sabia como o fazer. Tomei então a liberdade de me soltar, em pleno voo, não fazendo a mínima ideia de onde iria aterrar. Mais uma vez a sorte esteve do meu lado e aterrei no pequeno sofá individual que estava ao lado da mesa de madeira, no centro da sala. Ao aterrar fiquei sentado de lado, ou seja, as pernas em vez de estarem para a frente estavam para um dos lados, viradas para a televisão.

Caí, percebi que tinha ficado sentado, e ri-me. Obviamente que não tinha a mínima consciência do que tinha feito, e muito menos dos riscos que tinha corrido. “Durou pouco, mas foi engraçado” pensei eu. E mal acabo de pensar isto oiço um estrondo como nunca tinha ouvido. O ruído estrondoso foi acompanhado de uma quebra de luz em toda a casa, excepto na televisão que continuava a mostrar uma batalha de proporções épicas. O meu peso, ainda que pouco, foi o suficiente para fazer cair o candeeiro e eu escapei por segundos (e milímetros).

Mas e onde estava a minha bisavó durante todos estes….dois minutos? Não fazia ideia, mas descobri segundos após a queda do candeeiro. Ela mandou um grito que me fez tremer tanto quanto a própria queda do candeeiro. Estava noutra divisão e não se apercebeu de nada, coitada.

Seguiram-se gritos e ameaças de sovas de proporções tão épicas quanto a batalha que dava na televisão (e que eu ainda assistia, não ligando nada ao ralhete que me era dado, visto que a televisão era a única coisa na casa inteira que funcionava). A sova seria dada não por ela mas pelos meus pais que quando chegassem teriam um ataque cardíaco. Ou dois ou três logo de seguida.

Ok, eu estava com medo. Eu estava com muitoo medo porque sabia exactamente o que me esperava assim que eles chegassem a casa. Esta era a época anterior aos telemóveis, à internet, ao Facebook. Nada havia a fazer e nenhuma forma havia de lhes comunicar o sucedido.

As horas passaram e eles lá chegaram. Todo eu tremia tamanho era o medo do que me esperava. Nunca tinha levado grandes sovas, apenas alguns encostos com as costas da mão. Do que se seguiu tenho poucas, ou nenhumas memórias. Sei que coube à minha bisavó contar o que se tinha passado e que eu me escondi no quarto (antevendo o castigo que aí vinha).

Sabem qual foi o desfecho? Por incrível que pareça…não levei um único estalo, nem um único castigo. Aliás a minha mãe estava tão surpreendida com tudo aquilo que quando ouviu a história ficou completamente em pânico e sem reacção pensando apenas naquilo que podia ter acontecido. Ou seja, a mais épica das minhas aventuras acabava de ser tornar ainda mais épica pelo facto de não ter levado uma única chapada. Foi a única fez que não fui castigado por alguma patifaria que fiz.

Hoje esta história serve para ser contada à mesa, nas reuniões de família, e para eu “gozar” com a minha mãe por me ter conseguido escapar de uma sova das antigas.

Nunca se esqueçam da vossa infância, da ingenuidade que brotava das vossas mãos e da ilusão que tomava conta dos vossos olhos. Recordar o passado é saudável desde que consigam sempre regressar ao presente. Ah, e cuidado com os candeeiros, voar é possível mas nunca às custas dos pendentes ok?

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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