Mais uma crónica sobre o fim do mundo – Francisco Duarte

Ao que a lagarta trata por fim do mundo o mestre trata por borboleta.

Richard Bach

 

Recentemente revi um excelente documentário do National Geographic intitulado “O fenómeno 2012”. Interessante história de um investigador que tenta descobrir de onde veio o mito de que o mundo iria de algum modo terminar no dia 21 do corrente mês e o porquê de isto afetar tanto as pessoas. Visto que já só faltam menos de três semanas para o fatídico dia, considerei que seria interessante dar a minha própria visão do tema.

Comecemos pelo óbvio: acreditarei eu que o mundo poderá acabar no dia 21 de Dezembro?

Não.

Porquê?

Bem, a resposta deveria ser por demais evidente, mas qual seria a piada de ficarmos por aqui?

Comecemos pela origem da data.

21 de Dezembro

Este é o dia do solstício de Inverno (também pode ser o 22). Os solstícios sempre tiveram importantes significados para os povos antigos. Veja-se que o solstício de Inverno corresponde ao dia mais curto do ano (no hemisfério Norte), e o de Verão (normalmente dia 21 de Junho, ou então o 20) ao mais longo. Isto inverte no Hemisfério Sul. Evidentemente que estamos a falar do calendário Gregoriano, que sendo o mais amplamente utilizado no mundo neste momento, não o era há apenas alguns anos atrás, e, evidentemente, que houve muitos outros calendários no passado. Se recuarmos suficientemente, veremos que cada civilização teria os seus próprios calendários, com propósitos e referências próprias.

O que isto implica é que se algum evento sagrado ou celestial for visto como ligado a uma destas datas, então isso poderá ser interpretado como possuindo algum importante impacto. Evidentemente que o Universo não está, nem alguma vez estará, dependente dos modos quase-aleatórios como definimos as nossas classificações das coisas. E isto traz-nos à questão maia, que está intimamente relacionada com o atual fascínio pelo fim do mundo.

Os Maias eram um povo da Idade da Pedra (classificação que define o tipo de tecnologia disponível e não a antiguidade) que ocupava uma zona da América Central e que terá atingido o seu pináculo entre os anos 250 e 900 da presente era. Para além de construírem amplas cidades sobre o que haviam sido pântanos, também se caracterizavam pela religião sanguinolenta (típica da região), por construírem as pirâmides mais volumosas do planeta e por possuírem um complexo calendário.

O calendário, que era esculpido em pedra (evidentemente), era dividido numa diversidade de ciclos (os ciclos em si eram parte importante da imagética religiosa maia), entre os quais se destacavam alguns dos mais amplos, os b’ak’tun. Pois a 21 de Dezembro de 2012, ironicamente, termina o 13º b’ak’tun.



Chocante certo? Até porque não há nenhum calendário que lhe dê seguimento. Mas e se eu lhe disser que o b’ak’tun não é nem de perto o ciclo mais longo do conceito maia de tempo? Vejamos que este ciclo tem 7.885 anos de duração. Mas o ciclo mais longo de todos, o alautun, deveria dura uns impressionantes 63.081.429 anos! E, em todo o caso, terminar os ciclos não significava o fim, mas antes celebração, uma vez que implicava que “ainda aqui estamos!”

Nós e o fim do mundo

Mas então, porque é que não há calendários que ofereçam seguimento aos que existem? Novamente, a resposta é incrivelmente pragmática: a civilização maia já não existe. Portanto não há ninguém para fabricar um calendário, algo que só faria sentido quando a sua necessidade de aproximasse.

Os maias já estavam em declínio quando os espanhóis os contactaram, em 1511. Com as grandes florestas e pântanos devastados, o império colapsou e transformou-se numa série de cidades-estado em confronto quase constante. Isto facilitou imenso a conquista europeia.

Em todo o caso, se uma civilização que basicamente se aniquilou a si mesma não teria nenhum modo de prever o fim do mundo no futuro distante, e se, em todo o caso, não o esperassem para qualquer altura previsível… Assim sendo… Então porque é que a ideia que o fim do atual b’ak’tun significaria o fim de tudo pegou de tal modo?

Até porque, vejamos, a nossa espécie já sobreviveu a coisas terríveis. Há cerca de 150.000 anos atrás os humanos arcaicos quase se extinguiram devido a uma imensa seca que varreu a nossa África natal. Até há quem diga que foi este evento catastrófico que abriu caminho para aquilo que somos hoje. Desde então, apesar de catástrofes naturais, doenças e guerras terríveis, nada nos aproximou sequer do penhasco que vivemos na história arcaica. Muitos podem morrer, mas o facto é que os seus descendentes ainda aqui andam.

Antes de mais tenhamos em conta que o eminente fim do mundo é um conceito basicamente ocidental, altamente influenciados pelos princípios da família religiosa judaica. Princípios mais antigos ou aqueles que vemos no Oriente tendem a envolver mais o conceito de ciclo quando abordam temáticas similares. E foi no Ocidente que vimos uma maior explosão de previsões de datas para o fim do mundo. Algumas das mais conhecidas são as crenças milenaristas, dos anos 1000 e 2000, que proclamavam a Segunda Vinda de Cristo.

Temos uma obsessão pelo fim e não pela viagem. Esta obsessão permitiu a toda uma série de pessoas deturpar os conceitos da religião maia e assim ganhar tempo de antena e dinheiro com a paranoia das massas.

Como poderá o mundo acabar?

Dificilmente.

Em termos práticos, a Terra é uma bola de ferro com seis quadriliões de quilos (6.000.000.000.000.000.000.000 kg) a flutuar no espaço. Não interessa como vejamos as coisas, é um objeto extremamente difícil de destruir. Já chocou com coisas do tamanho de Marte e ainda aqui está. Não há muita coisa que a pudesse demolir e se algo assim estivesse em rota de colisão já o teríamos visto há anos!

Claro que podemos ser menos ambiciosos e simplesmente admitir que o fim se aplica apenas à nossa espécie. Pode haver a erupção de um supervulcão, ou uma mudança dos polos, ou uma nova era glacial. Novamente, são fenómenos que demoram anos a desenvolver-se, e se estivessem em curso já teríamos dado por ela.

Restam outro tipo de fenómenos. Uma epidemia seria um grande risco. Ou uma guerra colossal. Estes fenómenos são muito mais imprevisíveis e de facto podem acabar com as vidas de imensa gente. Mas o que a História nos diz é que haverá sempre sobreviventes e que, eventualmente, a civilização ressurgirá como algo novo.

No entanto isto não implica que nada possamos aprender desta história.

O facto é que o caminho que estamos a seguir atualmente é assustador. Vemos uma maior fragmentação de países e alianças, ameaças de guerra e devastação dos recursos naturais. Se olharmos para trás, para os maias, veremos um povo que acabou de um modo similar. Dividido e esfomeado, sem futuro.   Vamos chegar a 22 de Dezembro de 2012, que não haja dúvidas disso. Mas é nos muitos anos que se seguirão que teremos de nos focar. Temos de nos preocupar em criar um mundo melhor para os nossos descendentes e não preocupar-nos que o dia deles nunca chegue.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso