Manual de Sobrevivência para Adolescentes

A humanidade tem objectivos tão grandes e ambiciosos, e corre tanto para os atingir, que raramente tem tempo suficiente para fazer uma pausa, e avaliar se tudo à sua volta está a decorrer como era suposto. Por exemplo: ninguém dá a devida atenção aos adolescentes. Exigimos muito deles, falamos muito deles (existem imensos estudos sobre essa fase da vida) mas ninguém se preocupa verdadeiramente com eles. Ninguém os guia e aconselha. Ninguém lhes explica o quão dura será a vida daí em diante ou tenta perceber as suas angústias e frustrações. E se há fase da nossa existência em que precisamos de apoio é na adolescência, certo? O “Desnecessariamente Complicado” desta semana fará a sua parte falando do quão difícil é sobreviver à adolescência.

Aos quinze anos não somos nada mas, ao mesmo tempo, somos tudo. No fundo é a idade do quase. Para nossa tristeza ainda não somos adultos, mas há muito que não somos crianças. Ainda não podemos sair à noite sozinhos e ir aos locais que queremos (bom e daí até podemos, porque nos dias de hoje até com onze anos se sai á noite não é verdade?), mas também já não podemos brincar horas infinitas com os brinquedos que tanto gostamos sem sermos repreendidos pelos nossos pais. Ficamos entre as duas fases, numa zona cinzenta a que alguém decidir dar o nome de “adolescência”.

E, verdade seja dita, tudo á nossa volta parece estar em constante ebulição. A começar pela nossa cabeça. Todos nos dizem que temos que ter uma personalidade e que não nos podemos limitar a ser “Maria vai com as outras”. Mas ninguém nos ensina como raio descobrimos a nossa personalidade. Já percebemos que temos que ter uma…mas onde a vamos arranjar? E dado que ninguém nos dá a resposta que procuramos tentamos lá chegar sozinhos. E aí surgem raciocínios completamente disparatados, do género: “Eu gosto muito de falar, será que isso é parte da minha personalidade? Se sim: isso é bom ou mau? É suposto eu gostar muito de falar ou as pessoas normais falam pouco?”. Claro que estes diálogos são internos, pessoais e absolutamente confidenciais (nestas reuniões de condomínio o sigilo em torno dos temas debatidos é obrigatório), mas eles existem. É como se a cada esquina aparecessem perguntas novas. E por mais que tentemos encontrar respostas apenas nos deparamos com mais perguntas, e mais perguntas e mais perguntas.

Mas calma que isto é só parte da questão! Por exemplo: fisicamente o nosso corpo é um autêntico turbilhão. Parece que todos os dias acontece algo novo, inesperado e que não compreendemos nem sabemos explicar. Nos rapazes, assim como nas raparigas, as borbulhas são uma autêntica dor de cabeça. Aparecem a qualquer altura, sem direito a pré-aviso ou preparação, e causam incómodo, embaraço e dores de doses bíblicas. Depois há a barba (ou, em alguns casos, a falta dela). Quando aparece é o equivalente a uma amostra: é pouco, tem um tamanho ridículo e deixa-nos sempre a querer mais.

E, estritamente ligada às mudanças físicas, temos a sexualidade, obviamente. Para começar: como raio é suposto sabermos fazer algo apenas baseados na teoria? Mais: como raio é suposto sabermos fazer algo se ninguém nos ensina a fazê-lo? Mas vou ainda longe: como raio é que ninguém fala directamente, e francamente, sobre isso se no fundo isso está por todo o lado? Estamos a falar de sexo, sim, mas podia ser de outro assunto qualquer. O sexo está em todo o lado. Está na televisão, nas revistas, nos jornais, estás nas conversas diárias (ainda que muitas vezes seja de forma subliminar) e está na internet, por isso seria de esperar que fosse algo normal falar de sexo. Mas não é (aliás, para muito boa gente, ainda é um verdadeiro tabu). Vocês saberiam exercer a profissão de mecânico se eu apenas vos dissesse o que fazer mas não o demonstrasse? Não saberiam, pois claro. E na vossa cabeça faria sentido todos falarmos de mecânica no quotidiano mas quando me fizessem alguma pergunta mais detalhada eu fugir da questão a sete pés? Não faria, pois claro. Pronto, com o sexo é igual. E sim, haveria muito mais a dizer sobre o sexo, o romance, a conquista, o amor, a paixão e tantos outros tópicos, no entanto deixo isso para os profissionais (ou, se pedirem mesmo muito a minha opinião, para uma outra crónica senão esta torna-se num testamento).

Está cansado? Falta-lhe o ar? Então faça uma pequena pausa antes de prosseguirmos. Sim, porque estamos longe de ter terminado! Já podemos continuar? Vamos a isso então. Por exemplo, socialmente os adolescentes têm o peso do mundo nos seus ombros. Nenhuma faixa etária tem tantos olhos em cima de si quanto os adolescentes. Senão reparem: as crianças olham para os adolescentes como um príncipe olha para o trono…querem lá chegar, só não sabem como; os adultos olham para os adolescentes como um clube de futebol de pequena/média dimensão olha para a chamada “linha de água”…riem-se de dela numa semana (que é quando a vêem de cima para baixo, ou seja, quando agradecem a bênção que é já ser adulto) e choram por ela na semana seguinte (que é quando a vêem de baixo para cima, ou seja, quando se lembram do quanto sofreram entre os quinze e os vinte anos de idade) e por sua vez os idosos olham para os adolescentes como o Jorge Jesus olha para o Benfica…com um misto de raiva e saudades.

“Ah, e como é que os adolescentes olham para os restantes adolescentes?”. Pois, aí é que está: os adolescentes não olham para os outros adolescentes. Eles já têm preocupações e dores suficientes, logo não têm tempo para se preocupar com a vida daqueles que os rodeiam. A adolescência é como o trânsito em hora de ponta: cada um por si e os outros que se desenrasquem! Até porque os adolescentes não têm conhecimento e informação suficiente para analisar correctamente aquilo por que estão a passar os seus amigos adolescentes. Logo o melhor que podiam fazer era dar palpites. E de palpites está o mundo cheio, como toda a gente sabe.

Vocês já repararam que ninguém ouve tantas vezes o cliché “tens o futuro nas mãos” como os adolescentes? Se um adulto ou um idoso encontra um adolescente é garantido que passados dois minutos lhe dizem “tens o futuro nas mãos meu jovem!”. No fundo é uma espécie de praxe em que o objectivo é colocar a maior quantidade de pressão possível em cima do jovem. Ninguém me tira da cabeça que este gesto acontece por interesse pessoal: é que enquanto a pressão estiver no adolescente não está no adulto/idoso que proferiu a frase. Digamos que é uma espécie de “apanhada” da sociedade em vale tudo menos passar ao mesmo.

“Então e as crianças? Elas também ouvem esse cliché muitas vezes…”. Pois ouvem, a diferença é que não têm a noção do que significa verdadeiramente. Ou seja, para elas a frase não traz pressão (é apenas mais uma frase como qualquer outra). Até porque o futuro é algo distante e, como toda a gente sabe, ainda demora imenso tempo a chegar. Por sua vez para os adolescentes o futuro é o dia de amanhã (é precisamente daí que advém a pressão).

E na educação? Ui, ainda nem tinha referido a educação! Já se aperceberam de que entre os quinze e os dezoito anos os jovens têm de tomar variadíssimas decisões fulcrais para toda a sua vida? Primeiro têm de escolher a área que pretendem seguir (para os mais distraídos refiro-me ao 10º ano de escolaridade). Depois têm de escolher que licenciatura pretendem frequentar. E depois em que faculdade pretendem tirar a referida licenciatura. Como é que um adolescente que ainda não têm a certeza de quem é (nem de como é a sua personalidade), que não sabe bem o que se está a passar na sua cabeça (assim como no resto do seu corpo) pode ter discernimento para tomar decisões deste calibre?

E atenção…nada de pensar em parar um ano, ouviram? Se mencionarem parar um ano para assentar ideias e pensar melhor sobre o rumo que querem tomar vão ter direito a um coro de críticas! É que “parar é morrer”, logo quanto mais andares melhor (mesmo que não saibas para onde vais é melhor conduzires sem destino do que parares para consultar um mapa/GPS).

Mas sabem o que é que, no meio disto tudo, me deixa mais indignado? É que a sociedade sabe disto tudo e não só não faz nada para alivar a referida pressão como, ainda por cima, diz: “os adolescentes nem sabem a sorte que têm!”. Acham que tudo isto é sorte? Bolas, se isto é sorte o que será ter azar?

Obviamente que só somos adolescentes uma vez (nesse sentido, é uma sorte). Todas as idades são irrepetíveis (e, na maior parte dos casos, ainda bem que assim é) e aquilo que nos resta é dar o nosso melhor e fazermos tudo a que temos direito. Por exemplo: a nossa quota de erros deve ser gasta, em grande parte, na adolescência. Seja no amor, na amizade, na escola (ou em qualquer outra área) a verdade é que a adolescência é a melhor altura para errar. Tudo porque somos novos (mas não tanto ao ponto de não recordarmos aquele erro) e, se tudo correr bem, teremos à nossa frente vida suficiente para compensar o erro cometido.

Resumindo e concluindo: sou da opinião de que deveria de existir mais respeito e apoio para com os adolescentes. Eu sei que na teoria existe muito a ser feito. O problema é que a prática não acompanha a teoria. Não sei se se aperceberam mas eu nem sequer citei as dificuldades que sente um adolescente que seja diferente dos restantes. Basta ser fugir ligeiramente à normalidade enraizada nos seus colegas e é certinho que vai sofrer diariamente. Seja através de brincadeiras, piadas, partidas ou mesmo violência, não há dia que não seja uma tortura para esse adolescente.

Parem, respirem e tentem recordar-se de como era dura a vossa vida de adolescente. Ajudar o próximo pode não querer dizer “facilite-lhe a vida”, mas certamente que também não significa “torne-a mais difícil”.

Boa semana.
Boas leituras.