Mary Jo in the sky with Ana Clara

Mary Jo conheceu Ana Clara em abril, apresentou-a aos pais em maio e, no mês seguinte, deram o nó no dia consagrado ao Santo que dá nome às festas populares de lisboa.

Natural dos Estados Unidos, Mary Jo viajou com os pais para Lisboa aos 6. Tinha um Mestrado em Biologia mas a vocação era na área das Letras. Adorava ler e, além do Francês, dominava o Inglês como se nunca noutro idioma tivesse falado desde que chegara a Portugal. Parecia uma versão clássica da Katy Perry, loura mas vestida e maquilhada de modo mais austero, com a vantagem de a ela os fans portugueses poderem seguir discretamente na rua, em vez de ser nas redes sociais.

Ana Clara era cidadã portuguesa, embora descendesse de pais brasileiros que, no final do milénio, escolheram viver em Armação de Pêra para escapar ao rigor acentuado da crise brasileira. Era mais nova, e, embora não parecesse nenhuma cantora, a ela se podiam ficar a dever os versos duma canção inspirada no amor. Era bonita, meiga e tão eloquente como provavelmente seria o discurso de agradecimento da mulher a quem eles fossem dedicados.

Lésbicas assumidas, inicialmente, nada esperavam uma da outra, que não fosse retirar os dividendos de uma paixão. Durante muito tempo preferiram, ao conforto ligado a uma relação duradoura, episódios esporádicos de sexo através de contactos feitos na Internet, que representam sempre para alguém uma forma rápida de regredir os passos dados anteriormente na direção do amor.

Tudo isso foi antes de se apaixonarem e terem passado a achar que a vida sem amor, se assemelha a uma salada de alface sem tempero que se come de entrada e dá logo vontade de começar a refeição pelo prato principal.

A dias de completar vinte e três anos, Mary Jo era a mais velha, do género: a cabeça de casal entroncada num relacionamento com pernas para andar. À vista de ambas, o futuro anunciava-se risonho como a perspetiva do sol brilhar após a passagem dum ciclone.

Não tardou a que o relacionamento do casal assumisse contornos de intimidade. Ana Clara era claramente a mais experiente. A roçar o escândalo entre a vizinhança, esteve ter trocado de namorada três vezes na semana do regresso com os pais duma semana de férias em Cuba. De presente por ter entrado na Faculdade, estes oferecerem-lhe uma moto de baixa cilindrada e desde então era vê-la dum lado pró outro a circular a grande velocidade como se o prazo dado pelos pais para usá-la a seu bel-prazer, expirasse quando surgissem negas às primeiras disciplinas.

O cabelo liso de Ana Clara assentava-lhe bem, nos ombros como a gola dum casaco de pelica feito por medida e se, por um lado, a favorecia deixar descair a franja para encobrir a testa alta, por outro era prejudicial sobressair-lhe menos os olhos e encobrindo as sobrancelhas que nunca mostrava franzidas nem quando algum comentário trocista a deixava muito zangada. Parecia mais baixa do que era na realidade, com a mania de usar calças mais largas na cintura do que se precisasse de comprar roupa dois números acima para não se sentir apertada nas ancas.

Mary Jo tinha uma silhueta esbelta, o corpo liso como uma tábua de engomar que se sustinha de pé assente em duas pernas. No rosto, o nariz era pequeno e mal se daria pela falta dele, a não ser que um dia precisasse de usar óculos. Tinha duas pupilas negras como azeitonas, mas a boca, esculpida com o formato de uma ameixa, sugando os lábios vermelhos como bagos de romã era possível beijar obtendo o sabor refrescante de fruta de época.

Travaram conhecimento, na vigésima primeira comemoração do aniversário de uma amiga em comum, que as apresentou, não desconfiando que ofertava a cada uma, o melhor presente que naquele dia alguém podia receber, e que era a possibilidade de vir a desfrutar dum grande amor. Sentaram-se perto, ao alcance de bastar esticar o braço para entregarem em mão uma à outra as bandejas de comida que iam passando e que, nem carregada de sal, lhes aumentaria a sede para quererem o quanto antes largar aquele lugar e partir à descoberta doutro, onde pudessem tomar uma bebida livres de opiniões alheias.

Passaram a falar-se diariamente trocando sms’s ao ritmo a que desejavam, rumo ao fim de semana, que se passassem os minutos, as horas e os dias na ânsia constante de se verem e fisicamente poderem-se tocar. Eram parecidas no essencial, norteadas pelos mesmos ideais, moviam-nas os mesmo objetivos e até gostavam de passar o tempo livre da mesma forma, os mesmos filmes, as mesmas músicas, mais tarde de darem juntas caminhadas ao entardecer como se as reconfortasse no regresso a casa saberem que podiam contar com a massagem sábia uma da outra para restituir ao corpo bem-estar.

Depressa decidiram ir viver juntas. Mary Jo levou Ana Clara a uma imobiliária e de lá até ao aluguer dum T1 nas imediações duma estação de comboios, num bairro apinhado de gente, foi rápido, demorou menos tempo do que, volvida uma semana, a perceberem que, além dum quarto para dormir e sala, precisavam dum espaço para transformar em escritório, pois Mary Jo era empregada num call center e ultimamente estava em trabalho.

Há muito os pais de Mary Jo estavam separados, vivendo em Inglaterra, e juntá-los nem que fosse para anunciar o noivado da filha afigurava-se difícil, um feito tão extraordinário como um turista de visita ao mercado de animais vivos de Whuan, sair de lá desejoso de provar as demais as iguarias que compõem a cozinha tradicional chinesa.

Para Ana Clara não chegou a ser um problema. A família mais chegada, que entretanto desembarcara do Brasil, esteve presente e assim facilmente juntou à família os amigos, e aos amigos solteiros, os do lado de Mary Jo que suspiravam pelos cantos para encontrar alguém.

Casaram numa cerimónia civil que as levou ao cartório notarial mais próximo e de lá seguiram para a boda num restaurante, onde não faltou a animação duma banda contratada para dançarem ao som dos artistas que faziam sucesso no pequeno ecrã. E em seguida, voaram para a lua-de-mel nas paradisíacas praias das ilhas Maldivas, no continente asiático, povoado de sabores e lugares que evocam a diáspora portuguesa.

Não deixaram de se amar, mas ao fim de três dias, Ana Clara enamorou-se duma japonesa casada com um milionário dono de ovelhas e, após uma curta conversa, embarcou com eles decidida a ir viver na Austrália. Quanto a Mary Jo, regressou a Portugal algo desapontada mas resolvida a vencer a tristeza. Retomou momentaneamente à casa dos pais, dedicou-se com maior empenho ao trabalho e quando distraidamente a questionavam sobre a esposa, lembrava que estavam separadas e vivia longe, tão longe como no céu longínquo as estrelas reluzentes e cintilantes como o piscar de olhos no instante em que se viram.

FIM