A melhor aluna do Técnico

Ela era alta. Ele era mais alto do que ela e magro. Ela era mais magra do que ele. Elegante e, não por ter apontamentos das aulas passados a limpo, por onde os colegas pudessem estudar a matéria, cobiçada até pelos rapazes de fora da Faculdade.

Não se chamava Mortágua, mas tinha uma irmã gémea, a quem chamava sua que lecionava “Técnicas de Renascimento Capilar” em Évora, e era dona de um corpo atrativo, condizente com a descrição que, dela, o rapaz, que era tímido, fazia no seu círculo de amigos fora da Faculdade. Uma descrição tão pormenorizada, dando enlevo à parte física, que a todos convencia de que era a mulher ideal, embora tantos atributos, a seu ver, representassem outras tantas dificuldades, querendo justificar, com o facto de ela ser muito bonita, a falta de iniciativa para provocar um encontro acidental entre ambos e, dessa forma, travarem conhecimento ou para lhe dirigir a palavra e dizer, a medo, que achava o corte de cabelo dela, a tapar as orelhas, interessante, o qual já vinha observando desde que, reparando em como ficava bem num rosto oval, pensara em fazer igual para si.

Ele era moreno e tinha o cabelo liso, quando o usava curto, cortado a direito. Ela era totalmente loura e usava o cabelo quase comprido, mas, se para tê-lo dessa cor bastava pintá-lo, para consegui-lo ter comprido era preciso esperar o tempo necessário para crescer, fazendo jus da paciência que nem sempre evidenciava.

Tinham, contudo, uma coisa em comum, o facto de frequentarem, embora em anos de licenciatura diferenciados, o mesmo curso de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, no centro de Lisboa.

Ela tinha aulas de manhã e ele de tarde, entre as catorze e as dezanove horas, no horário da tarde, talvez porque gostasse, mais do que ela, de sair à noite. No inverno escurecia por volta das dezoito horas. Por vezes, ele, parado à porta, via-a chegar num carro que, por ser grande, parecia ser um Mercedes, mas não era e que não pareceria creme, em vez de branco que era a cor do livrete, se não estivesse tão sujo a precisar de ser aspirado por dentro e lavado por fora.

Um dia, ela veio de saia e ele ficou parado a vê-la com mais atenção do que habitualmente. Corou, sentiu tremerem-lhe as pernas e o chão fugir-lhe sob os pés, mas não foi a correr falar-lhe, não sabendo explicar se, por não achar que era aquele o momento indicado ou por tê-lo traído a timidez que, anteriormente o impedira de recuar, a caminho da paragem da camioneta que se preparava para arrancar, e agora de avançar.

Sentia-se, na maior parte das vezes, um fraco, não sabendo explicar se era por não conseguir superar os medos que minavam os pilares da confiança ou por ver que o rapaz que saía com ela do carro, provavelmente o namorado a julgar pela rapidez com que lhe passava a mão da cintura às ancas, era mais alto e melhor constituído do que ele, ou seja, mais musculado e seguramente mais forte.

Quando ela assim vinha vestida, de minissaia, os dias eram mais quentes para ele que, indiferente ao calor, usava sempre o mesmo par de calças. Umas coçadas nos joelhos, de ganga, desbotadas, que enfiava de manhã e só despia à noite para se deitar. Bem … não garanto que ele vestisse todos os dias o mesmo par de calças, mas as que tem no armário são todas iguais ou, se não são, pelo menos parecem-se muito umas com as outras. O seu maior lamento era vê-la mudar tantas de indumentária, pois tão vaidosa, diariamente exibia novos modelitos, que incluíam calças e lhe ficavam igualmente bem, mas o impediam de poder ver-lhe constantemente as pernas.

Ela era uma rapariga de vinte-e-poucos anos, afável no trato com os amigos e como já referi, bastante bonita. Motivos suficientes para despertar noutros rapazes a mesma paixão, fossem eles mais ou menos tímidos, amigos dela ou meros admiradores como este rapaz que estava secretamente apaixonado até ao tutano. Tão profundamente apaixonado que, em seu entender, para outra pessoa amar alguém semelhante, só se fosse a irmã dela que era gémea e ainda não tinha namorado.

Naquela sexta-feira, em que as aulas dela se prolongaram até mais tarde e iam ambos a sair da Faculdade pelo mesmo portão de ferro que dali a umas horas estaria encerrado até à próxima semana, ele viu, como teria visto quem tivesse reparado nela, que excecionalmente caminhava sozinha, sem a companhia do namorado ciumento que invariavelmente levava o carro, quer chovesse ou fizesse sol, quer estivesse calor ou frio e sempre que o vento fosse forte ou fraco.

E decerto o rapaz, aproveitando a oportunidade com que se deparava, ter-se-ia enchido de coragem para finalmente lhe falar, se não fosse dar-se o caso de ir, desta vez ele, acompanhado pela namorada, que o levava de mão dada com aliança no dedo, para mostrar a todas as raparigas que era comprometido.