Memórias de uma infância perdida nos anos 90

Toda a acção da presente crónica aconteceu nos anos 90. O local é a mui nobre freguesia de Azambuja (sede de concelho com o mesmo nome, pertencente ao distrito de Lisboa), terra que me viu nascer e na qual ainda hoje habito com os meus pais e parte da família. E numa era onde os telemóveis, os computadores, a internet e as consolas de última geração eram apenas fruto da imaginação de algum jovem mais criativo as brincadeiras e divertimentos decorriam a um ritmo muito mais lento do que actualmente. Brincávamos à apanhada, às escondidas, jogávamos futebol ou limitávamo-nos a conversar sobre os desenhos animados ou os filmes de animação que víamos na televisão.

Ler era (e ainda é) um vício. Como devem imaginar com cinco/seis anos de idade não lia os grandes clássicos da literatura. Isso era chato, aborrecido e demasiado extenso para um jovem daquela idade. O que me apaixonava verdadeiramente eram os livros de banda desenhada. Isso sim enchia-me as medidas! Era capaz de ler em qualquer lugar e não me cansava de devorar livros, uns atrás dos outros.

O Tio Patinhas, o Rato Mickey ou o Pateta foram como amigos que acompanharam o meu crescimento e o meu desenvolvimento através das inúmeras histórias dos livros aos quadradinhos.

Outro vício era a televisão. Para um petiz dos anos 90 era impossível resistir a esse autêntico vício chamado: televisão por cabo. De repente os quatro canais multiplicaram-se e passámos a ter centenas para ver durante vinte e quatro horas por dia. E embora só nos interessassem verdadeiramente os canais de desenhos animados era sempre divertido fazer uma incursão pela restante oferta pois sabíamos que seriamos conquistados por um qualquer programa maluco de um canal que nem sabíamos que existia.

E a melhor parte era ouvirmos os comentários dos pais e avós que recorrentemente nos diziam: “Nem sabes o sortudo que és! Eu no meu tempo só tinha a RTP1 para ver!” Obviamente que soltávamos uma gargalhada de cada vez que ouvíamos este tipo de comentários, mas lá no fundo pensávamos: “Bolas, nem imagino o quão tristes eram esses tempos em que não havia canais que passassem desenhos animados 24h por dia!”.

E depois havia o futebol, claro. O futebol é a paixão de todos os rapazes. É a actividade física que ocupa a esmagadora maioria do nosso tempo durante largos anos. Muitos quilómetros corremos nós atrás de uma bola ou dos jogadores adversários! Mas corremos por gosto, com raça, querer e ambição. Com o sonho de marcar o golo que dará a vitória à nossa equipa, tornando-nos heróis daquele jogo e, automaticamente, portador de histórias épicas para contar durante décadas.

E quando não estamos a jogar futebol estamos a discuti-lo: seja o jogo de há dez minutos ali na rua, o clube do coração ou a selecção de todos nós é certo que iremos discutir cada lance, falta, cartão, golo, fora-de-jogo, etc etc.

Por fim havia o piano e as pinturas. Confuso? Calma, não é caso para tanto. Comecemos pela segunda referência. Desde muito pequeno que gostei de livros de colorir. Fosse com lápis, canetas de feltro ou lápis de cera era certinho que o livro estaria colorido num abrir e fechar de olhos. Mas atenção, colorido e bem colorido que eu não pintava fora dos limites. Nunca percebi bem porquê mas pintar trazia-me tranquilidade, dava-me paz e acalmava-me.

Por sua vez o piano guarda em si mesmo, seguramente, algumas das melhores memórias da minha infância. Tive a felicidade de possuir um piano no meu quarto. Não um piano daqueles verdadeiros, de dimensões gigantescas, mas um daqueles pianos Cásio de “brincar”. Podia ser de “brincar” para os adultos, contudo para mim era um piano a sério! Mas como calculam eu não sabia tocar piano, logo o que fazia as minhas delicias eram as músicas que tocavam sozinhas. Para mim aquilo era magia: bastava carregar num simples botão e a música tocava sozinha. Lembro-me claramente de pensar que a tecnologia não poderia evoluir mais depois daquele passo (vá lá caro leitor, eu era pequeno, tenho desculpa…).

Mas havia um problema: as músicas não tinham letra. Como poderia eu solucionar tamanho problema? Exactamente: cantando eu! Mas como não fazia ideia de qual a letra original limitava-me a inventar uma letra ao meu gosto. E assim estavam reunidos todos os ingredientes para longas tardes passadas na solidão do meu quarto a cantar para as paredes. Obviamente que as letras não faziam qualquer sentido (eu era inteligente, não sobredotado).

Mas eu nunca soube o nome desta música que durante anos a fio cantei a plenos pulmões para absolutamente ninguém. Até que muitos anos depois, vou eu no carro com os meus pais, quando do nada reconheço a música que está a passar no rádio. Não percebi bem de onde mas reconheci. Passados alguns minutos lembrei-me de onde conhecia a misteriosa canção…era a música que o meu piano tocava de forma automática!

E que música era esta afinal? Esta é a parte em que vocês se riem de mim porque a música era nada mais, nada menos do que “Together Forever” de Rick Astley. (Este é também o momento em que os leitores que não viveram os anos 80 vão utilizar o Youtube ou o Google para perceber que canção era essa afinal). Não é, de todo, uma música que me orgulhe de marcar a minha infância, contudo é algo que me traz recordações muito saborosas.

Estes são tempos que não voltam mais, contudo as memórias e as lições essas ficam para sempre. Por mais anos que passem nunca se esqueçam da vossa infância e nunca reprimam totalmente a vossa “criança interior”. A dose certa a imaturidade pode revelar-se bastante saudável.

Boa semana.
Boas leituras.