Mensagens de amor, quem as não tem?

Reconheci a assinatura do pai de uma das melhores amigas da minha filha, no final da mensagem que recebi ontem à noite no meu endereço de correio eletrónico pessoal. Lá estava ela, uma palavra tão pequena como uma sigla, cujo significado se existisse eu desconhecia, mas na justa medida do caráter da pessoa que a escrevera. Resolvi que não podia ter grande caráter um sujeito que só na condição de fazê-lo por escrito é que tinha coragem para declarar o seu amor incondicional por alguém.

No final de um texto, ao longo do qual escrever sem acentos nem sequer foi o pior erro que detetei, enganou-se ao pensar que eu iria acreditar no seu amor por mim. Até concluir que eu era a mulher por quem estava apaixonado, percorreu diversos temas e abordou problemas conjugais em geral. Terminou refletindo sobre a forma como os casais, hoje em dia, lidam com as crises no interior dos casamentos onde não há amor. No seu caso, uma de grandes proporções despoletada por uma traição que o vitimara viera para ficar, mas pareceu-me que ele era do género para quem estava longe alguém de trair uma pessoa com outra só pelo facto de convidá-la para sair.

Talvez fosse essa a forma encontrada por ele mais justa de lidar com a incerteza que pautava o futuro da sua relação, mas, a meu ver, tentar corrigir um erro com outro era como concordar com a marcação de uma grande penalidade para compensar a falta cometida num jogo que decorrera há uma semana.

Confesso que não gostei do que ele me disse, nem da forma como o fez. Desagradou-me o estilo, a linguagem que usou e o número exagerado de citações de autores famosos para numa frase tentar definir o amor, já para não criticar o não ter recorrido a outras figuras de estilo, além das que conheço, que pudessem remeter-me para um (estilo) que me agradasse mais do que o seu.

Nunca fui adepta do estilo de homem que se apresenta de patilhas aparadas à face das orelhas, que traz destapadas pela razão de serem enormes; ou de barba rala, cuidadosamente aparada para definir o contorno do queixo; que gosta de usar a camisa desfraldada ao vento com a gola aberta a toda a largura do peito ou que traja calças tão largas e descaídas no rabo que motivavam uma ida à costureira para alinhavarem as bainhas.

Estranhamente, ao invés de me sentir feliz por ser alvo do galanteio de um admirador, fiquei furiosa, sem perceber se o que mais me desagradara fora receber inesperadamente uma confissão de amor ou ser obrigada a admitir a existência em mim de algo que podia merecer o agrado de um estranho.

Mas fosse por que razão fosse, não estava disposta a alterar o que quer que fosse em mim para escapar à sua perseguição. Por causa dele, não me estava a ver no papel de uma mulher diferente daquela que eu sou. Gosto demasiadamente da curvatura das minhas pernas; do perímetro da minha cintura que espelha tudo o que eu como; tanto como adoro os meus seios maternos, as minhas coxas, a cor dos meus olhos ou o meu tom de pele, e já não dispenso o prazer que me dá cuidar dela espalhando, da cabeça aos pés, cremes e loções após o banho, ou do cabelo pela sensação de leveza quando aplico, nas pontas a partir das raízes, uma mão cheia de espuma em spray para lhe dar brilho e volume.

Decidi por conseguinte não reler o e-mail que revelava um homem imaturo como se de uma denúncia se tratasse. Por outro lado, à vista do texto ele não passava de um ser egoísta. Um homem que punha um computador a falar por si, num assunto desta natureza, certamente descarregava as suas obrigações nos outros e em casa, se não fosse diferente, a mulher é que devia trabalhar pelos dois. Achei-o também mentiroso porque ao rogar-me que lhe desse uma 2ª oportunidade de ser feliz, não revelara que essa já lha dera a atual mulher, uma vez que da primeira já ele estava divorciado há alguns anos, segundo constava.

Não! Eu não ia responder-lhe ao e-mail abrindo a possibilidade de vir a receber outro. Estava disposta a apaga-lo da caixa de correio interno e a ele assinalá-lo como remetente de Spam.

À minha filha proibiria de frequentar casa da amiga e quando tornasse a dar de caras com o fulano ao lado da mulher sorrindo, numa dessas reuniões na escola que começam à hora a que gosto de chegar a casa, havia de pôr-me a olhar para ela tentando descortinar se aquela aparente felicidade era porque acreditava que a mania de ele se armar em sedutor havia de passar ou se era por estar tranquila, ciente de que nenhuma mulher cede à abordagem de um homem quando é feita de forma tão indelicada.