Merkel e Schultz: uma aliança improvável ou a “realpolitik” – Nuno Araújo

As eleições legislativas na Alemanha ditaram a vitória de Merkel, que deverá efectuar uma coligação governamental com os sociais-democratas do SPD. Isto poderá significar uma inversão nas políticas de Merkel e do seu partido, a CDU. Merkel esteve, notoriamente, mais à “direita”, nos últimos quatro anos coligada com os liberais do FDP, do que no mandato anterior, em que também se coligou mas dessa feita com o SPD. Sendo o SPD mais “à esquerda”, Merkel deverá orientar as suas políticas de execução governamental em prol de uma maior capacidade exportadora, não só de bens e serviços mas igualmente de valores a transmitir desde a Alemanha para o resto da UE, especificamente a zona euro.

Por isso, a Alemanha poderá consolidar a sua economia interna, em que o desemprego atinge níveis bastante mais baixos do que a média da UE, e em que o crescimento económico tem sido uma constante desde meados de 2010. Ora, se quanto à situação macroeconómica da Alemanha a chanceler Merkel tem motivos para “sorrir”, já em relação às eleições europeias de 2014 deve entender que as mesmas serão muito difíceis para a direita conservadora alcançar uma vitória.

Porém, Merkel, visto o “desinteresse” de Hollande nas questões europeias, porém, tem uma oportunidade histórica: liderar a UE. Como? Através de Martin Schultz, actual presidente do Parlamento Europeu. Se Martin Schultz, sendo desde já o candidato escolhido pelo SPD e sociais-democratas e socialistas europeus à presidência da Comissão Europeia, for eleito, então Merkel tem nesse militante do SPD, o próprio Schultz, um “potencial parceiro” de liderança na UE. Mesmo que a “família política” de Merkel perca as eleições, a chanceler poderá ter, desde que construa uma “proximidade estratégica” com Schultz, um “balão de oxigénio” Curiosamente, dessa forma a Alemanha preparar-se-ia para, desta forma, consolidar a sua influência na UE; no entanto, esse cenário poderia fazer com que orientações políticas no sentido de mais austeridade pudessem ser “refriadas” ou mesmo até abandonadas de certa forma, pois existem diferenças de forma e conteúdo programático dos sociais-democratas e socialistas europeus (do grupo parlamentar com a mesma denominação) face aos conservadores e demais populares europeus (do grupo parlamentar europeu Partido Popular Europeu). E isso não é, de todo, uma “boa visão” a médio-prazo para Merkel. Só que Merkel lidera o governo da Alemanha, país que é o maior “contribuinte” das ajudas aos países com empréstimos contraídos à Troika, como a Grécia, e isso é sinónimo de uma “colaboração estreita e obrigatória” de Schultz com Merkel, pois as concessões da Chanceler deverão garantir outras concessões. A isto chama-se “realpolitik”.

Assim sendo, o próximo ano deverá oferecer o espaço para que a pré-campanha das eleições europeias possa esclarecer os eleitores e cidadãos europeus de que, apesar da crise europeia, a UE consagra nos seus princípios ser um conjunto de territórios construídos em solidariedade, assentes em liberdades fundamentais e que devem promover igualdade de oportunidades para os seus concidadãos. Por esse motivo, a próxima Comissão Europeia deverá criar as condições necessárias para que o emprego cresça na UE, em especial para os jovens desempregados nos países debaixo de medidas de austeridade; cessar nos cortes das pensões e demais reformas, para se criarem impostos novos sobre criação de riqueza por parte de indústrias poluidoras, por exemplo; promover mais e melhor saúde pública para todos os cidadãos europeus, sobretudo numa altura em que a população idosa na UE suplanta em número a população jovem. Por isso, a próxima comissão europeia tem de promover e recuperar um modelo social europeu, ainda que com menos dinheiro para gastar. E isso far-se-à melhor com Martin Schultz à frente da Comissão Europeia, um homem de esquerda, bem melhor para a UE do que um candidato de “direita”, seja ele quem for, pois essa “figura de direita” só deverá “eternizar” o jugo da austeridade sobre países como Portugal, Irlanda, Chipre, Grécia, Espanha ou mesmo Itália.

Menos austeridade, mais crescimento: Mas como? Eis a questão. E acerca disso vou continuando a escrever, semana após semana, oferecendo mais e mais propostas para todos nós, cidadãos europeus, ultrapassarmos a crise.

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana