Momentos de pausa e de reflexão – Tornar nosso o Tempo

Todas as pessoas vivem as suas vidas desde cedo com a percepção de que existe a vida tal como a conhecem aqui, da qual têm consciência, e de que existe a morte, a partida, inexoravelmente.

A partir dos seis anos, sensivelmente, a maioria das crianças começa a tomar consciência do “irreversível no Aqui e Agora”, ou seja de que quando alguém parte daqui, morre portanto, o seu corpo físico, a sua presença, a sua vida aqui, terminou e não torna a aparecer.

Golpe duro em todo o ser humano, para uns mais do que para outros, a partir desta noção da realidade percebemos pois que há algo de vão e efémero em tudo isto por cá…Mas também percebemos de forma clara que isto por cá é aquilo de que materialmente e de forma inequívoca tomamos consciência diariamente.

Independentemente da espiritualidade de cada pessoa (e que esta não se confunda com credo ou religião), como parte integrante do ser humano, dimensão que complementa a sua dimensão biopsicossocial (biológica, psicológica e social), a tomada de consciência do que nos rodeia e da vida que sentimos como nossa, e que está a ser vivenciada no estado de vigília da nossa mente, traz consigo a noção de que temos de a viver na sua plenitude, e, por outro lado, de que nem tudo aquilo a que vamos dando importância é assim tão válido e importante…Deveria pois relativizar as coisas, porque elas são na verdade sempre relativas por comparação.

Quando dou por mim a pensar estas coisas, e por vezes a partilhar ou alertar para esta dimensão da vida algumas das pessoas com quem vou trabalhando em psicoterapia, não subestimo o valor que cada sofrimento tem para cada pessoa, pois sempre costumo dizer que qualquer sofrimento é válido para aquela pessoa em particular, e é papel de quem trabalha com a pessoa em psicoterapia nunca subestimar o sofrimento psicológico (e de outros tipos) que está presente na vida psíquica do sujeito e que é sempre subjetivo.

Mas, e para não nos perdermos do essencial e porque não estamos em consulta mas a ler uma crónica (ou a escrevê-la), o que importa salientar é que ao vermos as vidas à nossa volta, pessoas que partem, pessoas que ficam, pessoas que sofrem de forma terrível, pessoas que padecem de grandes males, deveríamos parar nesse momento, pensar e reflectir sobre o sentido da vida para a própria ou para o próprio, e o que queremos efetivamente fazer com ela, pensar o nosso projeto de vida…

Por outro lado, podemos pensar de forma mais simplista como podemos ir dirigindo os nossos passos de forma recta (do nosso ponto de vista e não dos outros), sem vacilar (ou vacilando mas optando e fazendo as imperativas escolhas), mas também com a harmonia e a paz que merecemos em certos momentos, se por ventura podemos estar nesta vida terrena, no aqui e agora, em lugar suficientemente seguro e favorável a que possamos desenvolver determinado tipo de pensamentos e emoções, quando sabemos que em certos lugares e em determinadas vidas este espaço não existe, não pode existir, porque as questões de sobrevivência “pura e dura” obrigam a outras aprendizagens, não deixando espaço para aprendizagens diferentes, naturalmente…

Neste sentido, para as leitoras e os leitores que vivem em local “seguro”, e com vidas tidas como normalizadas, de certa forma, em sociedades evoluídas, com uma saúde regular, e literacia quanto baste, pode bem ser que as reflexões tenham um espaço renovado, que ultrapasse as questões de sobrevivência, ou outras questões básicas, e que dê conta da solidariedade para com os outros seres humanos, por exemplo.

Aproveitar este espaço de reflexão é essencial para percebermos e sentirmos realmente que nas nossas vidas, vidas que se cruzam, se ligam, se desligam ou permanecem ligadas, nós nos vamos encontrando connosco, em primeiro lugar, com o nosso Eu interior, e, claro está, com o Mundo.

No Mundo encontramos pois muitos campos onde tecer as nossas aprendizagens, e delas não deveríamos desistir por acomodação à rotina absurda e inexorável do quotidiano, do trabalho alienado, ou das atividades que nos “embrutecem” de certa forma, nos tornam peças do sistema sem mais, deixando de procurar o nosso Eu, o nosso

Nós, e principalmente de que forma ou de que formas queremos intervir no Mundo, na nossa própria vida e na de quem passa, ou fica, ou parte, de quem se cruza connosco e com quem nos vamos cruzando.

Se considero absolutamente fundamentais os pequenos momentos da vida, a partilha pura de afectos e de amor humano, o nosso crescimento pessoal e o que podemos influenciar o Mundo, das mais variadas formas, acho também que para tal ser possível precisamos de ir parando e ponderando, pensando, no curso da vida, e no tempo que nos vai sendo dado.

Viver apenas para as rotinas, que até são essenciais por exemplo nas pessoas que sofrem de psicopatologia e nas pessoas idosas, é certamente uma forma de nos instalarmos numa zona de conforto, do “não pensar”, e uma forma de organização que levada ao extremo torna a vida “vaga” e sem grande “encontro pessoal (interior)”…Deixam-se passar oportunidades únicas de crescimento, de aprendizagem…

Desde que se possa, e mesmo em idades mais avançadas, incentivo sempre as pessoas a introduzirem pequenas pausas, pequenos momentos, em que se saía da rotina e se possa fomentar o viver e o pensar, cada qual naturalmente de acordo consigo e com as suas potencialidades, as suas preferências pessoais e as suas possibilidades reais, que são diferentes numas e noutras pessoas.

Por outro lado, adultos em idade ativa, padecem de igual mal de rotina e acomodação com frequência, deixando passar tantas e tantas coisas nas suas vidas…Sem fazer pausas…
Isto leva-me ainda a pensar no stress diário, na correria quotidiana, sem pausas para “respirar”, sem pausas para contemplar, dançar, correr, saltar, ou não sair do lugar apenas viajando com a mente…

Os momentos de partilha entre seres humanos, e entre estes e os animais não humanos, e ainda entre estes e a Natureza, são na sua essência de uma plenitude gratificante e de franca iluminação nos nossos trajetos.

Também os momentos de silêncio e de podermos estar connosco próprios, naturalmente, e o ouvir os nossos pensamentos e sentimentos, produzem verdadeiras inspirações criativas para mudarmos coisas, para fazermos coisas, para vivenciarmos de verdade o Mundo de que fazemos parte e participarmos nele.

O encontro com o Eu é fundamental…mas também o é o encontro do Eu com o Outro e do Eu no Mundo…
Sem preconceitos, sem julgamentos, sem sentimentos “menores”, “mesquinhos ou vingativos”, a nossa produção espiritual, intelectual e como gente de verdade torna-se realmente plena de realização, naturalmente com significado mais ou menos profundo nas nossas vidas e na dos outros…

A acomodação ao “não parar”, ou é uma defesa de algo que merece ser trabalhado (digo eu), ou uma verdadeira “acomodação”, entrar na engrenagem como se fossemos máquinas de produção, ou obsoletas, mas máquinas e não humanos…

Inevitável para se ser solidário, para se olhar o mundo e intervir nele é obviamente sair também do “umbigo”, de deixar de “olhar apenas para o nosso umbigo”…Fundamental ter empatia, colocar-se no lugar do Outro…

Mas, curioso será pensar que muitas vezes tal só é possível quando antes olhámos para o nosso Eu, o encontrámos, o enfrentámos, o trabalhámos e o aceitámos de verdade…Ou seja olhámos para o “nosso umbigo” no sentido que considero positivo, do auto-conhecimento…Só a partir daí, acredito eu, podemos efetivamente partir ao encontro do Outro e do Mundo…

Curiosamente também, é muitas vezes porque fazemos paragens, contemplamos, “esvaziamos” a nossa mente por minutos, que conseguimos depois chegar ao nosso encontro, ao nosso Eu…Muitas vezes não é só a pensar, mas permitindo esta ausência de pensamento…

Esta reflexão que hoje faço convosco, tem apenas por tema isto mesmo: o encontro connosco, com o mundo e com o Outro…com a Vida…e o Tempo, o tempo que queremos que seja nosso…
Esta reflexão que convosco faço, ou proponho que se faça, refere-se ainda à capacidade que temos de nos abstrairmos, a capacidade que temos de encontrar e fomentar para conseguirmos esses momentos nas mais diversas situações de vida…e quanto mais árduo o momento, ou mais stressante, mais se impõem momentos destes. Precisamos de ter momentos de evasão, de contemplação, mas num estado de perfeita e apurada consciência…momentos que mudam o dia, a disposição interior, o nosso caminho, o dos outros à nossa volta…
Permita-se!

Permita-se fazer uma pausa mesmo “em cima da hora” que habitualmente iria jantar, para passear à beira mar…ou pela cidade, ou junto aos lagos…para se deitar mesmo vestida, ou vestido, na areia ou na relva, ao fim do dia, e ver ou ouvir o som do mar…ou do rio…Permita-se colocar um travão na pressa, na acomodação, na rotina, e fazer algo diferente… Parar e contemplar…caminhar…ler…escrever…meditar…ou simplesmente estar…por uns minutos do seu dia como se não houvesse Ontem ou Amanhã, mas apenas o Agora…Permita-se Ser.

Esse momento, partilhado com quem se ama, ou a sós, pode ser apenas de uns minutos no seu dia, mas é verdade que pode operar mudanças nas nossas vidas, sobretudo se frequente…sobretudo se “à sua maneira”…

A minha sugestão para esta semana, a reflexão que quero partilhar convosco é, acima de tudo, que, por vezes as maiores inspirações de vida, a criatividade e mesmo grandes decisões que mudam o nosso rumo e o da nossa acção no mundo e nas vidas de quem connosco se cruza, dependem bem mais destes momentos de pausa, do que de pensamentos ruminantes e desgastantes, ou de limitações com prazos e tempos definidos…Estes últimos, que desgastam e debilitam, certamente só servem provavelmente para contaminar o nosso dia; ficamos contaminados de emoções que contaminam de forma perniciosa as nossas acções…Esses não nos podem servir.

Os momentos de pausa, de contemplação, de evasão ou de abstracção que nos colocam em contacto muitas vezes connosco, são uma forma verdadeira de colocarmos a nossa mente ao nosso serviço…sem desgaste e sem cansaço.

Por vezes a nossa vida melhora bastante, e a nossa acção nela e no mundo à nossa volta, porque existiram momentos como estes, que se foram somando, e que nos fazem sair da rotina quotidiana, da alienação, e nos permitem deixarmos de ser “peças do sistema”, para agir nele, recriá-lo, reinventá-lo, nas mais pequenas coisas, tal como nas grandes…

Convido-vos pois a usufruir destes momentos no dia a dia, criá-los, e sobretudo fazê-lo quando precisamente parece que não há tempo…
A vida passa e não volta atrás…Ela movimenta-se num fluxo contínuo inexorável…
Mas o tempo…o tempo é tão relativo…

Se enquanto seres humanos, e munidos de adequado equipamento, podemos olhar uma estrela distante que na verdade já não existe, se podemos olhar uma galáxia distante que já não está lá, é porque a nossa vida humana, esta de que agora nos damos conta é apenas um “bocadinho de um momento” como lhe chamo…
Não deixemos pois que a contagem do tempo aqui e agora, os seus limites em anos, meses, dias, horas, minutos ou segundos, não nos permita saborear cada momento como eterno, neste inexorável fluxo de vida e de morte que é o Universo onde nos integramos, pequeninos à escala do Universo, enormes na “escala da vida humana”…
Viver com convicção, como se não existisse tempo é darmos uma dimensão eterna a cada momento, renovada todos os dias, no “Aqui e Agora” destas vidas que se cruzam, de que tomamos consciência, por onde nos vamos encontrando…

Aproveitemos pois o tempo, a cada momento, nestas pequenas pausas, no amor que partilhamos, na solidariedade que prestamos uns aos outros, naquilo que fazemos e criamos nas nossas vidas, no Eu, no Outro, no Mundo…
Tomemos o tempo como nosso nesse momento, à “nossa maneira”, e que ele possa ser usado para realmente mudar e enriquecer as nossas vidas e as de quem encontramos pelo caminho…