Monsaraz, tantas terras no mesmo lugar

Assente nas margens do grande lago, cravada no coração alentejano, a aldeia histórica de Monsaraz, oferece aos visitantes a vivência de conhecer uma região impar e, mesmo assim, a quem não se contente com a riqueza da paisagem ou da gastronomia local, a possibilidade de viajar até à zona fronteiriça de Espanha, à qual, àqueles que puderem, sempre dará vontade também de voltar.

Da maneira mais económica, chega-se lá, indo de Lisboa, galgando a Ponte Vasco da Gama para apanhar, na rotunda à entrada do Montijo, saída para a N4, direitos a pegões, que conduz a Évora cidade. Basta seguir depois a placa e, consoante a hora a que se saiu de casa, acelerar um pouco mais a viatura ou não, dependendo de se querer já lá ir almoçar.

Chegados a esta belíssima cidade, capital do alto Alentejo, por detrás de cujas muralhas, mandadas erigir no séc. XIV por D. Afonso IV, se esconde um vastíssimo património que justifica por si só uma deslocação no intuito de visitá-lo, tomamos a estrada que aponta Reguengos de Monsaraz como estando a cerca de quarenta quilómetros de distância.

A meio caminho entre o litoral e Évora, não perca o ensejo de parar em Vendas Novas, aonde pode tomar um café e, para desentorpecer as pernas, dar um curto passeio pela rua que atravessa a vila, defronte ao quartel, ao mesmo tempo que, enquanto observa as montras do comércio local, deita o olho ou pede conselho a alguém, acerca do melhor local aonde, na viagem de regresso a casa, pode saborear uma das bifanas no pão que dão fama à região.

Direito a Reguengos de Monsaraz, pode conduzir tranquilamente para desfrutar da paisagem tradicional daquelas paragens. Os campos polvilhados de bolota proveniente das plantações de sobreiros e quando menos espera altera-se a natureza da paisagem, com alternância de culturas e assim, ao sobreiro sucedem-se hectares de vinha ou o plantio de oliveiras, que devido à importância do azeite passou a ser feita de modo intensivo. Não conte é contar porcos pretos pelo caminho. As varas desse animal, alimentam-se e crescem afastadas da estrada e dos olhares curiosos de quem, para observar alguma espécie no terreno, terá de se contentar com os rebanhos de ovelha.

Chegados a Reguengos de Monsaraz, sem ter desperdiçado um cêntimo em portagens, saia novamente do carro e desentorpeça os membros, faça uns alongamentos e relaxe o pescoço. Vai sentir-se relaxar, após a tensão de tantos quilómetros a ver sempre a mesmíssima coisa.

Passeie demoradamente pelo largo da Igreja matriz, fazendo uma visita ao mercado municipal, famoso pelos arranjos florais, e sem se esquecer de cumprimentar, à medida que caminha de mão dada com o seu parceiro (a), os transeuntes com que se vai cruzando. Fale-lhes como se as conhecesse de uma anterior passagem ou de algum dia tê-las convidado para privar numa festa de aniversário em sua casa. Sociável por natureza, todo o alentejano vê, mesmo num estranho, a possibilidade de desejar bom dia a um seu semelhante, ansiando passar a imagem dum povo acolhedor, mas que gosta, nos sítios aonde vai, de ser igualmente bem tratado.

Sai-se desta terra, pela municipal M514 em direção a Monsaraz, mas com passagem e paragem obrigatórias na aldeia de S. Pedro do Corval, que dista escassos quilómetros, conhecida por um sem número de olarias e lojinhas de artesanato, com fabrico próprio, que a tornariam digna de constar num roteiro aonde figurassem os lugares aonde melhor se trabalha o barro. E mereceria a pena lá ir, nem que forçosamente se tivesse de efectuar um desvio ainda maior do que a distância que falta percorrer até finalmente se entrar em Monsaraz.

Deixa-se este lugar e adiante pára-se, para as fotografias da praxe, em três lugares distintos mas de origem perdida no tempo: o Menir dos Namorados associado a tradições orais de fecundidade, a Anta do Olival da Pega; e o Cromeleque do Xarêz, cuja construção remonta ao quarto ou quinto milénio antes de Cristo. Todos eles de construção à época em que as populações se fixavam na região, por isso muito anterior ao século em que começou a desertificação em busca de trabalho e melhores condições de vida nos arredores das grandes cidades.

Finalmente, eis-nos à vista de Monsaraz, à sombra (se for o caso) do imponente castelo da aldeia, ponto de partida para conhecer a cultura local, as tradições, as lendas associadas à sua construção, mas também de saída para as cidades de Moura ou de Mourão ou a nova Aldeia da Luz, se, depois de ter visto o que queria, lhe apetecer acrescentar romantismo ao seu programas quiser assistir ao pôr-do-sol, apreciando o horizonte, descalço no areal convidativo de uma das praias fluviais do Alqueva. E por falar em praias, são em tão vasto em número que, aqui por onde quer que ande, não andará longe de ir a banhos se lhe apetecer refrescar-se no verão. Ainda por cima, todas tão asseadas que ir a uma é sinónimo de dia bem passado, à distância de não ter colado a si, nenhum ouvinte inoportuno das conversas que tem em família.

No interior da fortificação pode caminhar ao longo da muralha e, de torre mais alta, ter uma bela perspetiva da bacia que acolhe o lago formado pela barragem do Alqueva, detentor do título de maior lago artificial do velho continente. As casas dos moradores na zona rodeada pela muralha, são rasteiras, pintadas nas cores tradicionais branco e azul, e mais resistentes às fortes intempéries que no inverno assolam a região, do que na fábula do lobo mau era a pequenita casa aonde moravam os três porquinhos.

Mantidas de pé à custa de sólidos alicerces, desde o período áureo da monarquia no nosso país, nelas moraram pessoas que tiveram papel importante na defesa da independência contra as invasões. Requerem uma observação atenta que é uma forma de compreender a cultura deste povo herdeiro de tantas tradições, que valoriza o conhecimento de saber que é esse bem imaterial que mais importa transmitir intacto às gerações vindouras.

A gastronomia não podia faltar. A não perder: no mínimo dose e meia de Carne de Porco à Alentejana; empanturre-se de Migas; atulhe-se na saborosa Açorda com tempero de alho; entupa de colesterol as artérias, barrando de manteiga fatias do melhor pão que algum dia se há-de lembrar de ter provado; arremate as refeições repetindo a deliciosa Sericaia e, no final de cada refeição, não hesite em percorrer descontraidamente as ruelas de portas escancaradas da aldeia, batendo às portas mas nunca se esquecendo de ir cumprimentando a sorrir os seus habitantes, que serão já seus conhecidos da próxima vez em que lá voltar.

FIM