A morte da cidade

Em 2014 tudo parece mais cinzento. Viver numa cidade à beira-mar, em pleno mês de Agosto, deveria significar não poder sair à rua, com medo de ser engolido pelo tsunami de gente que deambularia pela marginal, de guarda-sol ao ombro, óculos escuros no rosto e um sorriso de orelha a orelha por finalmente a palavra férias deixar de ser uma quimera e transformar-se numa realidade concreta.

O reboliço do mês de Agosto em Espinho transformou-se numa apática existência. Os turistas, com olhar carregado, encaram o guarda-sol ao ombro como o maior fardo que alguma vez tiveram de suportar, os sorrisos foram substituídos por uma maquinal expressão facial de quem encara a “ida à praia” não como um momento de diversão mas como uma quase-obrigação. As famílias já não alugam a típica barraca, já não param nos bares de praia ao final da tarde, já não compram o gelado aos miúdos, tampouco perguntam o preço dos Ray Ban falsificados ao vendedor ambulante que, ao avistar a polícia, faz desaparecer em segundos toda uma montra de material contrafeito.

Espinho morreu. A animação nocturna, o Mundialito de Futebol de Praia, as festas são maquilhagens com uma durabilidade fugaz para sequer disfarçar a morte lenta e deprimente de uma cidade que não arrasta gente, muito menos sorrisos. As multidões de Sábado à noite terminaram, o comércio morreu, a vida estarreceu e deu lugar ao alcatrão disfarçado de Alameda por onde outrora passava a linha do caminho-de-ferro.

Há nos transeuntes um semblante de conformismo atroz, um baixar de braços e um saudosismo totalmente justificado entre quem compara o passado e o presente, as enchentes com o deserto, a alegria com a tristeza, a vida com a morte. Estamos no Verão, em pleno mês de Agosto, e só de pensar nesta triste realidade, não quero sequer imaginar como será a minha cidade no próximo mês, muito menos em Outubro ou Novembro.

Causas? A crise, sempre a crise, a falta de ideias, sempre também a falta de ideias, o pessimismo, a lembrança do que ficou para trás e a revolta. A revolta para com aqueles que foram, aos poucos, destruindo uma cidade em nome de qualquer coisa que achavam ser o “progresso”, essa palavra tão perigosa que faz mais retroceder que avançar. É esta contínua vontade de mudar, de mexer naquilo que está bem, de destruir identidades que matou a minha cidade. O ADN de Espinho não existe, Espinho não é nada mais que um aglomerado de pessoas que foram obrigadas a despir as suas tradições, a sua alma, em nome de um avanço que não se verificou. Espinho morreu, todos repararam excepto aqueles que por uma qualquer conveniência (política ou económica) gritam a plenos pulmões o que ninguém acredita. Os olhos não enganam.