Mulheres e Videojogos – Parte 2: O Mundo Virtual

De Samus Aran de Metroid  a Ciri de The Witcher 3: Wild Hunt, a representação da Mulher nos videojogos tem passado por muitos desafios, especialmente devido à falta de diversidade na indústria, que durante anos foi reforçando a ideia de que jogar videojogos é algo reservado ao sexo masculino. Na semana passada, concluímos que a indústria de videojogos está cada vez mais perto do equilíbrio, com uma mudança de mentalidades que tenuemente vai contribuindo para uma maior inclusão da Mulher, quer por parte dos developers como por parte dos jogadores. Concluímos também que a mesma é  agora mais do que nunca uma consumidora de conteúdos virtuais, e que luta dia após dia para se afirmar no meio de um medium outrora altamente masculinizado. Falta, no entanto, explorar a representação da Mulher no mundo virtual, e essa questão está longe de ser simples de analisar…

Há muito que os videojogos deixaram de ser um entretenimento exclusivo para crianças, se é que alguma vez existiu essa mesma exclusividade na indústria como um todo. Em 2016, é mais que evidente que a indústria está direccionada para várias faixas etárias e tem produzido quantidades inimagináveis de conteúdo que exploram narrativas e géneros para todos os gostos. Alguns ramos desta indústria vivem num submundo ou subcultura próprios que têm interesses específicos em abordar temas pouco dignificantes e a satisfazer uma plateia menos convencional. Perceber a representação da Mulher nos videojogos é por isso uma tarefa complicada, que varia de caso para caso, mas parece aproximar-se de vários padrões que são consequência directa da masculinização da indústria durante várias décadas.

Um jogo de testosterona…

Desde cedo, a indústria produziu jogos considerados pornográficos através de empresas especialmente dedicadas a esse género. Custer’s Revenge (1982), criado pela Mystique é talvez um dos exemplos mais antigos e mais reconhecíveis. O jogador controla o general americano Custer, que deve ultrapassar o deserto sem qualquer roupa evitando as flechas dos inimigos para violar uma mulher nativo-americana. Apesar da gravidade do seu conteúdo este videojogo poderia ter passado despercebido não fosse ter sido vendido abertamente para a Atari 2600 em caixas etiquetadas com a frase “Proibida a venda a menores” e com um conselho prático no seu manual para qualquer pai que fosse apanhado a jogar à frente de um filho, “Custer e a mulher nativo-americana estão só a dançar”.

Mesmo que na penumbra, a indústria de videojogos acaba por ter um submundo pornográfico próprio, que sobrevive até hoje, com a sua subcultura que raramente surge a quem não a procura, mas que tem ao longo dos anos cimentado a sua existência. A indústria nipónica tem bastante sucesso em tornar muitos destes títulos populares e mainstream o quanto baste, muitas vezes com secções de nudez mascaradas em RPGs ou romances visuais aparentemente inocentes ao consumidor Ocidental.

No entanto, muitas são as franquias AAA que tem optado por um público alvo masculino e têm representado a Mulher de forma deplorável. Muitas delas estão neste momento em declínio, não por objetificar um ser humano, mas porque têm produzido títulos completamente ultrapassados e com pouca qualidade. Podemos afirmar sem sombra de dúvida que Duke Nukem Forever (2011) destruiu toda uma franchise, e para ironia das ironias, Leisure Suit Larry foi pelo mesmo caminho, depois do jogo desinspirado que é Box Office Bust (2009) falhar em replicar o humor acutilante e sexual das suas instalações anteriores.

Duke Nukem explora o conceito de mulher em apuros que se entrega sexualmente ao seu salvador, sempre portadora de uma total ignorância ou estupidez, tudo isto com uma dose de nudez e piadas sexistas a que a personagem já nos habituou. A saga é uma ode à testosterona, embora isso não se reflicta apenas no contacto com o sexo feminino e na sua objectificação. Leisure Suit Larry vai pelo mesmo caminho, mas acaba por ser uma espada de dois gumes, uma vez que a estupidez está distribuída por todas as personagens. Larry Laffer ou Larry Lovage, os protagonistas da série, são também um estereotipo à figura do eternamente solteiro que tenta conquistar as mulheres do jogo através das tácticas mais absurdas e das conversas mais comicamente obscenas.

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Duke Nukem Forever chegou tarde e trouxe com ele mecânicas e estereótipos datados

Mesmo sabendo da existência destes videojogos e ponderando sobre as suas consequências a pergunta pode manter-se: É legitimo criticar ou até proibir a comercialização dos mesmos? No caso de Custer’s Revenge, foi mais do que justa a critica e a eventual proibição de venda do título, especialmente porque incentivar a violação de uma mulher está longe de ser sequer questionável. Mas em casos como Duke Nukem ou Leisure Suit Larry, torna-se bastante subjectivo. Estes videojogos tem um público alvo especifico, que até há bem pouco tempo assegurava a sobrevivência das franquias e financiava as suas sequelas. A representação da Mulher é altamente prejudicial, mas a melhor maneira de combater este género de videojogo é simplesmente mudar mentalidades de forma a que não consigam ser vendido, e claro, nem sequer criados. Também parte do consumidor jogar os existentes com a mente aberta, e perceber que por vezes há uma critica sublime, ou um humor desactualizado que involuntariamente pode jogar contra o objectivo inicial do jogo. Muitos destes jogos baseiam-se em estereótipos, tão datados para uma mente sã, que a única reacção possível é o riso, tornando-se sátiras deles mesmos. Porque existem ainda? Porque as indústrias são o reflexo da sociedade e não é preciso pesquisar muito para perceber que vários media exploram a objectificação da mulher na maneira como vendem os seus produtos.

Não obstante, o problema mantém-se, a objectificação de um ser humano não pode ser tratada com leviandade, e todos os anos são produzidos títulos que reforçam essa objectificação com personagens femininas construídas de forma a apelar apenas aos desejos sexuais do público heterossexual masculino. Embora muitos dos casos mais problemáticos estejam neste momento reduzidos a um submundo próprio, muitas franquias passam ainda uma imagem pouco inspirada do sexo feminino que deve ser analisada com algum detalhe…

Personagens Icónicas podem não ser totalmente bons exemplos

85% dos protagonistas em videojogos são do sexo masculino. Este é claramente o reflexo da indústria que durante anos foi um boy’s club, mas olhando para os 15% que correspondem às protagonistas femininas, isso não implica que seja toda ela uma percentagem de bons exemplos. Um estudo concretizado em 2005 identificou três dimensões recorrentes em personagens femininas em videojogos: serem sexualizadas, apresentarem menos roupa do que seria expectável, e representarem uma visão claramente baseada em padrões de beleza. Muitas das personagens na indústria faziam parte de pelo menos uma desta dimensões, algumas nas três! Este estudo dá-nos uma visão clara do grande problema que até hoje se parece manter.

No meio de uma indústria tão variada a presença feminina não é propriamente escassa mas assume uma natureza diferente do apresentado por personagens masculinas, protagonistas ou não. Ao longo de décadas muitos ícones femininos têm emergido nas mais variadas franquias, mas sempre como uma espada de dois gumes que deve ser claramente analisada.

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Sim, Samus Aren mudou a cor do cabelo ao longo dos anos, obrigado por notarem

Seja Samus Aran de Metroid (1986) ou Lara Croft de Tomb Raider (1996-) é evidente que estamos na presença de sex symbols que viram a sua aparência transformada durante décadas, sempre no intuito de apelar a um publico masculino. No caso de Metroid a constatação de que o protagonista era de facto uma “ela” causou tal alarido que se tornou um dos momentos mais inesperados da história dos videojogos. O que pouca gente parece questionar é a adição de um código no videojogo que permitia jogar com Samus de bikini, o que não tem qualquer intuito prático ou dignifica de alguma maneira a personagem.

Dez anos depois, e no caso de Lara, a tecnologia não permitia um grande desenvolvimento visual da personagem, mas com as instalações seguintes tornou-se claro que Croft estava a ganhar formas, literalmente! A cada titulo a protagonista parecia mais detalhada e também mais desproporcional fisicamente, usando a mesma roupa de sempre mas cada vez mais justa, e claro, roupa que provavelmente nenhum humano com juízo usaria em qualquer exploração arqueológica.

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O top é o mesmo, mas muito mudou em Lara Croft, física e psicologicamente, para algo mais humano

Tanto Samus Aran como Lara Croft são alvo de uma grande discussão em círculos feministas devido à sua aparência, no entanto, tal como na vida real, as aparência não são tudo, e da mesma forma que a objectificação deve ser combatida, também uma análise superficial das personagens baseadas no seu físico deve ser igualmente condenável. Aran e Croft são ícones, que mesmo na sua objectificação não são submissas, são capazes de actos heróicos, e no caso de Lara, tem personalidades vincadas. Se são ícones pela sua aparência? Certamente, para um público maioritariamente masculino! Mas são também exemplos para muitas gamers por serem pioneiras na sua representação, e claro, por serem personagens capazes e independentes com as quais se podem identificar. No caso de Lara Croft, há certamente uma evolução desde 2013, com o reboot da franquia. A protagonistas não só mudou fisicamente para algo mais realista como também a sua personalidade mostra agora uma natureza mais humana, com virtudes e fraquezas que são exploradas a cada situação traumática que vive. Esta é talvez uma das maiores provas de uma indústria que cada vez se preocupa mais em construir personagens femininas realistas, com personalidades dignas de um humano.

Menos conhecidas são outras personagens que há muito deixaram a sua pegada no universo dos videojogos e que claramente apresentam uma visão mais sóbria da Mulher, com histórias que dignificam a sua condição humana e a sua independência. Muitas estão longe de se apresentarem como sex symbols, ou de fazer parte de franquias tão relevantes como as já apresentadase talvez por isso não sejam facilmente reconhecíveis. Kerrigan de Starcraft (1998), atraiçoada e deixada para morrer à mercê dos Zergs tem uma historia complexa de perda, liderando mais tarde uma das facções mais temíveis do jogo. April Ryan viaja entre mundos tentando salvar Arcadia e Stark em The Longest Journey (1999). Jennifer Tate, do menos conhecido Primal (2003), é protagonista de uma história invertida, onde deve viajar entre mundos de forma a salvar o seu namorado das garras de vários demónios. Jade de Beyond Good & Evil (2003) tenta deitar por terra uma conspiração alienígena, e Chell de Portal (2007) e Faith Connors de Mirror’s Edge (2011), resolvem puzzles e praticam parkour em aventuras alucinantes.

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Jade, April Ryan e Jennifer Tate, respectivamente

Noutro patamar temos as sidekicks, com Alyx Vance, de Half-Life 2 (2004), Elizabeth de Bioshock Infinite (2013) passando por Cortana de Halo (2001-). Embora a sua fragilidade seja bem aparente, são capazes de grandes feitos que salvam os protagonistas nos momentos mais críticos. Infelizmente durante o resto do tempo passam também a ideia de donzela em apuros que depende do protagonista para vingarem no mundo virtual. Embora não consigam fugir da sombra dos protagonistas muitas delas tem uma componente bastante humana que não deve ser ignorada.

Já videojogos que oferecem escolha de protagonistas, estão desde cedo empenhados na diversidade de raça e sexo. Companhias como a Bioware e a Obsidian não só sempre deram escolha aos seus jogadores como incentivam a criação de personagens que de facto apresentem uma personalidade. A saga de Mass Effect (2007-), é um exemplo disso. O Comandante Shepard pode ser um homem ou uma mulher, e a sua personalidade é moldada não pelo seu género ou sexo mas pelas interacções que o jogador vai efectuando ao longo do jogo. Este é um grande testemunho de liberdade que os RPGs podem oferecer e que é duplicada quando falamos de experiências sandbox como Fallout ou The Elder Scrolls. Estes videojogos oferecem escolha de sexo sem que nada no mundo mude substancialmente. Algumas interacções estão relacionadas com o sexo da personagem ou até mesmo a raça, mas o jogador molda cada situação sem nunca ser objectificado ou desvalorizado como individuo.

No entanto, quando falamos de RPGs há um pequeno grande pormenor que por vezes pode estragar a imersão, e que já se tornou conversa frequente, e uma grande inside joke, na comunidade gamer, estamos a falar de….

…Armaduras práticas!

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Há muito que a conversa do dia em muitas comunidades de gamers é o design de armaduras de personagens femininas nos mais diversos mundos virtuais. Se em cima falámos de Lara Croft e Samus, muitas são as personagens femininas que ao longo da historia dos videojogos são confrontadas com armaduras pouco práticas em situações reais de combate. É certo que muitos dos mundos virtuais são campos de fantasia, mas o intuito no design das armaduras parece estar longe de inocente, embora a sua existência seja por vezes fundamentada pela própria narrativa das maneiras mais absurdas. Muitos exemplos assombram o mercado nipónico (mais uma vez!) com armaduras que apenas realçam as formas já de si sobrenaturais das personagens. Se olharmos analiticamente para as “armadura” da Barbarian ou para a silhueta da Sorceress de Dragon’s Crown (2013), podemos certamente constatar que há mais fantasia envolvida na representação do corpo feminino do que em todo o jogo.

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Não é preciso ser mulher para perceber que a Sorceress de Dragon’s Crown  ignora as leis da Física moderna
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Quiet, de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain

O caso mais recente é sem duvida Quiet de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (2015). A sua vestimenta, que pouco deixa para a imaginação, é devidamente justificada pela lore. Quiet respira através da sua pele devido a um tratamento que lhe salvou a vida. Esta é a justificação para a roupa reveladora, que acaba por ser apenas uma razão para objectificar mais uma personagem feminina. Como se a história por si só não fosse uma evidência, há ainda uma cutscene onde Quiet desfruta de um banho de chuveiro à vista de várias personagens masculinas, entre outras cenas comprometedoras que reforçam o verdadeiro papel da personagem na narrativa. Desculpa Kojima, mas as verdades têm de ser ditas!

Outros videojogos acabam por ser exemplos de igualdade que depressa são arruinados pela sua comunidade de modding. A saga de The Elder Scrolls é talvez aquela que apresenta uma menor disparidade entre armaduras masculinas e femininas, embora possamos dizer o mesmo de outras franquias como Fallout ou Mass Efffect. Infelizmente alguns membros da comunidade de modders estão desde o primeiro dia de lançamento preparados para modificar os ficheiros de jogo. O resultados são mods de nudez e outros que tornam as armaduras num autêntico testemunho de objectificação. Estes mods são facultativos, e claro, apenas uma percentagem de modders desperdiça a sua vida a criar este tipo de conteúdo. No entanto, se verificarmos os sites dedicados à modificação de videojogos como a plataforma Nexus, muitas das entradas mais populares prendem-se à modificação das personagens femininas de forma a objectificar as mesmas. Este pormenor tão simples e por vezes ignorado revela que a mudança de mentalidade tem de partir não só de developers mas também da comunidade em geral, que no caso destes mods, pode inclusive desmotivar os designers a criar conteúdo que realmente beneficie ambos os sexos quando esse mesmo trabalho é substituído por uma percentagem de jogadores após o lançamento. A sinergia entre developers e comunidade gamer pode ser uma mais valia na sobrevivência ou descontinuação de muitas destas mentalidades em relação ao corpo e indumentária atribuídos a personagens do sexo feminino.

 The Witcher, um exemplo de mudança

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A franquia de The Witcher, desenvolvida pela CD Projekt RED, é uma das mais emblemáticas e reconhecidas aventuras RPG dos últimos anos. Estamos na presença de excelentes videojogos, com personagens reconhecíveis e uma história cativante, mas também de um verdadeiro testemunho de mudança face ao tema da objectificação da Mulher no mundo virtual.

O protagonista da franquia é Geralt of Rivia, um mutante treinado para caçar monstros e membro de uma ordem em declínio, os witchers. É desde cedo perceptível que a sexualidade de Geralt está longe de qualquer ambiguidade. O seu jeito para o sexo feminino é bem ilustrado e as suas capacidades sobrenaturais são devidamente mencionadas mesmo quando o assunto é a sua performance sexual. Não há qualquer mal em explorar a sexualidade de uma personagem, é até louvável uma vez que qualquer humano, neste caso um humano modificado, tem direito à sua. O grande problema na primeira instalação de The Witcher (2007) é a maneira como esta se traduz no videojogo…

No jogo há dois romances principais, a feiticeira Triss e Shani, a estudante de medicina de Oxenfurt. Mas Geralt pode também interagir sexualmente com as mais variadas personagens, humanas ou não, durante a sua aventura. Cada vez que um deste encontros é activado, o jogador recebe uma carta ao jeito de colecção com artwork da respectiva parceira sexual em poses ousadas, ou em topless na Enhanced Edition. A melhor maneira de classificar este aspecto do jogo é dizer simplesmente que Geralt está a “coleccionar mulheres”. Não há também qualquer punição por trair as suas parceiras, e muito desses encontros são de tal forma pitorescos e fáceis de activar que apenas contribuem para uma maior objectificação. No primeiro acto do jogo basta oferecer um tipo de flor especifico a uma das camponesas para que ela se entregue sexualmente ao protagonista. O mais interessante é que segundo a história do jogo os witchers são visto com maus olhos por outros humanos, o que parece facilmente cair por terra quando se trata de interacções com o sexo feminino.

Em The Witcher 2: Assassins of Kings (2011) os encontros sexuais de Geralt são menos frequentes e as cartas coleccionáveis foram completamente retiradas. A nudez é agora totalmente inserida no jogo, por vezes de forma totalmente gratuita, mas mesmo assim apenas em sequências que exploram a relação entre personagens, e não como ode ao coleccionismo e à objectificação da Mulher que The Witcher apresentava. O papel das personagens femininas é também maximizado, especialmente quando toda a politica entre reinos depende de um grupo de auto-suficientes feiticeiras.

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Ciri, Yennefer e Triss (respectivamente) em The Witcher 3: Wild Hunt

Mas é com The Witcher 3: Wild Hunt (2015) que os ventos da mudança parecem influenciar a franquia e certamente uma futura geração de videojogos. Mais uma vez o protagonista tem dois interesses românticos, Triss e Yennefer. Fora desses dois romances possíveis há apenas um outro, que é completamente ignorado no fim da aventura. A grande novidade é que pela primeira vez na franquia, e possivelmente num videojogo desta natureza, o jogador é realmente punido por manter duas relações escondidas uma da outra. Se o jogador decidir romancear Triss e Yennefer será alvo de uma armadilha. Ambas convidarão Geralt para um serão a três e acabarão por prender o protagonista à cama humilhando-o pela sua traição e influenciando o seu destino final.

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Cerys an Craite

O videojogo oferece também a possibilidade de controlar Ciri, a filha adoptiva de Geralt, em sequências que demonstram a determinação e personalidade vincada da personagem. É também a primeira vez na saga que uma personagem principal feminina se destaca não como possível romance de Geralt, mas sim como parte emocional do protagonista, dando-lhe um lado paterno que não tinha sido explorado devidamente. Noutro patamar, Cerys an Craite disputa com os seus irmãos o trono de Skellige de igual para igual sem que para isso Geralt tenha de ter qualquer interacção de natureza sexual.

Mesmo com toda a exploração de padrões de beleza, sexualização e objectificação das suas personagens femininas, a saga de The Witcher conseguiu mudar muita da sua mentalidade de jogo para jogo influenciada também pela presença bastante vincada de mulheres gamers, que desfrutam e se dedicam a saga mesmo com todos os seus defeitos. The Witcher 3: Wild Hunt acaba por ser fruto desse reconhecimento, embora não dispense nudez e algum conteúdo gratuito. A sexualidade faz parte de qualquer personagem e pode e deve ser explorada dentro dos limites sem que nenhuma das partes seja prejudicada. As mulheres de The Witcher 3 podem ainda sofrer de muitos dos males da indústria mas têm a cada titulo demonstrado a suas personalidades vincadas e a sua relevância num mundo fantasioso onde são temidas pelos seus poderes e pela sua força interior.

As conclusões…

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A Comandante Shepard de Mass Effect

É desde logo bastante claro que a representação da Mulher dentro dos videojogos é complexa e difícil de analisar. Generalizar toda esta presença como sexista apenas olhando superficialmente para os grandes ícones da indústria acaba por ignorar um grupo de personagens, muitas à frente do seu tempo, que desde cedo deixaram uma marca positiva e relevante. Também os supostos ícones femininos podem muitas vezes afirmar-se como sex symbols mas isso não significa que sejam menos dignos de nota quando analisamos a sua personalidade e as suas acções.

Há sem duvida um longo caminho por percorrer, pois não basta criar personagens femininas, é necessário criar personagens humanas de várias complexões e formas, com virtudes e fraquezas que reforcem a credibilidade e a igualdade entre sexos. Olhando para a indústria há ainda uma certa reticência em explorar abertamente o conceito da Mulher como protagonista, sendo que algumas companhias recusam inclusive que personagens femininas figurem na capa dos seus DVD’s. Outro projectos são ainda descredibilizados por essa mesma escolha de protagonista o que obriga muitas companhias a reformular os seus conceitos.

Há também um grande preconceito quando se trata da criação de uma personagem feminina, com developers a alegar que são personagens mais difíceis de animar ou caracterizar. No meio de todas estas “desculpas”, proibições e mentalidades altamente retrogradas uma ideia deve ser reforçada com especial atenção: uma personagem feminina não deve ser colocada em nenhum patamar de exclusividade ou de isolamento, pois trata-se de um humano como outro qualquer que não deve justificar uma dificuldade acrescida para animar, personificar ou transportar para uma narrativa dinâmica.

A pouco e pouco o panorama está a mudar, dentro e fora dos videojogos, à medida que a comunidade gamer feminina se destaca, critica e faz parte do processo criativo das grandes narrativas que nos últimos anos  têm inundado a indústria. Com um futuro risonho, resta saber o que reserva o ainda longo caminho e que próxima grande heroína irá salvar o dia pela sua inteligência e não pelas suas formas desproporcionais direccionadas a um publico que já não representa a maioria dos consumidores. Até lá é necessário sensibilizar e deixar a indústria seguir o seu curso evolutivo. Cabe a nós como consumidores e humanos criticar construtivamente toda e qualquer representação que ofenda a integridade e a Humanidade de um outro semelhante, mesmo que desfrutemos do videojogo com a mesma dedicação dos demais!

A última nota vai para todas as mulheres que jogam videojogos, querem jogar, ou querem seguir uma carreira na área. Não desistam dos vossos sonhos e aproveitem a vossa oportunidade para mudar a indústria! Não deixem que ninguém vos inferiorize, e sempre que isso aconteça, provem que as pessoas estão erradas fazendo o mesmo, ou mais e melhor! Desfrutem à brava do melhor que a indústria tem para oferecer e contribuam para mudar mentalidades, nós homens temos de fazer o mesmo!

Com sorte, daqui a uns anos, poderei escrever uma Parte 3 para ilustrar o que mudou, esperando que tenha sido para melhor e a igualdade impere, numa indústria em constante transformação…