Muros da Humanidade

Olá caro leitor! Como tem passado? Findas as férias e o Verão, é tempo de voltar ao trabalho, às aulas e à rotina que o Sol quebra. Este mês trago-lhe uma curiosidade. Aliás, 25 curiosidades. Em jeito de alerta para os refugiados que a União Europeia vai aceitar, é tempo de perceber porque é que o mundo se vê a braços com tal problemática (relembro-vos a minha primeira crónica que dava conta d’ “Os Números que Não Contam“).

Uma das razões que, desde sempre, tem deslocado povos e populações, criado refugiados e desfeito famílias são as barreiras físicas ou muros, fortalezas que se constroem com o intuito de proteger um povo de outro(s) ou de ameaças exteriores. Este tipo de “protecção” sempre existiu. No entanto, com o passar dos anos, era de se esperar que a diplomacia fizesse o que lhe compete e que as muralhas viessem abaixo, que vivêssemos todos dentro do mesmo muro.

Quanto maior o império, mais longa era a muralha que erguiam, ladeando os seus territórios para que o inimigo não o invadisse. A primeira e mais conhecida foi a Grande Muralha da China, que impedia os mongóis de invadir as terras chinesas a sul. A mais controversa foi, sem dúvida, o Muro de Berlim (Berliner Mauer), onde parte da cidade ficou isolada do mundo, no centro de territórios pertencentes à antiga União Soviética e que se tornou no símbolo máximo da Guerra Fria e do braço de ferro entre o mundo capitalista e o mundo comunista.

Em 1989, quando os alemães decidem tomar conta do seu destino e começam a deitar abaixo o muro, o mundo apercebe-se de que talvez tantas outras  arreia físicas pudessem seguir o mesmo caminho. Isso não aconteceu. Caro leitor, existem mais muralhas hoje do que antes ou durante a Guerra Fria. Dá que pensar, não é? Afinal, o que andamos a fazer? Prisões ao ar livre? Gaiolas em forma de cidade?
Apresento-lhe as vinte e quatro barreiras escolhidas por mim. Algumas, provavelmente, nunca ouviu falar. Outras são o cúmulo da hipocrisia. É só escolher: comprimento, altura, tecnologia ou material de construção. O ser humano não se conteve e deu largas à imaginação.

  1. Estados Unidos da América – México

barreiras

Construído pelos EUA, é considerado um dos muros de segurança mais bem guardados, tanto com soldados e cães de guarda como com tecnologia de ponta (barreiras de contenção, patrulhas em veículos e pedestres permanentes, iluminação de alta intensidade, detectores de movimento, sensores electrónicos e tecnologia de visão nocturna, entre outros). Comummente apelidada de “The Great Wall of America” (em alusão à Grande Muralha da China), começou a ser construída em 1991 e conta já com mais de 1070 km de extensão (cerca de um terço da fronteira entre os dois países). O seu objectivo era controlar a entrada de migrantes de forma ilegal pelo deserto.

  1. Israel – Cisjordânia

Apelidado pelos palestinianos de “Muro do Apartheid”, começou a ser erguido em 2002, tem cerca de 676 km e, em algumas zonas, chega a atingir os oito metros de altura. A barreira foi construída para “proteger” o povo judeu do povo palestiniano. Mesmo depois da intervenção do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, em 2004, ao afirmar que a construção do muro e o isolamento de bairros palestinianos era ilegal, esta continuou e não há previsões de que algum dia venha abaixo. Tal como a barreira EUA-México, também esta conta com tecnologia avançada, sendo que consegue detectar mísseis em movimento, fazendo soar sirenes nas ruas.

  1. Israel – Faixa de Gaza

O muro que isola a Faixa de Gaza tem levado a um bloqueio constante imposto por Israel e pelo Egipto à região, tanto de pessoas como bens e serviços. Tem cerca de 64 km, começou a ser erguida em 1994 e, actualmente, conta com cinco checkpoints de entrada e saída.

  1. Egipto – Faixa de Gaza
    muros

É um seguimento da barreira construída por Israel, com um total de 255 km. Começou a ser construída em 2009 e contou com o patrocínio dos EUA e dos israelitas. Para que a barreira fosse erguida, demoliram-se casas e deslocaram-se pessoas.

  1. Marrocos – Espanha
    muros

Ceuta e Melilla são duas cidades no Norte de África que pertencem a Espanha. Em comum têm duas barreiras físicas que separam o fim do território espanhol do início de terras marroquinas. Por diversas vezes, desde 2005, “ondas” de migrantes e refugiados, vindos da África Subsariana, tentaram atravessar o gradeamento electrificado. Em Ceuta, a construção começou em 1993, e conta hoje com mais de 8 km. No caso de Melilla, também foi erguida durante os anos 1990 e tem aproximadamente 12 km de comprimento.

  1. Chipre

O Chipre é um país dividido: Norte e Sul não chegam a acordo quanto às fronteiras. Só a Turquia reconhece o Chipre do Norte enquanto país, uma vez que a maioria da população que a habita é de origem turca. Desde 1974, a Turquia tem investido na construção de uma “barreira de separação” de 180 km, dividindo o país em dois. No centro está um pedaço de “terra de ninguém” sob comando da Organização das Nações Unidas (ONU).

  1. Grécia – Turquia

São 12,5 km de arame farpado que separam os dois países. A sua construção começou em 2012 e prendeu-se com o fluxo de migrantes que diariamente cruzavam a fronteira, sendo que foi uma medida provisória aprovada e financiada pela União Europeia.

  1. Bulgária – Turquia

Há 25 anos atrás, a Bulgária tinha uma barreira que impedia as pessoas de sair do país. “O feitiço virou-se contra o feiticeiro” e agora ergue-se uma barreira para impedir pessoas de entrar. Contas feitas, esta tem sido uma das maiores portas de entrada de migrantes e refugiados na Europa, uma vez que a Turquia já albergou mais de um milhão de refugiados provenientes das revoluções da Primavera Árabe e do conflito no Iraque e na Síria contra o autodenominado Estado Islâmico. Em 2015, a Bulgária conta já com uma rede electrificada e patrulhada de 160 km.

  1. Sahara Ocidental – Marrocos

Maioritariamente construída em pedra e areia e em territórios desabitados, conta com mais de 2700 km e começou a ser construída no final da década de 1970. Atravessa o Sahara Ocidental e a zona sudeste de Marrocos e tinha como objectivo terminar com os ataques separatistas. Grande parte do terreno em volta está minado, equipado com bunkers e trincheiras.

  1. Coreia do Norte – Coreia do Sul
    muros

No caso destes dois países, existe uma zona desmilitarizada ao longo da Península Coreana, com 241 km, estabelecida no final da Guerra Coreana. Apesar do nome, esta barreira encontra-se bastante militarizada, controlada por tropas de ambos os lados e será uma das mais difíceis de demolir (se é que alguma vez o vai ser!).

  1. Coreia do Norte – China

É uma fronteira considerada “porosa”, uma vez que a maioria dos desertores norte-coreanos sai do país por lá. Tem cerca de 1420 km, dos quais pouco mais de 35 km têm muros e arames, e é patrulhada pelo exército chinês numa tentativa de evitar um fluxo de migrantes elevado. Apesar de ser considerada um “barreira de baixo nível de segurança”, dado o sistema político existente na Coreia do Norte, são raros aqueles que se atrevem a atravessá-la.

  1. Índia – Paquistão

A Índia e o Paquistão estão ininterruptamente em guerra desde a década de 1940, uma vez que não chegam a acordo quanto aos territórios de Caxemira e Jammu. Para tal, foi construída, em 2003, uma vedação (chamada de “Linha de Controlo”), uma zona militarizada junto aos territórios em discórdia. Esta barreira é considerada uma das mais perigosas do mundo, dada a sua longa e permanente actividade.

  1. Índia – Bangladesh
    barreiras

A Índia começou a construir a sua barreira electrificada ao longo de toda a fronteira com o Bangladesh em 1993. São mais de 4000 km, e até 2007 já tinham morrido mais de 700 pessoas.

  1. Bagdade

É uma das mais pequenas do mundo, com um comprimento de 5 km. O objectivo da sua construção era separar dois bairros muçulmanos: um de maioria xiita e outro de maioria sunita. Esta foi a estratégia de George W. Bush, em 2007, de forma a acalmar os ânimos na capital iraquiana. Com a saída das tropas norte-americanas do território, era suposto o muro ter sido destruído. Até hoje, tal não aconteceu.

  1. Irlanda – Irlanda do Norte

Os “Muros da Paz” dividem um dos maiores conflitos religiosos que o mundo já viu: católicos vs. protestantes. Actualmente, Belfast tem 99 barreiras e existem outras paredes semelhantes em Derry. Todas juntas têm uma extensão de 5 km. As muralhas ainda estão de pé mas as duas facções religiosas já conseguem conviver pacificamente.

  1. Hungria – Sérvia

Esta é provavelmente a barreira física mais recente. A sua construção começou em Julho de 2015 para conter o fluxo migratório do Médio Oriente que entra pelos Balcãs. Já tem cerca de 175 km de comprimento e tem sido notícia pela contestação que criou em território Sérvio. A Hungria é umas das fronteiras da União Europeia, uma vez que Sérvia não faz parte.

  1. Alphaville (São Paulo, Brasil)

É uma das muitas “gated communities”, comunidades que se isolaram das grandes cidades de forma a afastarem-se dos problemas demográficos, sociais e económicos. Alphaville fica no estado brasileiro de São Paulo, começou a ser construída em 1973 e é um dos mais nobres bairros do Brasil. Tem cerca de doze mil habitações e é vigiado permanentemente, com elevado nível de segurança.

  1. Sérvia – Croácia

Inimigos há anos, os dois países discutem sobre a fronteira referente ao rio Danúbio: a Sérvia aceita o rio como uma fronteira natural; já a Croácia diz que o rio é seu e que a sua fronteira termina quando as terras sérvias começam. Depois da desintegração da Jugoslávia (a Sérvia foi acusada de genocídio relativamente ao povo croata), a convivência tornou-se impossível. As tensões aumentaram com a entrada da Croácia na União Europeia. Ninguém construiu uma muralha, uma vez que a disputa se mantém sobre o domínio do Danúbio.

  1. Geórgia – Ossétia do Sul
    muros

Em 2013, tropas russas começaram a construir uma barreira com cerca de 40 km de comprimento, uma vez que a Rússia reivindica a Ossética do Sul como território soviético. No entanto, esta muralha acabou por dividir a cidade de Dvani. Em 2008, a Geórgia retirou as suas tropas da região depois de ter travado uma guerra com a Rússia.

  1. Tailândia – Malásia

Tendo uma extensão de 505 km, esta barreira tem em conta um tratado assinado em 1909. Nos anos 1970, os dois países decidiram construir cada um o seu muro, de forma a protegerem-se um do outro. As barreiras têm sido aperfeiçoadas ao longo dos anos e passaram de uma mera cerca de arame farpado para paredes de betão com avançada tecnologia.

  1. Pádua (Itália)

É o chamado “Muro di via Anelli”, uma vedação com 80 metros de comprimento e três de altura. A sua construção começou em 2006, com o objectivo de manter a ordem, no final dos anos 1990, dado o elevado número de migrantes a viver em Pádua. Actualmente, esta vizinhança é conhecida pela prostituição e pelo tráfico de droga.

  1. Arábia Saudita – Iémen

Nos últimos dez anos do século XX, as tensões entre o Iémen e a Arábia Saudita atingiram proporções inimagináveis. No entanto, em 2000, foi possível alcançar a paz através de um tratado. Apesar dos esforços para a manter, em 2004, a Arábia Saudita decidiu começar a construir uma muralha que separasse os dois países. O objectivo era controlar a entrada de pessoas e o tráfico de droga. Contas feitas, a muralha custou cerca de nove biliões de dólares e, quando terminada, alcançará os 1799 km.

  1. Iraque – Kuwait

Após a invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, a ONU criou uma zona desmilitarizada entre os dois países. Três anos depois, o Kuwait começava a construção de uma barreira com cerca de 193 km, tendo em conta as directrizes da ONU na sua missão enquanto observador. A sua primeira versão incluía uma extensa área com mais de um milhão de minas terrestres.

  1. Irão – Paquistão
    muros

É uma das barreiras mais seguras e fortificadas do mundo. Tem um metro de espessura e três metros de altura ao longo de 700 km. E tudo isto em betão armado. O objectivo da sua construção era parar com as travessias de fronteira ilegais e o tráfico de pessoas e droga.

  1. Uzbequistão – Afeganistão

É uma cerca de arame farpado, seguida de outra cerca de arame farpado eletrificado, mais alto, patrulhada por guardas armados e protegida por minas terrestres ao longo de toda a fronteira. É uma das barreiras mais vigiadas, com uma única entrada: uma ponte. Esta muralha tornou-se famosa em 2001, durante a crise de ajuda humanitária provocada pela guerra dos EUA no Afeganistão.

E assim, sem mais nem menos, acabámos de dar a volta ao mundo. A verdade é que só nos percebemos de quanto livres somos quando comparamos a nossa liberdade à dos outros. E se Alphaville as pessoas optaram por se refugiar dentro de uma muralha para fugir ao crime, as restantes muralhas aqui apresentadas mostram feridas que dificilmente vão sarar. E tudo porque ninguém se quer sentar à mesa e discutir. É preferível pegar em tijolo e em cimento, construir um muro que faça sombra a um arranha-céus e esperar que o tempo cure tudo.

Quanto a mim, resta-me desejar-lhe excelentes leituras para o resto do mês aqui no Ideias e Opiniões. Volto dia 16 com mais uma dose de Direitos Humanos.