Não gostei do dia de hoje. Gosto de acreditar que “amanhã é um novo dia” – Mara Tomé

Não gosto de perder o controlo. Gosto de ter tudo controlado e organizado à minha volta.

Não gosto de estar constantemente a adaptar-me imprevistos que nos mudam a vida. Gosto de fazer planos exequíveis e/ou sonhadores.

Não gosto de dúvidas nem de “e se…”. Gosto de respostas objetivas, concretas, diretas, sem rodeios, mas com a sensibilidade exigida pelo momento e pelo contexto.

Não gosto de que façam escolhas por mim. Gosto que me perguntem o que acho.

Não gosto da crueza dos números. Gosto do que está para além dos números: onde estão os pontos fortes, onde temos que trabalhar mais, onde há falhas, quais as hipóteses e alternativas, como vamos dar a volta por cima.

Não gosto de números que acabam a fazer médias. As médias são estúpidas e não mostram a realidade como ela é. Gosto de ver as coisas sob várias perspetivas, com os pés assentes na terra.

Não gosto de me sentir mal. Gosto de me sentir capaz.

Não gosto de chorar porque me dá dores de cabeça e vómitos e não gosto de dores de cabeça nem de vomitar. Gosto de desafios que não envolvam os meus descendentes, sem nunca me ter sido dada hipótese de objetar.

Não gosto de perder batalhas nem guerras. Gosto de desafios que me/nos tragam resultados.

Não gosto de pessoas hipócritas, pior, burras. Gosto que haja, pelo menos, alguém que faça, por uma vez, o exercício de imaginação que é estar no meu lugar. Ou de outro qualquer pai com uma criança com uma deficiência, seja ela qual for.

Não gosto de me sentir ansiosa. Gosto de saber que tomei as decisões certas e que sei que o melhor ainda estará para vir.

Não gosto de relatórios que me dão murros no estômago. Gosto de respostas. Embora isso implique, por vezes, os tais relatórios que dão murros nos estômago.

Não gosto de aceitar um diagnóstico fechado. Não gosto de parar. Gosto de ir à luta, sem pensar que tenho de ir à luta.

Não gosto do autismo, seja em que grau for. Não gosto de sentir que tal é um castigo. Não gosto de ter que o encarar, todos os dias, como um desafio na nossa vida.

Não gosto de imprevistos a nível de saúde. Gosto de saber que estamos bem para, sensorialmente, as piolhas estarem bem.

Não gosto de estar triste. Gosto de me sentir genuinamente feliz.

Gosto de ser mãe. Gosto de ser A mãe destas piolhas. Gosto da minha vida com elas. Gostaria que fosse mais simples e menos trabalhosa. Gostaria de mais momentos de normalidade e de menos trabalho de terapeuta/psicóloga/enfermeira/educadora/professora tudo numa só pessoa – eu -. Mas gosto da nossa existência conjunta.

Gosto do mundo delas e gosto delas no meu mundo. Gosto de ser feliz com elas e por elas. Gosto que elas sejam felizes. Por elas mesmas.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4