Não Gosto de Ler

A afirmação “não gosto de ler” é capaz de ser das frases mais repetidas entre a juventude portuguesa. Como estudante de Literatura e leitora assídua, desafiei-me a dissecar o conceito que está por trás de uma frase tão simples, embora tão notória e retratante da sociedade portuguesa.

Porque é que os jovens, no geral, não gostam de ler? Existem diversos factores que contribuem para esta recusa da leitura, mas a mais significante é sem dúvida a falta de incentivo. O incentivo à leitura por parte dos nossos pais é imperativo, mas nem todos os jovens têm um ambiente ou uma cultura favorável para que tal ocorra. O que me leva à questão mais importante desta minha pesquisa:

Qual é o papel das escolas?

Não me parece haver um incentivo real à leitura nas escolas, sejam públicas ou privadas, e é aqui que está o cerne da questão: Se há pouco incentivo à leitura nas escolas, como é que os jovens que não são incentivados a ler em casa vão querer pegar num livro?

Não querendo ser demasiado radical – até porque apenas conheço de forma directa a minha realidade escolar – surgiu-me outra ideia. Será o Plano Nacional de Leitura adequado aos jovens portugueses? Inteirei-me das obras recomendadas pelo PNL para o nono ano e fiquei boquiaberta. Algumas das obras estão na imagem abaixo.

(Dados de 2015)

(Dados de 2015)

Imaginemos o seguinte cenário: Um adolescente de catorze anos passou para o nono ano com notas baixas: duas negativas, uma delas a Português. Chega ao nono ano e quer subir as notas, até porque vai ser o ano dos exames nacionais e terá de escolher uma área no ano seguinte. Nunca leu nenhuma obra que constasse do PNL desde que entrou para o 3º Ciclo. A professora fala dos livros recomendados:

Um deles é o Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco.image

O Amor de Perdição! Fico embasbacada que este livro ainda seja de leitura obrigatória. Um livro do séc. XIX muito descritivo, floreado e com palavras arcaicas que nos obrigam a consultar o dicionário. Digam-me: Isto não tira toda e qualquer vontade de ler a um miúdo que nunca pegou num livro na vida?

É certo que é um clássico. É um autor português e é um autor de renome. E, atenção, é um autor de quem até gosto bastante. Mas não para um miúdo de catorze anos. Fiz um trabalho para a disciplina Literatura do Séc. XIX sobre a obra Onde está a Felicidade?, do Camilo e tive algumas dificuldades em decifrar certos vocábulos. Adorei o livro, mas se o tivesse lido com catorze anos seria completamente diferente. Não só não ia perceber muitas das palavras utilizadas, como não compreenderia tão bem a essência e a moral do romance.

Mas afinal qual é a solução? Mudar o Plano Nacional de Leitura? Retirar obras essenciais da nossa cultura para “facilitar” a vida aos jovens? Recordo-me de um livro do Nuno Crato que falava do facilitismo das nossas escolas. Mas, afinal, “facilitar” em certas coisas não trará vantagens a nível da cultura dos nossos jovens? Ou, por outro lado, pioraria a situação?

É um assunto delicado e polémico, e teria de haver algum equilíbrio. Mas tudo piora nesta geração de redes sociais e de videojogos. Com o aparecimento do Facebook, Instagram, Twitter e Snapchat, os jovens cada vez têm menos “tempo” para pegarem num livro. Ler um livro requer concentração e imaginação. Requer sossego, requer estar sozinho, requer estar noutro mundo: o nosso mundo! E nós não queremos isso. E atenção, aqui não falo só dos jovens! Há uma necessidade crescente de estarmos constantemente contactáveis e conectados uns aos outros. Mas quantas vezes estivemos em cafés com amigos com o telemóvel na mão?

Não ler traz consequências dramáticas na ortografia. Cada vez há mais pessoas a conjugarem mal os verbos (o famoso “fizes-te”), a escrever com o acento agudo em vez do grave, a confusão do verbo “haver” com as proposições (o inesquecível “Á caracóis”). Enfim, toda uma panóplia de erros que acabam por se tornar hilariantes. As pessoas, no geral, falam e escrevem mal. E mesmo as de gerações mais afastadas da minha (pessoas com licenciaturas!) dão erros imperdoáveis.

1604_lersabermais_meu_pe_de_laranja_limaE não é assim tão hilariante, porque acaba por ser um reflexo da nossa cultura. Quem não lê, não escreve. Como disse uma vez um professor da minha faculdade “Se queres escrever, lê. Lê muito.” E, no entanto, há cada vez mais autores a serem publicados pela Chiado Editora, por exemplo, com erros ortográficos que não lembram a ninguém…

Tenho e tive muitos amigos que não gostam de ler. Quis contrariá-los e a três deles ofereci um livro. O mesmo livro. E todos me disseram que nunca pensaram, mas que choraram ao lê-lo. Por isso deixo aqui a minha sugestão para quem não gosta de ler. [ver imagem ao lado]

Não sou especialista em Literatura e muito menos em programas de leitura para as escolas. No entanto, como primeira crónica, fez-me sentido divagar sobre a falta de cultura literária cada vez mais notória na sociedade portuguesa. Quem sabe noutra crónica desenvolverei este tema.

E não se esqueçam: ler desenvolve a inteligência, a cultura e transporta-nos para outro mundo (tal como nos videojogos)!

Boas leituras!