Natal is all around

Um antigo sucesso que passava na rádio, fez-me recordar uma antiga namorada, da idade da adolescência, de quem não supus vir a ter mais saudades que do Natal passado em sua companhia na praia, durante as férias do ano em que a conheci.

Aproveitando a pausa escolar, tinha viajado com os meus pais, para uma curta estada no Brasil, mais concretamente o Rio de Janeiro e desde então, pela primeira vez, volvida mais de uma década, dou por ela assomando à entrada do meu quarto, viva no rosto beneplácito da minha mãe, perante o motivo da minha demora em largar os livros para correr a ir sentar-me com ela à mesa para jantar.

Nunca, nem sob o sol ameno do entardecer, me senti tão reconfortado como na sua presença, quando mirávamos o horizonte como se apenas visto do Arpoador ele pudesse estender-se ao infinito. Chamava-se Thaís e era meiga e gentil como uma mulher a quem para agradar, quando queremos dar uma flor, não precisamos de oferecer um bouquet. Achei-a sempre duma beleza subtil, não muito alta, mas o suficiente para dar a sensação de, ao lado das outras raparigas, parecer ter o dobro do tamanho.

Conheci-a diante duma fila de crianças que na av.ª de Copacabana, aguardava ansiosamente o desfile carnavalesco do pai natal, para simplesmente lhe acenarem como a um nobre representante de uma família cujos antepassados tivessem viajado para lá, à boleia da comitiva d´El-rei D. João VI no séc. XIX. Estava praticamente certo de que, tal como antecessor dinástico do futuro imperador, seria uma figura anafada, de modos burlescos, como se trata no circo de um palhaço a quem se exige que, além de agradar aos miúdos, suscite no espetador adulto a curiosidade de ver a atuação do próximo artista.

Sorriu-me timidamente quando a vi acompanhada do irmão, um rapazito mais novo que lhe não largava a mão, temente de que, ao ver-me, tomada pelo entusiasmo, ela o largasse e corresse para o meu lado. De seguida, por entre o coro das crianças que saudavam a chegada triunfante do pai natal, ouvi claramente o chilrear dos pardais da minha aldeia, e o toque a rebate da torre sineira duma Igreja, assinalando a urgência de alguém me explicar por que razão não conseguia encher o peito de ar e, ao mesmo tempo, me sentia feliz.

Acordei banhado em suro na manhã seguinte e não descansei enquanto não tornei a encontrá-la. Revi-a na esquina da av.ª Atlântica com a Princesa Isabel, junto ao monumento de homenagem à monarca, sempre em companhia do irmãozito, de quem, num curto espaço de tempo, me tornei no melhor amigo que se pode ser de alguém que teve o condão de nos oferecer o melhor presente. Dessa vez, quase não precisei de me apresentar, quase como se certa de eu voltar, ela mal se tivesse desviado para passar algum transeunte atrasado para assistir ao desfile do pai natal a ocorrer a essa hora noutro lugar.

Com os dias, descobri demasiados traços de personalidade em comum, para considerar que o encontro tinha sido mera casualidade ou, pior ainda, uma partida de mau gosto do destino, o qual, não querendo juntar-nos, bastaria fazer-me com que, apesar do ritmo de festa, a visse de maneira a achar que éramos incompatíveis por estar parada. Passámos a ver-nos com regularidade e, já sem a inestimável presença do irmão, pude levá-la a assistir, da varanda do quarto de hotel, à vida vista do alto, sem pretender exemplificar-lhe que devemos vê-la de cima.

Hoje, graças àquela canção, associada ao surgimento da minha mãe, pude recordá-la exatamente como era, acriana naturalizada carioca, ágil subindo a ladeira, o cabelo encrespado, a pele macia e, emergindo do olhar, a face oculta dum amor no qual revejo o desejo de voltar a ser menino.

FIM

FESTAS FELIZES

Billy Mack (Bill Nighy) – Christmas is all Around 16:9 – 2003 Original Musik Video – YouTube