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Nicole Kidgirl

Nem sequer gostava da atriz que dava forma ao nome que era igual ao seu. E se bem que esta dispensava quaisquer apresentações, de Nicole Kidgirl eu vou contar o que sei, para no fim deste curto relato ficarem a conhecê-la tão bem como eu.

Detestava que lhe acrescentassem ao nome, o sobrenome Kidgirl que vinha do tempo da escola, como se não pudessem ter-lhe escolhido uma alcunha diferente do nome pelo qual, certamente nem a personagem mais extravagante de todas quantas foram levadas ao cinema, gostaria de ser tratada.

Embora olhando para o ar dela de dezanove anos, ficássemos com a sensação de que chegaria aos cinquenta a parecer ter metade da idade, constatávamos no cartão de cidadão dela que já contava vinte e três anos.

Tinha pele clara, as pernas e os braços muito brancos, mas as bochechas do rosto eram encarniçadas da cor de uma taça de vinho tinto acabado de extrair da vinha. A culpa de ficar assim, era dos piropos que surgiam da boca dos rapazes atrevidos, que não estavam à altura de substituí-los por adjetivos condizentes com a personalidade, visto nem sequer saberem que existiam.

Eram sua imagem de marca, dois olhos reluzentes, um narizito delgado que apontava na direção do que constantemente a distraía, desviando a atenção das outras coisas, e, ao centro do rosto, havia dois lábios frescos como se, quando abrisse a boca, fosse para apregoar limões.

Fora-lhe posto o nome de Nicole, igual ao da prima que, à força de ter nascido em França, para onde o pai emigrou para fugir da guerra, não sabia construir uma frase em Português. Era mais velha e por nunca se lhe ter conhecido um namorado que a levasse ao cinema, não fazia ideia do nome de nenhuma atriz australiana, nem de outras figuras de proa da sétima arte.

Em Portugal, Nicole Kidgirl namorava com um homem mais velho com uma filha da idade que teriam os filhos da prima se entretanto se tivesse casado. Um par de óculos de hastes finas, enquadrava-lhe na perfeição um rosto de traço subtil, sobre um corpo de contornos bem definidos. Um vestido vermelho colava-se-lhe ao tronco, como uma combinação de renda sob a qual lhe sobressaía o peito e com ele não dispensava usar os seus pares de sapatos de salto alto. Guardava-os numa sapateira alta à entrada do apartamento onde morava sozinha, que se tivesse sido feita na justa medida da paixão que tinha por roupas e acessórios, iria além dos quatro metros de largura por três de altura e dois de profundidade.

Trabalhava a tempo inteiro como técnica superior de turismo, numa agência de viagens numa artéria da baixa, de onde, as pessoas que lá entravam, saíam rumo aos seus destinos de férias de ar feliz como se não fosse neste jardim à beira-mar plantado que viviam. Era da opinião de que, em nenhum dos países por onde tivera oportunidade de viajar em trabalho ou lazer, as pessoas acolhiam tão bem os estrangeiros como nós, onde bastava ver como eles eram bem recebidos em Lisboa para saber-se à partida como seriam recebidas em qualquer parte do país.

Também em nenhum lado a gastronomia era tão boa. Noutros países, a comida podia ter o paladar típico dos produtos regionais daquela zona, mas só na nossa terra é que ela achava que eles eram confecionados de forma a levar o nome do prato além-fronteiras. Era o caso da belíssima feijoada à transmontana ou dos celebérrimos pastéis de nata, sem os quais, se passasse alguns dias sem comê-los, sentiria tantas saudades do creme a escorrer-lhe na garganta, que passaria a sentir-se como uma estrangeira, nem que estivesse a vê-los na montra de uma pastelaria a escassos cinquenta metros de casa.

Nicole Kidgirl fazia com a farta cabeleira, umas tranças iguais às que teria uma boneca na qual dissessem que não assentava bem nenhuma outra espécie de penteado. Eram compridas e caíam facilmente até meio das costas, chegando à zona abaixo das omoplatas, ficando à curta distância do rabo saliente, de um palmo de mão do namorado, que ainda mal se conheciam era com os olhos que lhe tirava as medidas ao corpo todo.

O peito volumoso de Nicole era de proporções estratosféricas e a não ser que a maioria dos homens andasse com a cabeça na lua, essa imensa quantidade de tecido adiposo situado nos seios, far-se-ia notar, tanto como a aparição se sucedesse durante o dia, de uma daquelas estrelas só podem vislumbrar-se à noite.

Ao cabo de tantos anos, continuavam a chamar-lhe Kidgirl, os amigos de infância com quem mantinha contacto frequente, além de um antigo namorado de quem durante tanto tempo não ouviu falar, que quando tornou a encontrá-lo chegou a convencer-se de que o próprio se tinha esquecido de como devia ser tratada uma mulher, com sensibilidade e bom senso.

No entanto, regra geral, nem a premiada Nicole Kidman se podia gabar de ser melhor tratada do que ela. Kidgirl talvez não fosse bajulada pelos magotes de fans da atriz, que, num lugar público, mesmo estando a sentir-se incomodada pelos constantes pedidos de autógrafos, continuaria a representar para eles não perceberem que não estava a gostar. No entanto, Nicole Kidgirl estava a cada dia que passava, mais bonita. E só mais amiúde não ouvia diretamente da boca dos admiradores os mais rasgados elogios, porque estes, se não eram tímidos imitavam muito mal, ou então devia custar-lhes a admitir que, como se ela fosse uma estrela da sétima arte, estavam perdida e irremediavelmente apaixonados por ela.