Notas soltas – Sobre as Mulheres, a história que as desvirtua, sobre Gente e sobre o Mundo

Por alturas da celebração do Dia Internacional da Mulher, relembram-se tantas e tantas mulheres, que, ao longo da história, fizeram a diferença, e que, de uma forma ou de outra, um pouco por todas as áreas do saber, das artes ou dos ofícios, impuseram ao Mundo a sua presença marcante, contribuindo para a sua evolução de forma determinante.
Ao olhar e homenagear estas mulheres, lembramos todas as que sofreram e que sofrem no seu silêncio, ou os gritos desesperados das que se conseguem fazer ouvir, num eco que se propaga na Terra, que percorre o tempo e a dor de muitas…
Quantas sofreram e sofrem apenas por serem mulheres?…
Ainda hoje, século XXI, encontramos mulheres que silenciam a violência sobre elas exercida, coagidas ou fortemente amordaçadas, pagando com a própria vida em muitos tristes casos…
Em todo o Mundo, continua a ser urgente diginificar o papel da mulher, mas, e sobretudo, conceder-lhe direitos iguais…absolutamente iguais.
Detenho-.me por momentos a pensar em todas estas coisas, percorro a história, o tempo, o que leio, o que vejo…
Nesta deambulação de pensamentos, ocorro-me em tons de ironia e tristeza uma outra questão…Acerca do “porquê” da sistemática tendência para “humilhar” ou diminuir de alguma forma a mulher que fez história ao lado dos homens, de forma a desvirtuar a mesma de alguma forma, ainda que de maneira puritana e preconceituosa, mas que não deixa de ser um fato socialmente associado a um qualquer desvio padrão do comportmaento das mulheres da época, no sentido de denegrir a sua imagem, ao invés de a elevar…
Por exemplo detive-me a pensar em Maria Madalena, a personagem da história dos Evangelhos, quase sempre associada à prostituta, oferecida à vida e aos prazeres, que depois, imaculada e arrependida segue Cristo…
Na história da Igreja, Maria Madalena aparece assim…Tal prostituta arrependida que segue o Salvador, nunca fazendo parte verdadeira do grupo dos 12…
Noutros Evangelhos, que não estão na Biblia, surge de uma outra forma…
Em Dan Brown, por descodificação de Leonardo na sua “Última Ceia”, lá aparece Maria Madalena como talvez a mais próxima de Cristo…talvez aquela que o seguiu lado a lado, como mulher…Talvez até, atreve-se Dan Brown a escrever na sua obra literária, mulher do próprio Jesus de Nazaré, que com ele tem, quem sabe, uma filha…protegida, subentende-se no livro, pela Irmandade de Sião, tal como as gerações seguintes…
À parte do romance, e independentemente das crenças de cada um, é realmente negativo que durante milhares de anos tenha passado a mensagem de Maria Madalena, a prostituta, quando poderia ter sido pelo menos uma entre pares, e até quem sabe, caminhando ao lado da figura central, Jesus Cristo. Se o poderia fazer sendo prostituta? Claro. Mas a verdade é que numa Igreja patriacal, e no conservadorismo absoluto de milhares de anos, ser prostituta invalida qualquer traço positivo na personagem…essa é a realidade…E portanto parte-se sempre da mulher-tentação-perdição e assim a história se fez.
Também não é simpático que desde a Eva “maléfica” que tenta Adão, até à Cleopatra que “envenena os homens com a sua beleza”, passando ainda por Safo de Lesbos, que rapidamente passa de Musa em Platão, poetisa e mulher que revoluciona a Grécia antiga, a mais uma prostituta que apesar de se iniciar no lesbinianismo e protagonizar estas opções de orientação sexual, vai ser fatalmente “submetida” à paixão por um homem, porque em idade madura passa a ser heterosexual segundo se conta. Digo eu: claro! Os homens da Grécia antiga jamais poderia permitir que o masculino tão amado e venerado fosse colocado em menor grau e significado nesta história de Lesbos…Só podia ser pelo homem o amor maduro…e se Safo se impôs pela Arte e pelo Engenho, só poderia paixonar-se por um homem, claro!, para ser pelo menos igual a qualquer mulher da época, e acresce ainda a isto que não é correspondida, pelo que se suicida…O homem “ganha” portanto…de uma forma ou de outra tinha de ser importante e mais forte do que Safo…Desfeito assim o mito, esta grandiosa poetisa grega, numa época em que só aos homens era permitido o “bem escrever”, continua no entanto a ser lembrada como uma das figuras mais importantes da Poesia, e a mulher que se destaca na Grécia Antiga, no meio de grandes homens…Claro que se estuda a obra de Homero…estuda-se bem menos qualquer dos “escritos” de Safo…muito menos nas escolas…Claro que todos conhecem os grandes poetas da época…mais raramente as poetisas…
Para além de conseguirem tornar grandes mulheres em vulgares prostitutas, de uma forma ou de outra, ao longo de séculos, a história consegue ainda que muitas permaneçam absolutamente “escondidas” do público…quem sabe quantas…
Conseguiu impedir pintoras, de criar…poetisas e escritoras, da sua preciosa escrita…mulheres da ciência, de estudar…mulheres revolucionárias, de se politizar…
Felizmente outras há – valha-nos isso – que conseguiram afirmar-se pelos seus feitos, e colocar-se nas primeiras paginas da História, certamente mais arduamente que a maioria dos homens da várias épocas… Estas grandes mulheres são as que vão sendo recordadas aqui e ali…
Mas muitas ficaram certamente silenciadas nos seus feitos, ou viram as suas imagens denegridas por forma a serem prostitutas, loucas, pérfidas ou más (claro que também as deve ter havido…não estará isso em questão…)…Objetos de devaneio e tentação dos homens…Objetos…tão somente…
Relativamente a esta forma estranha de olhar a mulher ao longo da história, sempre me fez pensar porque seria tão extraordinariamente importante “empurrar” as mulheres para um papel menor…
Primeiro um papel menor porque não tinham seguramente igualdade de oportunidades…Depois, porque quando, ainda assim, conseguiam ser uma referência, eram dramaticamente apelidadas de um qualquer nome insultuoso e preteridas face aos homens da mesma época…Só em último caso eram consideradas…pelo absurdo que seria esconder o que todos já viam…
O que é absurdo é que a discriminação continua…
Se todos os anos se recordam estas mulheres, e se passa em revista um poiuco de história no feminino, a verdade é que há um longo caminho a percorrer…Um imenso caminho…
Detenho-me a pensar, e é arrepiante fazê-lo, é que são muitas vezes as próprias mulheres a arruinarem as que se destacam, pela via que lhes é permitida…a destruição ou eliminação consoante os casos…Por vezes pela via da intriga, da fofoca, do desmérito, ou mesmo da “cantiga de escárnio e de maldizer” reportada à linguagem da atualidade, por vezes bem mais hipócrita e com menos engenho, mas de efeito mais mordaz e por vezes mais letal…
O problema é que o machismo ficou de tal forma enraizado nas culturas e religiões, durante tantos milhares de anos, que ainda se perpetua no que chamo de inconsciente coletivo da humanidade…
Ainda hoje…no nosso país por exemplo, continuam a haver corredores e prateleiras de meninas e outras de meninos, direcionando uns para a luta, conquista e competição, seja através de carros, monstros, dinossauros ou outros, e as meninas para os cabelos e penteados, cozinhas e cozinhados…
Não se repensam estes corredores…A Sociedade não muda.
Em França pensou-se isto…já existem supermercados para brinquedos onde os corredores passaram a ser diferentes…estilo unisexo…para que a escolha seja feita em liberdade. E bem.
Por acaso os meninos não podem gostar de cozinhar?…Até digo mais…a maioria adoram!
Por acaso os meninos não se devem pentear?…Não podem ser cabeleireiros ou estilistas?…
Por acaso as meninas não conduzem?…Não pilotam aviões, caças?…
Até concordo que se renove a Sociedade para menor competitividade e maior altruísmo e solidariedade. Absolutamente de acordo. Mas tem de haver um espaço onde se equilibra tudo…
Não se pode concordar é que se continue a perpetuar esta imposição do género, direcionando subrepticiamente meninos para um lado e meninas para o outro. O que é natural?…E afinal o que é imposto discretamente ou com maior impacto?…Árdua a diferença quando os comportamentos já estão moldados desde sempre…nas mais pequenas coisas…
É só pensarmos um pouco e percebemos isto…se pensarmos com isenção…com algum rigor…
Termino por aqui, por agora, esta reflexão alargada em que me detive…que partilho convosco que têm a amabilidade de ler o que escrevo…que têm a vontade de pensar e questionar as coisas…
Também eu questiono…levanto hipóteses…
Parece-me que o respeito pela identidade de género implica sempre, e antes de mais, a construção e a existência de uma identidade – e esta não pode ser direcionada para o corredor cor de rosa ou para o azul, sem mais…Tem de ser antes de mais nada livre de escolher as cores de que gosta mais…Antes de mais é-se criança. Antes de mais somos pessoas.
A verdadeira identidade de género é construida sob uma identidade coesa, não se substitui a ela, nem pode.
Penso com tristeza que ainda hoje temos de defender direitos das meninas e das mulheres…Penso no silêncio e na violência exercida sob muitas delas…penso com tristeza nos direitos dos meninos também, das crianças…Penso nos direitos humanos…ainda hoje violados e negados em tantas circunstâncias…
Penso com tristeza no “abuso do poder” de muitos…na fragilidade de outros…Um pouco por todo o lado…Uns casos mais graves…outros casos menos sérios mas com o mesmo modo funcional de destruição dos direitos das pessoas…os abusos que se perpetuam por gente que não tem formação para tal, estar em posições de domínio sobre o outro…
Desde as empresas e as escolas, até ao poder governativo dos países e do mundo…
Penso tristemente como a história perpetuou esta violência imensa sob todos os que são diferentes, todos os que são mais frágeis…Também sob as mulheres, obrigando-as a permanecer ocultas e em silêncio…impedindo o acesso às mesmas oportunidades, aos mesmos direitos…
Mudemos pois o rumo da história…em casa, nas escolas, nas ruas, nas empresas…
Gestos pequenos que podem ajudar a construir grandes futuros…
Passamos por esta vida…Somos gente…Só…e tão somente…gente de verdade…
E gente de verdade não deixa a vida passar sem fazer a diferença.
Que seja para melhorar o Mundo.