A nova Filosofia da Ciência – a ditadura do Ministro da Economia, Pires de Lima

Estava eu, caro leitor, a meio da minha licenciatura em Ciência Política, quando um dos meus amigos, neste caso, a ser formado em Gestão, me questionou porque razão não gostaria eu de emigrar para a China, esse zénite do desenvolvimento económico, e construir uma carreira de sucesso empresarial. A minha resposta foi muito simples: “Porque eu sou um cientista, e na China não existe ciência na área da Ciência Política.” Acrescentaria eu, hoje, que na verdade a ciência existe, mas esta é instrumentalizada, usada para os propósitos regimentários.

A razão pela qual as Ciências Sociais não existem, ou existem residualmente em sistemas ditatoriais, deve-se ao facto de as mesmas questionarem pressupostos, normas e dogmas. Ao questionar, levam a um novo conhecimento sobre a sociedade, o sistema social, económico e político e, até, sobre a fundamentação da tomada de decisão. Como qualquer pessoa pode concluir, isto não “convém” que suceda num regime não-democrático. Compreende-se, então a importância de não se colocar a ciência subserviente a um regime, incluindo um regime mercantil: correndo o risco de, como no regime Nazi e Estalinista, se desenvolver as áreas capazes de dominar, do ponto de vista técnico, as populações, atrofiando o seu pensamento individual e coletivo com ideologias.

Um segundo ponto: a ciência rege-se pelo questionamento. Ao reger-se segundo este princípio, tal significa que grande parte da produção científica deve-se à curiosidade e à necessidade de melhoria. É neste ponto que pretendo abordar a crónica de hoje: Pires de Lima afirmou, numa última declaração à imprensa, e um pouco em jeito justificativo acerca do corte brutal nas bolsas de Doutoramento e Pós-Doutoramento da FCT, que não era possível “alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real” (citando o Expresso.pt). Sendo real que não podemos, numa economia capitalista e globalizada, substimar a importância do contributo das empresas para o nosso dia-a-dia e para a própria Ciência, também será redutor colocar a ciência numa condição subserviente ao Mercado, uma vez que historicamente a Ciência se desenvolveu de forma exponencialmente progressiva. Os conhecimentos acumulam-se de forma a darem origem a novos conhecimentos, utilizações e utilizações! Nunca teríamos descoberto a cura para diversas doenças se os farmacologistas estivessem limitados ao investimento em medicamentos x e y, nunca teríamos viagens supersónicas por avião se não se tivesse investido nessa pesquisa (e foi uma pesquisa que esteve quase por terminar, devido a reticências do Governo dos EUA, no séc. XX) e muito menos teriamos princípios, direitos e deveres se não houvesse um profundo e sério trabalho por parte de inteletuais no sentido de questionar as próprias fundações societárias!

As declarações do Ministro da Economia Pires de Lima (que curiosamente divide a pasta com Paulo Portas) demonstra assentar numa séria falácia inerente a algo que qualquer estudante de uma cadeira de Introdução à Economia para a qual é alertado na sua primeira aula “Atenção que nem tudo pode ser quantificado!”. O Conhecimento não pode ser medido em milhões de Euros, nem quanto à sua utilidade para a Economia. De facto, nem para a própria Sociedade. Uma vez que o seu contributo é, foi e será inestimável.

E no entanto, verificamos um caminho político social rumo ao atraso, inerente à crença de que a Ciência não vive “no Mundo Real”. Porque do “Mundo Real” não fazem parte as centenas de pessoas que todos os dias morrem de cancro, porque não houve ainda a descoberta de uma cura, visto que exige um investimento maior, porque os milhões infetados com HIV não merecem uma cura, visto que o tratamento da doença é mais rentável que a sua cura, porque uma criança não merece, um dia, ler um livro de história sobre Portugal porque… A História não é rentável a uma empresa.

O que poderemos nós fazer, senhor leitor? Felizmente escrever e ler ainda é rentável para a Economia e as empresas, e portanto, o confronto democrático irá suceder. A questão… Será quem irá ganhar.

E é aqui que reside o cerne da questão (o qual ironicamente não poderia ser descrito sem Ciência desinteressada no lucro potencial para uma empresa).

Bom fim-de-semana e boas leituras!

ViriatoQueirogaLogoCrónica de Viriato Queiroga
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