Nudez celestial (sonora) – José Ligeiro

Este título é propositado para que o leitor se sinta confortável com o que vem a seguir. A nudez, para além de ser uma forma de arte, é também digna de ser apreciada noutras áreas, algumas delas nada tem a haver com o corpo ou com um sentimento pornográfico.

Agora que já está embalado, acabe de ler o resto que pode ser interessante e um bom tema para futura conversa.

A Voyager 1 finalmente deixou o sistema solar, presenteando-nos com algo pura e simplesmente incrível: o áudio do espaço interestelar. A sensação que me ocorre é de calafrios, a mesma que se sente quando uma dama nos mordisca na orelha. Ó, sim, sim!

Em Abril de 2013, a onda de energia provocada pela explosão de uma erupção solar causou uma oscilação no plasma ao redor da sonda que registrou o “barulho”. A NASA anunciou que a sonda deixara o nosso sistema solar em Agosto de 2012 e junto com esse comunicado divulgou a primeira gravação do espaço interestelar.

Apesar de no espaço existir apenas vácuo, não significa que não haja sons. Este não é simplesmente composto por vibrações electromagnéticas. No espaço, não há meio para a manifestação de ondas sonoras, pois este tem poucas partículas que permitam a propagação do som. A “luz” propaga-se no espaço por ter uma natureza muito distinta da do som. É uma onda electromagnética que não necessita de um meio para se manifestar, enquanto que no “som” é a propagação de uma perturbação mecânica num meio material. Pode propagar-se como uma onda periódica, caracterizada por seu comprimento, que é a distância entre dois picos ou vales, e pela sua frequência, número de vezes que este varia por unidade de tempo.

Confuso??? Também eu… (brincadeira)!

Graças aos aparelhos especiais desenvolvidos para a NASA, varias sondas, nomeadamente as Voyager, a INJUN 1, a ISEE 1 e HAWKEYE, levam uma Antena de Ondas de Plasma por onde foi possível registrar as vibrações que ficam entre os limites das frequências que o ouvido humano pode captar, cerca de 20 e 20.000 kHz). Assim, pela primeira vez, podemos escutar o que vem para além do nosso sistema solar.

Os “sons” capturados mostram as mais complexas interacções entre partículas, carregadas electromagneticamente vindas dos ventos solares, de ionosferas e magnetosferas planetárias e as que preenchem o espaço entre estrelas, numa região denominada heliosfera. A trilha sonora em questão reproduz a amplitude e a frequência das ondas de plasma “escutadas” pela Voyager 1.

Esses gritos estridentes e espectrais foram os que ajudaram a equipa de controlo da sonda a determinar a densidade do meio interestelar e finalmente deduzir que a nave tinha realmente deixado o nosso sistema solar. Como o leitor irá certamente perceber depois de o escutar, o som do espaço interestelar encaixa-se perfeitamente na trilha sonora de um filme de terror.

Uma curiosidade sobre a Voyager 1 é que ela foi lançada há 36 anos, em 5 de Setembro de 1977. Apesar da sua missão original, obter imagens dos planetas Júpiter e Saturno, ter sido completada em 1989, tanto ela quanto sua gémea, a Voyager 2, continuaram a explorar e a avançar pelo espaço.

Hoje em dia, o facto das duas sondas estarem tão distantes representa um desafio para a comunicação entre estas e o nosso planeta. Uma mensagem da Voyager 1 leva cerca de 17 horas para chegar à Terra à velocidade da luz. Neste momento, a sonda está, em estimativa, apenas a 19 biliões de quilómetros do Sol.

Deixo-vos links para que possam escutar os tais sons registados pela sonda no espaço:

Caros leitores, deixem que vos diga que é tudo natural e sem espinhas.

JoséLigeiroLogoCrónica de José Ligeiro
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