O Ad10s aos verdadeiros D10s do futebol

A magia acabou. Ou pelo menos, desvaneceu. Se tivermos no futebol uma arte, é-nos possível afirmar que os verdadeiros magos estão a desaparecer a passos largos. Numa clara associação com os dinossauros, o que temos agora são só crocodilos e outros répteis que nos fazem lembrar os mesmos, no então, não são os verdadeiros. Os verdadeiros artistas, aqueles que faziam todo e qualquer adepto ficar com um sorriso na cara, esses, estão a desaparecer e, num futuro próximo, desaparecerão na totalidade. Falo pois claro, dos números 10, ou em calão futebolístico, os D10s do futebol.

O momento em que desapareceram ninguém sabe ao certo, não há uma data, um momento, simplesmente foi acontecendo. Há quem diga que foi na altura em que Guardiola afirmou não contar mais com Ronaldinho, há quem pense que foi apenas uma vicissitude dos tempos e um evoluir da cultura futebolística, não há uma opinião coincidente nem uma teoria ûnanime. O certo é que o futebol perdeu parte da sua magia, parte do seu perfume. Ninguém questiona a existência ou não de bons resultados, o aspecto em foco é o desaparecimento dos verdadeiros números 10, o desaparecimento da sua aura, do seu futebol hipnotizante e, acima de tudo, da sua paixão. Falta o jogo romântico de pé para pé, passando pelo pé do génio, que no vai morrer no fundo das redes. Os “maestros”, como eram chamados, deixaram o nosso futebol e ninguém sabe quando voltarão. Com eles deixaram um vazio em campo, mas não só.

O vazio deixado pelos “maestros” em campo, não se reflecte em termos do número de jogadores, quanto a isso estão lá todos. O vazio vai muito além de um número, ou aliás, não vai, pára no 10. A ausência sente-se sobretudo na magia espalhada durante o jogo, nos passes milimétricos, nos compassos marcados por mais um drible, numa finta que deixa meio mundo de braços na cabeça, na forma como tocam a bola e fazem com que tudo pareça suave, bonito e criterioso. É essa magia, esse condão que têm nos pés, que faz falta ao futebol actual. Os golos são o mais importante, é certo, contudo, não nos podemos esquecer de quem trata bem a bola, de quem vê o jogo sempre um passo à frente , de quem sabe o que é futebol e de quem o ama e transmite esse amor aos adeptos. Todos sentimos falta de um Zico, de um Maradona, de um Ronaldinho, de um Rui Costa, de um Baggio, de um Zidane, de um Cruyff, de um Deco, de um Del Piero, de um Aimar, ou de um Riquelme. Estes dois últimos, que apesar de ainda jogarem, foram postos em esquemas tácticos que fazem com que percam toda a sua mestria, ou, pelo menos, que não a espalhem. Todo o adepto fervoroso precisa de um ídolo, alguém que nos faça querer usar o 10, ser o 10, lembrar o 10.

No futebol actual não existe espaço para um número 10 puro, um “organizador de jogo”. Nos dias que correm, as equipas praticam um futebol muito mais práctico, táctico e físico, ganhando no número de golos, nas discussões de café, mas perdendo em fantasia e criatividade. Hoje não há D10s, hoje há 9,5, há 8 que distribuem bem o jogo, há 6 que têm qualidade de passe, há 11 que jogam bem no centro, há tudo e mais alguma coisa, há posições que nunca ninguém ouviu falar, há inovações tácticas, há duelos de força, todavia, o cheiro a classe perdeu-se. Não é possível vermos um 10 num 4-3-3 actual, ou mesmo no 4-2-3-1. São chamados de tudo e mais alguma coisa, menos de maestros. Esses, aqueles que com a sua batuta em forma de chuteira, orquestravam uma equipa de 10 homens, esses não têm espaço, não podem espalhar a sua magia, estando, no fim de contas, restringidos a um mundo que não é o seu. Com isso, com o ditar de novos modelos tácticos, bem como uma nova ditadura posicional, os pequenos génios, que envergaram o número mais mítico da história do futebol nas costas, já não existem, estão em extinção. Qualquer um que tente sequer incorporar um Zidane, é logo recambiado para a sua posição de 9,5. Ou de 9 e dois terços, se não tiver qualidade.

Assim se vive num mundo em que o romance não existe, em que só existem histórias prácticas com finais felizes mas com desenvolvimentos repetidos e entrelinhas copiadas. A criatividade deu lugar à objectividade e a magia cedeu a sua posição à eficácia. Hoje, o perfume já não é o mesmo, a relva já é calcada em vez de pisada ao de leve, a bola já é arremessada em vez de penteada, o público já não mete as mãos à cabeça, apenas leva os braços ao alto. Os magos deram lugar aos carniceiros e agora a bola já não desparece e volta aparecer num truque súbtil, não, agora é agredida ao pontapé até chegar ao objectivo, o golo. É o Ad10s aos verdadeiros D10s do futebol, resta dizer obrigado por terem feito deste jogo, algo estupendo e sentimental para quem o vê. A eles, até um dia.