O apelido

É interessante constatar que as simples coisas da vida são as que nos dão mais gozo. Estava um lindo dia de sol, percorri a Praça Velasquez em direcção à Loja do Cidadão, poucas pessoas à minha frente, sento-me: Bom dia, queria alterar o Cartão de Cidadão, a morada, o estado civil e retirar o último nome, a funcionária, simpática, esboçou um ligeiro sorriso, algo do género: Outra pascácia que apelidou o nome do marido, isso era no tempo das nossas visavós, agora só se apelida a cama, as contas, os animais domésticos e já é mais do que suficiente. Terminadas as burocracias, olho para o meu lado esquerdo e observo atentamente um casal, ela desgastada e descabelada, com um filho ao colo a chorar e o outro ainda pequeno a gritar que queria ir fazer xixi, o marido passivamente sentado no banco a jogar Clash of Clans no telemóvel, levantei-me e saí do edifício sorridente e confiante: Sem marido, sem filhos e sem o apelido do falecido, pura felicidade.

Aproveitei a confiança momentânea e fui tomar um café nessa zona nobre da cidade, talvez arranje um velho rico por estas bandas, um velhote que me sustente e que me ature também, mas ao mesmo tempo que o vislumbrava comecei a sentir comichão pelo corpo todo e náuseas, foi nesse momento que dei conta que me tornei alérgica a maridos, só de imaginar lavar cuecas masculinas fico com falta de ar, é muito provável que sofra desta alergia até ao fim da minha vida.  É uma languidez seguido de enfado, eu sei, as pessoas acham que nós, as divorciadas ( gosto das vírgulas que destacam a palavra: Nós, as divorciadas, que pode ser visto das duas formas – negativo ou positivo, depende de estado de ânimo de quem estiver a ler ) andam de bar em bar, de copo em copo, de gajo em gajo, e eu em casa, numa sexta feira à noite, a comer batatas fritas enquanto assisto a uma série da Netflix, aquelas séries que no final não percebemos nada, é um pouco como a minha vida nos últimos dez anos, não percebi patavina do que aconteceu. Talvez nunca compreenda e não faz mal, a isso chamamos maturidade.

Para além dos copos, a malta ruim, aquela malta mais invejosa que te vê na rua e não te cumprimenta, mas está sempre a bisbilhotar as tuas redes sociais, acha que andamos a desbravar caminhos no Tinder, eu até podia andar a ver as vistas por lá, mas quando o tipo manda mensagem privada a dizer: Kero te konhecer, és muinto vonita! Ai Camões, Camões, se tu lesses estas falácias ortográficas, não terias sequer escrito o Canto I dos Lusíadas. A mim só me resta responder ao tipo: Não tou intereçada, ovrigada, fika bem. Não obstante a tais capacidades masculinas ( ou à sua escassez ) a maltinha fixe julga que fazemos coleção de pénis no telemóvel, temos um género de catálogo do órgão genital masculino, um para cada dia da semana, sem esquecer o Domingo que é dia sagrado, menos para as divorciadas, nós somos uns diabinhos, é o Diogo à segunda para começar a semana em beleza, é o Tiago à Terça, para as Quartas temos o Jorge, às Quintas o João, e Sextas que são sempre especiais, dormimos com o Filipe, aos Sábados é dia de descanso e Domingo passamos a tarde com o Luís, na semana a seguir outros pénis, outros nomes, é uma festança do sexo sem compromisso.

Eu, nem sexo nem compromisso, o pénis mais próximo de mim funciona a pilhas ( aliás, tenho de as trocar ), esta noite vai dormir comigo, se ele se portar bem, talvez lhe diga que o amo e durma de conchinha. Bendito vibrador.