O arqui-inimigo Cosmos

Uma das variadíssimas lições que a vida nos ensina é que, por mais que tentemos, nunca iremos conseguir controlar tudo o que se passa à nossa volta. Estamos sempre dependentes de terceiros. Ou, então, do cosmos. O cosmos é tramado. Todos nós temos aquele amigo que, sempre que lhe é possível, é desagradável. Aquele amigo que, apesar de todos os planos anteriormente elaborados, eis que ele surge e, com uma leveza irritante, acaba por ignorar ou destruir tudo sem dó nem piedade — e ainda com uma irritante satisfação pessoal. Esse é o cosmos. O “amigo” execrável, que destrói planos.

Para quem labora por turnos, por vezes tem a necessidade de descansar de dia, ao contrário da maioria dos comuns mortais. Trabalhar de noite e dormir de dia. Algo que, para alguns, pode fazer um pouco de confusão, mas que, para outros, trata-se de uma dura e necessária realidade. Pois bem, mas há sempre algo a estragar os planos de quem necessita dormir de dia, porque, vamos lá a ver, é de dia que o mundo se mexe, inspira e expira, e não de noite. Então, a vida parece apenas avançar de dia, estagnando à noite. A vida acontece de dia. Não é bem assim que funciona, lamento desapontar. E apenas existe uma certeza no meio da incerteza.

O cosmos não dorme.

O pelintra do cosmos, tal como Deus, o todo poderoso, está sempre acordado e passa o seu tempo a elaborar planos para arruinar o descanso e sono de quem labuta de noite. Como uma espécie de génio do mal, o cosmos satisfaz-se e sente-se realizado em arruinar o sono de alguém que é uma espécie de morcego à noite. E como é que o cosmos consegue devastar o sono de alguém durante o dia?

Simples. Criando obstruções. Estorvos. Inconveniências. Estorvilhos.

Vizinhos madrugadores, que se movimentam em casa como se estivem numa passagem de modelos em Milão, munidos de uns saltos altos capazes não só de provocar tremores de terra num prédio, mas igualmente a sensação de que alguém está a usar um martelo pneumático no andar de cima às 8 da manhã. Ou, como se o cosmos estivesse a acrescentar umas ervinhas aromáticas ao tempero, vizinhos que, às 8 da manhã, já estão aos gritos com os seus rebentos, por os mesmos terem apertado o pescoço ao hámster e o asfixiado até ao fim dos seus dias — que, já por norma, não costumam ser muito dilatados.

Não satisfeito, o cosmos decide apimentar ainda mais o cenário. Obras. Existem sempre obras a acontecer de manhã — nem que seja a vizinha a tapar o buraco que abriu no chão com os saltos altos que usa em casa como chinelos. Existe sempre um berbequim a furar uma parede. Existe sempre um martelo a bater em pregos. Existe sempre a necessidade da realização de obras em casa por parte de alguém. O cosmos não dispensa a oportunidade de ajudar alguém a melhorar uma das divisões da sua casa.

Por fim, o grande aliado do cosmos na demanda de não deixar dormir pessoas que laboram arduamente à noite — o carteiro. Ah, o pelintra do carteiro. Quando será que lhe paga o cosmos, para tocar sempre à campainha à hora errada, quando se está na fase mais profunda do sono? Tenho para mim que é aqui que o cosmos despende mais do seu tempo — a treinar carteiros para tocar em campainhas, muitas vezes, erroneamente, porque, afinal, a encomenda era para o 3º esquerdo e não para nós.

Existe, também, o rapaz da publicidade que opta por tocar a todas as campainhas de forma totalmente aleatória, mas prefiro não desbravar esse caminho porque parece-me que esses são uma espécie meio abandonada e esquecida pelo cosmos — e, segundo o que me contou um amigo e tal, parece que até nem são pagos.

O cosmos. Ah, o cosmos.

Esse sacana!