O associativismo: um remédio para a ditadura financeira

Quando Monsieur de Tocqueville embarcou rumo a uma viagem para os EUA, podemos especular que dificilmente lhe passaria pela cabeça a importância que as suas obras, resultantes dos seus estudos da Sociedade e da Democracia Americana iriam ter, mesmo séculos após a sua morte. Inicialmente enviado pelo Estado Francês para estudar as prisões, acabou por fazer mais, muito mais que isso. Estudou todas as componentes do Estado Americano, a forma como se relaciona com a sociedade e, mais importante para esta crónica, como funcionavam as associações.

Observou que uma associação consiste apenas na adesão pública que um certo número de indivíduos dá a tais ou tais doutrinas e no compromisso que eles assumem de concorrer duma certa maneira para as fazer prevalecer (p. 38, A Democracia na América). Quer isto dizer que Tocqueville considerava o associativismo como uma prática social de criação de uma associação, com objetivos específicos, no caso, visto que este ensaio, e a própria pesquisa de Tocqueville, refere-se aos seus efeitos na Democracia, o que redimensiona este conceito: não é simples associativismo, mas o associativismo político que interessa a Tocqueville, por ser este capaz de evitar despotismo mole.

Explica, através da tradição e das próprias condições sociais que rodeiam os cidadãos. Ensinados a lutar sós contra a adversidade, se um obstáculo se apresenta perante um grupo, este tenderá a congregar o maior número possível de indivíduos, tornando a associação capaz de lidar com um dado desafio. A abordagem de Tocqueville, no que à associação política diz respeito, vai neste sentido, com mais uma particularidade: a possibilidade de reunião destas associações. Possibilidade, essa, que lhe permite influenciar o exterior através de representantes da mesma, formam uma Nação à parte, dentro da Nação (Tocqueville, p. 39), com o poder de decidir quais as suas opiniões e de influenciar o Governo.

Ou seja, através deste raciocínio é fácil verificar porque considera Monsieur de Tocqueville que a associação tornou-se uma garantia necessária contra a tirania da maioria (p. 41), dado que dá voz a uma facção, ainda que minoritária, impondo a sua força moral ao poder material que a oprime (Tocqueville, p. 41). Porém, esta liberdade com o potencial de delimitar a tirania mole, consequência do individualismo, tem também o potencial de desvirtuar toda a qualidade que o associativismo tenha.

Argumenta Tocqueville que, se estas associações são capazes de limitar o próprio governo, também tem o poder de o por em causa. Tudo dependerá do tipo de associação formada e das suas intenções, as quais levarão a um comportamento, neste caso, de índole político.

Chegada a esta fase, importa perguntar se estas observações serão válidas para os dias que correm, e a realidade poderá surpreender-nos…

Se partirmos do princípio que a sociedade contemporânea é altamente atomizada (facto que parece ser confirmado através de várias pesquisas de investigadores sociais, utilizando indicadores como a participação cívica, o voto, etc, demonstram-no) então, a receita apresentada por Tocqueville parece estar correcta. O associativismo poderia ser a solução para este problema, a resolução para a amplamente criticada sociedade de massas, individualizada e passível do despotismo mole, por ele preconizado.

De facto, hoje, nas constituições de cariz democrático, as associações estão consagradas como uma forma de cidadania limitativa dos poderes soberanos (Const. da República Portuguesa de 2005, art. 46º) e isto teria raiz numa sociedade civil forte, capaz de participar ativamente em todos os aspetos da vida cívica, mas, a criação de grupos de interesse de influência política, as associações, poderiam tornar a sociedade civil ativa o suficiente para equilibrar a importância que esta dá aos valores liberdade e igualdade, sem correr o risco de a liberdade ser eliminada em prol da igualdade, criando as condições propensas para este mesmo despotismo mole, tudo, de acordo com o que diz Monsieur de Tocqueville. Significaria isto, então, que a Democracia se tornaria um perfeito exercício cívico? Na verdade as opressões presentes (…) seriam exemplos ilustrativos do quanto a sociedade civil pode constituir-se como um “lócus” de exploração, domínio e coerção (Mendes, 2007; p135) o que previne, evidentemente, uma igualdade. E este princípio, previsto e admirado por Tocqueville como eixo da democracia americana, é negado em muitos países (Mendes, 2007). Para que a democracia triunfe, esta tem que ser baseada em pilares bem assentes, isto começa na educação dos cidadãos. Cidadãos capazes de serem cidadãos, ou seja, de participarem na vida política de determinado contexto, são mais passíveis de se organizarem, constituírem uma associação política, onde é exprimido o interesse coletivo (um grupo de pressão, no fundo) e impor este poder fiscalizador ao governo da maioria e evitando as Troikas que podem destituir toda a legitimidade social de um qualquer governo, ao não ser capaz, a sociedade, de se organizar e lutar por um bem tão essencial como a sua liberdade e o seu bem-estar, constituindo, também, um remédio para a ditadura económica e banqueira que grassa por essa Europa fora.