O Desempregado é uma ameaça!

Quão benevolente pode ser o caro leitor, para levar a sério o título que decidi atribuir a esta crónica? E quão estúpido pode ser o autor desta crónica, para principiar o texto com a palavra “quão”? Bom, quanto à primeira questão, sim: o leitor deve ser benevolente e levar o título desta crónica demasiado a sério, apesar de isto ser uma espécie de crónica de humor. Quanto à segunda questão, de facto, o autor desta crónica é uma besta incurável capaz de principiar crónicas de forma absurda. Bom, esclarecidos que estão estes dois pontos, vamos então ao que realmente interessa: o facto de um desempregado ser uma ameaça.

Desde o princípio deste mês que, de uma forma totalmente lamentável, me encontro no desemprego. Até aqui tudo bem, não fosse o facto de, no final deste mês, eu ir espreitar a minha conta bancária e reparar que faltam lá uns números valentes. Como é paradigma de quem se encontra na minha situação, tenho andado por aí a vaguear pelos caminhos obscuros que a procura de emprego oferece aos cidadãos deste país, entregando vários currículos, na esperança que uma alma carinhosa olhe para mim e pense: “Eh pá, olhando bem para este moço, constato que finalmente encontrei o empregado que procurava há anos! Vou já oferecer-lhe um emprego!” Mas confesso que, até esta data, tal facto ainda não aconteceu – o que me causa alguma estranheza, pois eu possuo uma cara tão, mas tão amistosa, que até me dá vontade de abrir uma empresa, apenas para empregar-me a mim próprio.

Ao entregar alguns currículos em mão, tenho presenciado alguns momentos estranhos, para não dizer bizarros. Ao que parece, as pessoas ao receberem o meu currículo demonstram uma espécie de receio, como se o Jack, o Estripador estivesse à sua frente, naquele preciso momento. Eu tento ser cordial, educado, mas as pessoas olham para mim como se de uma ameaça tratasse. Como se — vai-se lá saber como — a pessoa que está à sua frente, estivesse prestes a “fanar-lhes” o emprego. O que me leva a concluir que, de facto, o desempregado neste país é uma verdadeira ameaça para esta malta.

Para o caro leitor entender melhor o que acabei de escrever no parágrafo anterior, decidi transcrever uma conversa que tive com uma funcionária de um balcão de informações de uma enorme superfície comercial, que, ao entregar-lhe o meu currículo, dispara uma série de perguntas absurdas, quase deixando-me sem fôlego. Ora atente, caro leitor, ao que aí vem…

Eu: Olá, muito bom dia.

Funcionária: Bom dia.

Eu: Desculpe, eu vinha apenas pedir uma informação.

Funcionária: Faça o favor, é para isso que eu aqui estou!

Eu: Eu gostaria de saber se poderia, eventualmente, entregar-lhe o meu currículo. Aliás, se é aqui que eu devo entregar o meu currículo.

Funcionária: Sim, pode entregar-me a mim.

Eu: Pois, muito bem. Aqui está.

Funcionária: Hum… 32 anos, hem?

Eu: Sim, feitos no mês passado.

Funcionária: É casado?

Eu: Hum… Não…

Funcionária: Tem filhos?

Eu: Hum… Não, não tenho.

Funcionária: E disponibilidade de horários?

Eu: É total. Posso trabalhar igualmente por turnos.

Funcionária: Pois, não é casado e não têm filhos, está à vontade para trabalhar por turnos. Tem namorada?

Eu: Eu… Hum… Sim, tenho… Mas, porquê?

Funcionária: E ela não quer casar, é? E não quer ter filhos, é? Mas olhe que deveria ter filhos, para assim ter uma desculpa para ficar em casa, a tomar conta do seu filho.

Eu: Hum? Mas, porquê?

Funcionária: Para assim ter uma desculpa válida para continuar desempregado.

Eu: Mas, mas… Eu não quero continuar desempregado…

Funcionária: E vamos lá a ver uma coisa. O senhor Ricardo acha que conseguia fazer este tipo de trabalho? Este que eu faço?

Eu: Sinceramente, eu acho que sim. Não deve ser assim muito difícil. Parece-me até um trabalho bastante fácil… Acho eu…

Funcionária: Não é assim tão fácil, não! É preciso estar-se muito atento, e sempre disponível para ajudar as pessoas que por aqui passam diariamente! E olhe que não são assim tão poucas quanto isso! Eu acho que você não prestava para estar aqui! Você nem é casado! Nem tem filhos! Eu acho que não…

Eu: Ó minha senhora, peço desculpa, mas eu só vim aqui entregar o meu currículo, e não fazer uma entrevista de emprego, ok?

Funcionária: Olha, olha, afinal somos uns arrogantezinhos de primeira, não é verdade? Deve ter a mania que é bom, deve!

Eu: Ó minha senhora, olhe… vá BADAMERDA!

E segui a minha vida… de desempregado. De uma coisa tenho certeza absoluta: eu não vou trabalhar naquele local, pois o currículo que entreguei àquela senhora deve estar a servir de uma espécie de funil para colocar castanhas assadas…

Até para a semana, malta catita…