O dia depois do diagnóstico – Mara Tomé

Este texto serve apenas de partilha do que vivemos após uma primeira hipótese de diagnóstico.
Em agosto de 2010, o autismo apareceu-nos do nada; em outubro era um diagnóstico quase que confirmado. Pelo menos para aquele momento.

Em outubro de 2010 recebemos informação escrita por parte do hospital para nova consulta de desenvolvimento, já depois de dado o possível diagnóstico de perturbação do espectro autista.

Depois de entrarmos no gabinete médico, começou a festa: as piolhas não pararam quietas, mexeram em tudo o que não podiam (principalmente pionaises – nem sei onde os viram com tanta nitidez), começaram a ficar extremamente elétricas, com calor, a transpirar, a fazer todas as estereotipias possíveis até que a uma das piolhas morde os dedos e diz à médica que era um chupa. A psicóloga estava presente e verificou que, de facto, havia sinais que estavam a piorar. A médica apercebeu-se de que estávamos muito informados acerca dos nomes que se dão a determinados comportamentos e foi sempre muito aberta e franca connosco. Manteve-se o diagnóstico inicial, o encaminhamento para a equipa de autismo foi feito, a avaliação para terapia da fala será em novembro.


Conversámos sobre esses mesmos comportamentos: as birras constantes, o soluçar absurdo no final da birra ou o vómito, o olhar vazio e alheado no final de uma birra, a irrequietude, a ausência cada vez mais marcada de medos, as associações de ideias brilhantes (do género: baleia-mar-fato de banho-praia e pôr isto num desenho – mesmo que seja na parede do corredor…), a ecolália (repetição exata de frases ou palavras que memorizaram e utilizam nos mesmos momentos em que as ouviram, por exemplo, uma das piolhas deixa cair água na carpete e diz “olha pra isto!” no mesmo tom de voz, gesto e expressão que eu, sem alterar para “oh, está molhado”, por exemplo), as constantes diarreias que nem com dietas rígidas passam, a automutilação (que era o que me andava a preocupar mais), a genialidade de desenhos iguais aos de crianças 4 anos mais velhas. A médica diz que elas são muito inteligentes, com áreas nas quais são geniais mas com falhas na socialização/interação mas que estão muito destruturadas e que precisam de ser muito trabalhadas para melhorarem estes comportamentos. Dado o estado de nervos em que estavam, notou-se bem que tipo de comportamentos as piolhas têm quando se sentem assim. Receitou risperidona, dose mínima, para minimizar estas ansiedades (as diarreias finalmente foram embora e as agressões também).

O relatório geral, que foi dado ao infantário e terapeuta da fala, refere que as meninas (individualmente, portanto, 2 relatórios) foram observadas em consulta de desenvolvimento em agosto por alterações na linguagem. Apresentavam agitação psico-motora, ausência de contacto visual e estereotipias motoras, ecolália ocasional. O diagnóstico mais provável é de perturbação do espectro do autismo. Vão ser avaliadas para terapia da fala e encaminhadas para orientação pela unidade de autismo. Necessitam de intervenção direta e sistemática de Educação Especial e acompanhamento em terapia da fala e ocupacional, sinalizadas à equipa de apoio das escolas. Dada a agitação motora e por a irmã gémea apresentar quadro semelhante deverão ter o apoio de uma tarefeira no jardim de infância.

Saímos mais esperançados de dias melhores, de melhores vitórias, de apoios finalmente.



Apesar de tudo isto parecer estar encaminhado, não se imaginam quantos telefonemas estão por trás de tudo, quantas horas de reunião e conversas com educadora, professora de apoio, pedidos que se fazem, o meu voluntariado, viagens entre hospital-infantário-correios-entidades patronais para entregar documentos e falar com superiores, o desespero que às vezes bate bem fundo quando se veem injustiças, etc. É desgastante mas , com insistência, acaba por se ver algum resultado.

Não gosto da sensação de tempo perdido ou tempo de espera vazio. Sei que desde a 1ª consulta até outubro não passou muito e até foi rápido mas para quem já vem a alertar médicos de sinais que aparentemente só eu via desde os 7 meses de idade, é muito tempo!

Quanto a reações dos pais, mais tarde ou mais cedo, acabamos sempre por ir abaixo numa ou noutra altura. Grupos de pais que sabem do que falamos e o que vivenciamos acabam por funcionar como terapia.

O resto? Vai sendo um dia de cada vez. Olhando agora, 3 anos depois, para este relato, noto uma evolução abismal. Muito foi ultrapassado, muito foi conseguido, muito foi aprendido. Ainda temos um longo longo percurso pela frente porque muitas das estereotipias e comportamentos mantêm-se. Mas vemos que, apesar das dificuldades, as piolhas conseguem chegar mais longe e têm sempre alguém do lado delas.

 

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4