O dia em que me senti um idoso…

À velocidade que os anos vão passando por nós, é inevitável não sentirmos as diferenças ou as limitações físicas e até mesmo mentais que se apropriam de nós, sem pedir autorização. Quando uma pessoa dá por si, já tem de ir várias vezes à casa-de-banho durante a noite – quando antes conseguia ficar um dia inteiro sem visitar o Santuário Sagrado, onde várias ideias que mudaram o mundo, foram elaboradas.

Recentemente, adquiri uma raça de uma infecção urinária. Tudo muito catita e tal, visto que trata-se de uma infecção por vezes comum, mas a verdade é que ela não desaparece por si própria. O que está muito mal feito, visto que seria assaz fixe a infecção urinária chegar a um certo ponto de duração e pensar: «Ah, eh pá… Acho que estou farta de estar aqui. Bom, foi muito bonito e uns dias bem passados, mas acho que vou indo…» Mas não. Ela não desarma, o que leva a ter de ser combatida com medicação. E quem é que pode receitar essa mesma medicação? O médico de família…

E é aqui que começa o pesadelo. Pois, lamentavelmente, esta é uma das grandes lacunas do Sistema Nacional de Saúde. Hoje em dia, para se conseguir consulta com o médico de família, é necessário primeiro marcá-la e depois esperar cerca de 3/4 meses. Entretanto, a infecção urinária ataca-me os rins, e eu faleço antes de chegar a data da consulta, o que, convenhamos, não me dava lá muito jeito.

Então lá fui eu sujeitar-me a uma das experiências mais absurdas que o nosso Sistema de Saúde proporciona: acordar às 5 da manhã, e ir para a porta do Centro de Saúde da minha zona, para tentar arrebatar uma das cerca de três vagas que o meu médico de família disponibiliza algumas vezes por mês.

Verdade seja dita, cheguei por volta das 6 horas da madrugada à porta do Centro de Saúde, e não tinha uma pessoa sequer à minha frente. Estava sozinho e, subitamente, apercebi-me que era um alvo fácil para ser atacado e violado por alguém. Só me restava a esperança que, esse alguém, fosse uma louraça ninfomaníaca apenas à procura de um pouco de carinho.

Minutos mais tarde começam a surgir mais pessoas. Reparo num pequeno pormenor: todas essas pessoas, pertencem a uma faixa etária muito mais avançada do que minha. Isso pode ser bom, visto que podia surgir a hipótese de, enquanto esperava que o Centro de Saúde abrisse portas, ir aprendendo histórias engraçadas – pois idoso que é idoso, tem sempre uma qualquer história de vida bastante catita para partilhar. Mas rapidamente apercebi-me que estava errado, e que aquela espera iria ser um martírio. Pois ali só se falava de uma coisa: doenças.

Fiquei a par de umas quantas doenças que me esperam no futuro, quando chegar a altura de ser um idoso. As conversas doentias, a dada altura, fizeram de mim uma pessoa hipocondríaca. A cada doença que era abordada, eu analisava os sintomas e chegava à conclusão de que podia estar a sofrer dessa mesma doença. Tudo fazia sentido. Eu estava muito doente, por Deus!

Cheguei ao fim da linha quando o tema de conversa chegou às infecções urinárias. Eu estava a fazer um esforço titânico para evitar pensar na infecção, visto que, uns dos sintomas da infecção urinária é a vontade absurda de urinar várias vezes ao dia. E o raça dos velhos foram tocar nesse mesmo assunto… E eu ali, a conter-me com todas as forças do meu ser, para não urinar as calças. Eles falavam das vezes que tinham de ir à casa-de-banho, no ardor que sentiam quando tinham de urinar, no mau-estar diário… E eu a aguentar, a aguentar… Até que decidi intervir, antes que as coisas corressem mal para o meu lado, e as calças brancas que tinha vestido ficassem a qualquer momento, amarelas… Então, sem medir as consequências, gritei bem alto: «EU ESTOU COM UMA INFECÇÃO URINÁRIA! CALEM-SE IMEDIATAMENTE COM ISSO, ANTES QUE EU VOS URINE PARA CIMA QUE NEM UM CÃO A URINAR PARA UM POSTE DE ILUMINAÇÃO!» Remédio santo: o silêncio imperou até que o Centro de Saúde abriu as portas.

Talvez devido à lavagem de cérebro que sofri naquelas horas de espera, assim que me vi na presença do meu médico de família, desatei a gritar alto e em bom som: «DOUTOR, EU ESTOU MUITO MAL! EU ESTOU A MORRER! ESTOU COM UMA INFECÇÃO URINÁRIA TÃO, MAS TÃO GRAVE, QUE SINTO QUE UM DOS RINS JÁ PAROU DE FUNCIONAR, E O OUTRO ESTÁ PRESTES A AFOGAR-SE EM URINA! AJUDE-ME, DOUTOR! ESTOU A MORRERRRRRRR!»

O médico, com a calma que o caracteriza, examinou-me e disse as sábias palavras: «Deixa de ser parvo, pá! Toma esta medicação que te vou receitar, e num instante estás pronto para outra…»

Sabem o que foi que eu fiz, sabem? Saí a correr do Centro de Saúde, passei por uma farmácia de serviço, levantei a receita e voltei a correr, mas em direcção a casa. Chegado a casa, dirigi-me à casa-de-banho, soltei uma ou duas pinguinhas – porque estava mesmo à rasquinha – desloquei-me até à minha cama, deitei-me e adormeci. E passados 15 minutos, voltei a acordar para ir soltar mais uma ou duas pinguinhas…

Até para a semana, malta catita….