O Drama de Lucas – Amílcar Monteiro

João enfia a chave na fechadura, roda-a e abre a porta para aquilo que viria a ser uma experiência  decisiva na vida de Lucas.

LUCAS: Pronto, já cá estamos. Agora já me podes contar porque querias tanto que eu viesse a tua casa?

JOÃO: Sim, já vais perceber. Anda comigo.

Os dois passam o hall de entrada do apartamento até chegarem à sala onde, para sua grande surpresa, Lucas encontra os seus amigos Sara, Carla e Duarte.

LUCAS: Olá, pessoal… O que é que se está a passar aqui? Que supresa é esta? Há festa, é?

CARLA: Olá, Lucas. Não, não é festa nenhuma. Por favor, senta-te.

LUCAS: Ok, pronto… Passa-se alguma coisa?

SARA: Lucas, antes de mais queremos que saibas que se estamos aqui é porque gostamos de ti. Dito isto, queríamos falar contigo.

LUCAS: Querem falar comi…Espera lá! Isto por acaso é uma intervenção?!

DUARTE: Sim, é. Estamos preocupados contigo, amigo…

LUCAS: Preocupados? Mas com o quê?

JOÃO: Bem, não existe maneira fácil de dizer isto… Lucas, como sabes, todos nós fazemos parte da tua vida há algum tempo e temos reparado que, nos últimos anos, o teu comportamento mudou bastante. Já não és o mesmo Lucas que todos adorávamos. Tu tens um problema que te está a devastar e nós, enquanto teus amigos, temos obrigação de te dizer. Lucas, tu-tu-tu…

DUARTE: Calma, João. Força, nós conseguimos.

LUCAS: Eu o quê? Mas de que é vocês estão a falar?

JOÃO: Tens razão, é preciso força. Lucas, custa-me dizer isto mas tu és… honesto.

LUCAS: Hmmm… Sim, sou honesto. E então?

CARLA: E então?! Lucas, tu és honesto! Percebes a gravidade disso?

LUCAS: Mas qual gravidade? Ser honesto não é problema nenhum.

DUARTE: Eu não vos disse que ele ia dizer que não era nada? Negação clássica…

SARA: Lucas,  tu tens um problema! Não vês?!

JOÃO:  Malta, vamos acalmar-nos e fazer o que tínhamos combinado. Lucas, para tomares consciência da situação em que te encontras, cada um de nós te vai relatar um episódio que ilustra como a honestidade te está a prejudicar. Alguém quer começar?

CARLA: Eu começo. Lucas, lembras-te no outro dia, quando estávamos no parque, e tu achaste aquela carteira no chão? Podes descrever o que fizeste a essa carteira?

LUCAS: Então, fiz o que qualquer pessoa faria: fui entregá-la à polícia.

CARLA: Exactamente. E o que fizeste com o dinheiro que lá estava dentro?

LUCAS: Nada, deixei-o lá estar.

CARLA: E não vês o problema?! Porque é que não ficaste com o dinheiro?

LUCAS: Primeiro  porque não era meu e depois porque, provavelmente, fazia falta à pessoa que o perdeu.

CARLA: Mas tu não percebes que na polícia alguém vai ficar com o dinheiro?!

LUCAS: Sim, talvez, mas pelo menos eu não fiquei. Estou de consciência tranquila.

CARLA: Não vale a pena, ele não quer perceber… Aposto que nem sabes quanto dinheiro lá estava, não é, Lucas?

LUCAS: Por acaso vi que eram umas notas mas nem contei…

Carla começa a chorar.

DUARTE: Calma, Carla, calma… Agora sou eu. Lucas, quero falar-te daquela vez em que bateste, ao de leve, num carro quando estavas a estacionar. Recordas-te? Eram três da manhã e não estava ninguém na rua ou à janela. Diz-me, por favor, o que fizeste quando isso aconteceu.

LUCAS: Deixei um bilhete no outro carro a informar que lhe tinha dado um toque, com o meu nome e contactos.

DUARTE: E não vês nada de errado nesse comportamento?

LUCAS: Não… Mas o que é que há de errado em deixar um bilhete?

DUARTE: O que há de errado é que ninguém viu, estúpido! Ninguém!! Porque é que não te foste simplesmente embora?! Para quê deixares lá um bilhete?!

LUCAS: Porque gostava que fizessem o mesmo comigo, se me batessem no carro e eu não visse.

DUARTE: Não interessa o que gostavas que te fizessem! O que interessa é que essa tua honestidade idiota só te fez gastar dinheiro e ter chatices desnecessárias!!! Entendes, seu anormal?

JOÃO: Acalma-te, Duarte! Os insultos não vão ajudar. Isso é o que ele quer! Assim pode virar a conversa, argumentando que o estamos a ofender, e ir-se embora.

LUCAS: O quê?! Vocês, estão a gozar comigo, não estão?

SARA: Lucas, o Duarte não te queria insultar. Ele está a reagir assim porque gosta de ti e está preocupado… Ah, olha, deixaste cair essa nota que está aí ao pé de ti.

Lucas olha para baixo e repara numa moeda de vinte cêntimos que está no chão. Apanha-a prontamente.

LUCAS: Hmm… esta moeda não é minha. Vejam lá se algum de vocês perdeu vinte cêntimos. Não? Ninguém perdeu uma moeda de vinte cêntimos? Pronto, então vou deixá-la aqui em cima da mesa para que,  quando alguém der pela falta dela, saiba onde está.

SARA: PORRA, LUCAS, NEM ASSIM?!! NEM COM A MERDA DE UMA MOEDA QUE ESTÁ NO CHÃO E NINGUÉM DIZ TER PERDIDO TU FICAS?!!!!

CARLA (soluçando): Porquê, Lucas? Porque é que fizeste isso? Por favor, fica com a moeda… Por favor….

LUCAS: Mas já vos disse que não é minha!

SARA: E ENTÃO?!?! FICA COM ELA NA MESMA!!! TU NÃO PERCEBES QUE ESSA MERDA DE HONESTIDADE NÃO TE AJUDA EM NADA?

DUARTE: Vêem? Eu bem disse que não ia resultar….

JOÃO: Bem, Lucas, nós não queríamos fazer isto, mas depois do teste da moeda não nos resta outra alternativa… Tu não consegues admitir que ser honesto te está a prejudicar. Não compreendes que a honestidade é um vício incompatível com a sobrevivência na sociedade de hoje em dia. Estás-te a destruir mas nós não vamos deixar que isso aconteça! Como tal, enquanto amigos que só querem o melhor para ti, não nos deixas outra opção. PODEM ENTRAR!

Abruptamente, entram na sala dois homens vestidos de branco e agarram Lucas.

LUCAS: Mas o que vem a ser isto? O que é que estão a fazer?!

JOÃO: Como temíamos que não aceitasses que tens um problema, antes de tudo isto contactámos um hospital psiquiátrico e relatámos a situação, para o caso desta intervenção não correr bem. Lamento, mas mais ser internado. Perdoa-nos, Lucas, mas é para o teu bem.

LUCAS: Vocês estão todos doidos?! Internado por ser honesto?! Vocês é que estão malucos, não sou eu!! EU NÃO TENHO PROBLEMA NENHUM!! ISTO É ILEGAL!!! LARGUEM-ME!!

Os gritos de revolta de Lucas vão perdendo intensidade à medida que os dois enfermeiros do hospital psiquiátrico o arrastam, à força, para fora de casa de João.

DUARTE: Que reacção tão típica de alguém com problemas… Só vem confirmar que fizémos aquilo que tinha de ser feito.

CARLA (ainda chorando): Só espero que ele melhore…

JOÃO: Vais ver que sim. Vais ver que  dentro de pouco tempo aparece aí o Lucas de antigamente, a dizer que lhe deram troco a mais num restaurante e que ele não disse nada…

SARA: Sim, Carla, será como quando tínhamos quinze anos e íamos todos à papelaria ao pé da escola e o Lucas estava sempre a roubar gomas. Lembras-te?

CARLA: Sim… Bons velhos tempos…


Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia
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