O estado do nosso Estado – Rafael Coelho

Há muitos comentadores e “opinadores“ a falar e escrever acerca do estado do nosso Estado. Nem eu sou a pessoa melhor abalizada para o fazer. Porém, não consigo resistir mais a falar um pouco sobre o meu pensamento acerca do estado do nosso Estado!

Alguns barões e senadores da república afirmam que já não existem políticos como antigamente. Não sei se concordo muito com esta afirmação. Quando penso em grandes políticos vêm-me à cabeça alguns de nomes: Mitterrand, Helmut Kohl, Kennedy, Churchill, Thatcher, Lenine, Sá Carneiro… Não sei porquê, nunca me lembro de Soares. Mas foi ele uma das pessoas que se referiu aos políticos atuais nestes termos. Pessoalmente, nunca nutri grande simpatia por Mário. Reconheço que foi importante para o país numa altura crucial, no entanto se alguém estivesse no seu lugar nessas alturas, possivelmente as decisões teriam sido semelhantes; mas não consigo reconhecer que a suas ações positivas um peso maior para o país do que as suas ações negativas. Pena é que as pessoas esqueçam depressa – muitas vezes os próprios – as suas próprias ações e opções. Recordo o desastroso processo de descolonização, recordo a inércia do governo de bloco central ao qual presidiu nos anos 80, recordo as eleições legislativas com a coligação FRS que venceu também nos anos 80 na qual prometia 100 medidas em 100 dias (não concretizadas), recordo os mandatos presidenciais em constante confronto com os governos de Cavaco e o Congresso “Portugal que Futuro?”, recordo a recandidatura a Belém, da qual saiu indignamente com uma redonda e humilhante derrota – situação de que não tinha a necessidade de atravessar. De Soares, reconheço duas ações positivas para Portugal: o pedido de adesão à CEE – quiçá uma adesão demasiado precoce – e o permanente distanciamento da esquerda radical.


Soares, quando criticava os políticos atuais, referia-se certamente a Merkel, Sarcozi, Barroso, Berlusconi, Passos Coelho, etc., certamente estaria a tentar indiretamente referir-se a si próprio como um grande político, pelo que, para além da demonstração de grande presunção e pouca humildade, criticava políticos cujo trabalho nunca terá conseguido igualar.

Já sei, o leitor está aqui a detetar da minha parte alguma forma de elogio aos políticos mencionados, mas de facto não é disso que se trata. Todos sabemos a difícil missão que todos estes e os seus congéneres têm pela frente, nomeadamente o nosso PM, que encontrou ao chegar ao poder números de dívida pública, de défice orçamental, de desemprego, de desorganização estrutural do Estado, que não se verificavam no país à havia décadas, para não dizer séculos!!! Todos conhecemos os poderes instalados e os lobbies que tão facilmente se movimentam nos nossos dias. Todos sabemos que durante duas décadas vivemos de dinheiro que não era nosso. Não aproveitámos as verbas disponíveis para serem investidas no setor produtivo através de incentivos mais incisivos na indústria, na agricultura e nas pescas, mas fomos gastar rios de dinheiro em auto estradas onde não passa lá uma mosca, em pontes e eventos gigantescos, na construção de casas para habitação nas periferias das cidades, deixando os seus centros também às moscas e sem vida, apostámos nos parques automóveis de luxo dos grandes decisores do Estado, deixámos endividar grandes empresas estatais, principalmente dos transportes, mas deixámos encerrar metalurgias e abandonámos a construção naval. Virámo-nos para Europa e voltámos as costas ao mar e ao eixo Atlântico que sempre fomos. Perdemos poder e influências nos países de língua portuguesa.

Neste momento, já não temos quase nenhuma das “joias da coroa”: vendemos toda ou parte da EDP, a PT, a REN, a GALP, Cimpor e estamos em vias de ficar também sem os Estaleiros Navais, a TAP e partes da RTP. Dos cerca de 700 mil empregados do Estado, precisamos de ficar com menos 100/120 mil, pessoas que poderão vir a engrossar as filas dos Centros de Emprego e atingirmos o limiar do milhão de desempregados, ou então exportamos pessoas para estrangeiro.

A missão que o país tem pela frente é provavelmente única e irrepetível: há que reestruturar toda a nossa dívida; há que apostar nos setores produtivos e no turismo; há que voltarmo-nos para as economias emergentes, nomeadamente as de língua portuguesa, ainda com maior fervor do que fizemos até aqui (quiçá também Índia e Indonésia, grandes países onde temos bastantes raízes históricas); há que reduzir sim, o peso do Estado, mas não depauperá-lo, apenas torná-lo mais eficaz e mais eficiente; há que apostar numa justiça célere, competente e desburocratizada e muito mais que muita gente fala, toda a gente já sabe, mas muitos influenciadores no poder tendem a dificultar.

Já sabemos que é necessário moralizar o Estado, erradicar a corrupção, alterar o paradigma de sociedade e as mentalidades, mas isso não se pode fazer à bruta, às custas da exploração a todo o custo dos rendimentos do trabalho, nem da martirização do consumo privado. Tudo isto demora tempo a concretizar, porventura uma ou duas gerações. Por isso é necessário que os pais e avós de hoje eduquem os seus filhos para a necessidade do trabalho em vez de apenas ócio em frente da televisão, do computador ou da consola de jogos. Há que começar cedo a ensinar aos filhos as atividades domésticas, motivá-los e ensiná-los a estudar e a comportarem-se na escola, na catequese e nas outras atividades extracurriculares que tiverem. Há que conter os seus ímpetos consumistas: ter aquilo que faz falta em detrimento do supérfluo e desnecessário.

Há ainda que pagarmos nos próximos 20 a 30 anos as dívidas que contraímos, tanto pessoais como coletivas, para não deixarmos uma pesada herança para os nossos filhos e netos. Se os nossos pais e avós nos deixaram um bom património cultural (e/ou material) e bons hábitos e costumes, porque nos abstemos e não transmitimos os mesmos valores aos nossos filhos e netos?

Só assim conseguiremos não sobrecarregar as gerações vindouras com os nossos erros e permitir que Portugal continue a ser um país com futuro, autossuficiente, exportador e não dependente de ajudas temporárias, já que em termos de localização geográfica, cultura, história, património coletivo, clima, beleza, demografia, hábitos e costumes, somos um país privilegiado, como diria o poeta, sem mentir, “um jardim à beira mar plantado”.

Unidos, tolerantes e trabalhadores, conseguiremos!

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro