O extraordinário exemplo das empresas que contratam cidadãos autistas

No Portugal de hoje tornou-se difícil para qualquer um de nós conseguir emprego. Sejamos novos, de meia-idade ou quase na reforma. Licenciados, com Mestrado, Doutoramento ou apenas com o Ensino Secundário. Ter um emprego fixo é tarefa impossível, infelizmente. E se a situação está assim tão negra para “nós”, imagine para quem também procura emprego mas tem algum tipo de deficiência. Essa sim é uma tarefa impossível. Hoje trago-vos um caso que devia de ser analisado e replicado por esse mundo fora. Gostava de vos poder dizer a todos que tamanho exemplo é nacional, mas infelizmente tal não é verdade.

Alguns empregadores estão a ver cada vez mais o autismo como uma vantagem e não como uma deficiência que os impeça de desempenhar um bom trabalho.

Na Irlanda uma empresa de software com sede na Alemanha, SAP de seu nome, tem estado em busca de pessoas autistas para contratar para os seus quadros. Tal gesto não é caridade, mas sim por acreditarem que eles possuem características únicas que pode tornar algumas dessas pessoas mais determinadas e concentradas do que os restantes trabalhadores.

Esta é uma iniciativa que merece todo o reconhecimento uma vez que as estatísticas mostram que 85% dos indivíduos autistas se encontram desempregados. Esta iniciativa estende-se também à Alemanha, à Índia e a quatro escritórios que se encontram na América do Norte.

O objectivo da SAP é conseguir que quando chegarmos a 2020 1% da sua força de trabalho seja composta por cidadãos autistas (neste caso algo como 650 empregados).

O autismo é uma alteração que afecta a capacidade de comunicação, de socialização (estabelecer relacionamentos) e de comportamento (responder apropriadamente ao ambiente, segundo as normas que regulam essas respostas) do individuo. Pessoas autistas tendem a prestar grande atenção aos detalhes, o que pode torná-los adequados para testarem os softwares, por exemplo. Além disso, estas pessoas trazem uma perspectiva diferente para o local de trabalho, o que pode ajudar a aumentar a eficiência e a criatividade.

Mas a SAP não é a única empresa a ter um programa deste género. Nos Estados Unidos da América a empresa Freddie Mac oferece desde 2012 estágios em três áreas distintas a autistas. De acordo com as declarações do seu porta-voz no passado mês de Janeiro a empresa contratou o seu primeiro funcionário a tempo inteiro proveniente deste programa. A empresa descobriu que os estagiários muitas vezes tinham um bom desempenho surpreendente em trabalhos onde é necessária uma grande atenção aos detalhes, conseguindo inclusivamente ter pontos de vista diferentes e originais.

Como é óbvio os autistas possuem interesses diversificados, passando pelas mais diversas áreas. A SAP trabalha de momento com uma empresa dinamarquesa de consultadoria com foco no autismo que cuidadosamente selecciona e entrevista os candidatos de forma a encontrar os indivíduos adequados para que posteriormente a SAP os possa avaliar consoante as suas necessidades.

Quanto mais estatísticas analisarmos mais preocupados ficamos. Por exemplo, sabiam que cerca de 1% da população dos EUA (sensivelmente três milhões de pessoas) é autista? E sabia que segundo os mais recentes estudos uma em cada 68 crianças possuem um transtorno relacionado com o autismo? Mas ainda tenho mais um número para si: sabia que entre os jovens adultos com 21 a 25 anos de idade apenas metade teve pelo menos um emprego remunerado fora da sua habitação?

Se possuem as características certas e têm formação como qualquer outro candidato porque haverá de um individuo autista ser discriminado pela entidade patronal? É impossível ficar indiferente perante tamanha discriminação e insensibilidade!

Coloquem-se por um instante na pele de um autista que viva em Portugal. O destino quis que nascessem com alguns problemas de saúde, contudo não baixaram os braços e lutaram para concretizar os vossos sonhos. Com algumas dificuldades conseguiram concluir o Ensino Secundário e mais tarde acabaram mesmo por licenciar-se na área que pretendiam. Deparam-se depois com o mercado de trabalho. Enviam currículos, vão a entrevistas, mas o resultado é sempre o mesmo: zero. O mercado de trabalho revelou-se exactamente como tinham ouvido que seria para convosco: parcial, implacável, insensível.

Sentem-se injustiçados porque embora tenham as mesmas qualificações que os restantes candidatos acabam sempre por ser preteridos devido aos problemas de saúde que possuem. Toda uma vida marcada pela luta, pelo esforço, pela dedicação, pela ambição de concretizar os seus objectivos tendo apenas como combustível o sonho (porque afinal de contas “o sonho comanda a vida” certo?).

Sentiu-se triste, revoltado, decepcionado por viver num país assim? Pois seja bem-vindo a um dia normal para um autista. Então não se esqueça que a todas estas dificuldades se junta um corte de apoios e benefícios assim como um aumento brutal de impostos. Isto desmotiva qualquer um. Isto retira a vontade de fazer seja o que for, até de viver. E um país que não estima e não protege os seus cidadãos é um país que não pensa no futuro. Será uma dívida mais importante que as vidas de milhares de pessoas?

Apesar do texto ser vocacionado para os autistas obviamente que quem diz um autista diz um individuo com qualquer outro problema de saúde ou deficiência, dado que por menor que seja terá sempre influência em todos os aspectos da sua vida. Resta-nos esperar que as empresas portuguesas sigam estes grandes exemplos e comecem rapidamente a dar igualdade de oportunidades aos cidadãos autistas!

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
Visite o blog do autor: aqui