O famoso espírito de Natal

Após um curto período de “férias”, volto para vos falar um pouco sobre o Natal e os períodos festivos em geral.

É já um “lugar comum” afirmar que a época de Natal amolece os corações dos humanos e os torna, de um modo geral em “modo benevolente”. Mesmo que alguns de nós passemos algumas dificuldades, neste período não conseguimos resistir ao apelo de um peditório, de uma campanha, principalmente se o objetivo for ajudar crianças ou instituições de crianças, velhinhos, deficientes ou mesmo os sem-abrigo.

Assalta-nos um sentimento súbito de compacência, de piedade, de caridade, que muitas vezes não é puro e genuíno, simplesmente essa dádiva significa para nós um descargo de consciência, uma compensação que fazemos a nós próprios, para tentarmos reparar o que não fizémos de bem durante o restante ano. Essa sensação dura muito pouco, porque logo a seguir, com o passar do velho para o novo ano, voltamos a empedrenir o nosso coração, a desviar o olhar a um sem-abrigo, a mudar de canal quando adivinhamos um anúncio de uma qualquer campanha de solidariedade…

Felizmente, não falo para muitos, porque o povo português é conhecido como bastante solidário e participativo em ações do género. Mas este porém, não é um daqueles assuntos para os quais podemos pretextualizar-nos utilizando os números conseguidos nas campanhas e as médias alcansadas. É mais um daqueles assuntos para os quais não podemos fazer de conta que: “se de entre duas pessoas, uma come uma galinha e a outra não come nenhuma, a média entre ambas é de meia galinha”, pois não nos podemos esquecer que uma das pessoas passou fome, enquanto que a outra encheu o bandulho!

Há de facto casos e casos: há aqueles que têm mesmo necessidade e não conseguem trabalho e têm uma família para alimentar e despesas fixas para pagar; mas também há os que são “pedintes profissionais”: tentam ludibriar os outros com situações de vida que de facto não têm, ou que podem e não querem trabalhar… há essa avaliação a fazer e, por isso, céticos, muitas vezes desviamos o olhar daqueles que de facto necessitam da nossa ajuda.

Quem bom seria vivermos numa sociedade na qual não houvesse sem-abrigos, não houvesse pedintes, não houvesse pobres. A sociedade civil – que é tudo aquilo que não é o Estado – está presente, enquanto que este, o Estado, cada vez mais se encontra de costas voltadas para estes necessitados básicos, cortando-lhes apoios, não possuindo estruturas eficazes que sinalizem todas as situações e que atuem perante elas. Porque é que ainda existem tantos imóveis abandonados nos centros das cidades, muitos deles propriedades do Estado ou das Câmaras e depois existem ainda tantos sem-abrigo nas ruas? Se dormir em casa é tantas vezes doloroso devido ao frio e devido à construçãos das nossas moradias não contarem com estes longos períodos de frio, então o que será dormir na rua, revoltar os caixotes do lixo, minguar algo que aos outros sobre…

Mais do que qualquer outro desejo supérfluo ou fútil para este novo ano, o que mais cada um deveria desejar, seria o sentimento de caridade e de bondade, não apenas nas datas normais e para os eventos habituais, mas sempre, todo o ano, todos os dias. E não para suposto benefício de consciência próprio, mas sim com o sentimento de ir ao encontro do outro, daquele que de facto necessita.

Ações individuais, mas também associarmo-nos a entidades já constituídas, oferecer o nosso voluntário contributo material ou apenas de disponibilidade, de aplicação das competências pessoas ou profissionais, rumo ao bem-estar dos outros.

Este é o desafio que cada um tem em cada ano que se inicia.