O Grito do Ipiranga da Mulher do Século XXI

Sou mulher. Sou de esquerda. Sou agnóstica. Sou politóloga de formação mas não de profissão. Dado o contexto socioeconómico português, trabalho como assistente comercial numa empresa de aluguer operacional de viaturas. Sou, como tantas outras mulheres, uma lutadora num mundo que se supõe de homens.

Desengane-se quem acha que já não é preciso lutar por igualdade de direitos nos dias que correm. Desengane-se quem acha que é fácil ser mulher. Não é. Nem nunca vai. As mulheres são, no século XXI, furacões. Literalmente.

Eu vejo isso pela minha mãe. A minha mãe é técnica oficial de contas. Trabalha das 9h às 18h desde que me lembro. À noite e aos fins-de-semana sempre tratou da contabilidade de outras pessoas e empresas. “É um extra no final de cada mês que me deixa segura”, diz-me ela. No meio do seu trabalho fixo e de todas a escritas e as facturas, a minha mãe criou dois filhos, manteve duas casas e ajudou sempre o meu pai. Levanta-se às 6h45 da manhã para fazer o seu exercício físico, antes mesmo de começar a azáfama cá por casa.

E eu penso que o mundo deveria ter mais mães destas. Eu sei que elas andam por aí. Mulheres com dois e três trabalhos para ajudarem filhos a pagarem propinas. Mulheres que andam sempre a correr de um lado para o outro, deixando um filho no futebol e uma filha no ballet. E que ainda têm tempo para fazer a depilação e comprar a tal lingerie que viram numa montra de um centro comercial. Não pelos maridos ou namorados! Mas por elas. Ser mulher é agradar, em primeiro lugar, a nós mesmas!

A mulher do século XXI é um furacão, repito. Tratam de filhos, são esposas e não se esquecem de ser mulheres. E o essencial está aí: em ser tudo, tratar de todos e não nos esquecermos de nós. Cuidar de uma mulher é garantir que existe uma mãe e esposa forte, capaz de mover montanhas. E os homens ainda não têm noção disso. No meu pensamento um tanto ou quanto radical, os homens têm medo das mulheres do século XXI.

Grande parte dos homens não compreende a capacidade multifacetada de uma mãe, que muda fraldas ao mesmo tempo que fecha um contrato com uma multinacional por telefone. Elas estão em todo o lado: a atravessar passadeiras, a gerir empresas, numa reunião de pais, numa padaria ou na fila do supermercado. São a nossa vizinha do lado. Estas mulheres têm, quase sempre, um homem com H grande ao lado. Porque só um homem assim vai perceber que ambos têm de ter uma carreira e cuidar dos filhos. Só um homem assim consegue compreender o jogo de cintura e apoiar a mulher sempre que a tensão pré-menstrual (TPM) aparece ou quando a injustiça de um mundo patriarcal a deita abaixo.

Todos os dias eu oiço comentários sexistas. “De certeza que é mulher!”, quando aparece um carro meio desgovernado no trânsito. “Aposto que é mulher!”, como justificação para qualquer estupidez que aconteça ou oiça. “Aquela mulher é uma puta, dormiu com vários homens!”, sendo que se for um homem, será de certeza um garanhão. “Trinta anos e está solteira?! Deve ter um problema na cama!”, quando ser solteira é uma opção tão válida como ser casada ou viver em união de facto. “Ela não quer ser mãe! Como é que é possível?”.

No século XXI, ser mulher é nascer com um atestado de estupidez passado por uma sociedade machista e sem respeito pelo sexo oposto. E isto não podia estar mais errado.

O mês passado, na minha crónica, falei sobre a lei da paridade. Foi preciso chegarmos a 2015 para termos, pelo menos, 33% de mulheres no Parlamento. Até 2015, a representação do sexo feminino na Assembleia da República não respeitou as directrizes europeias. Não respeitou a minha voz ou a da minha mãe. E digo isto porque não poderão ser os homens a lutar por este tipo de igualdade quando eles nascem com tudo garantido: um estatuto de garanhão, um salário mais rechonchudo ou um diploma em economia e política.

Nunca houve tanto estereótipo como hoje. Ser homem não é sinónimo de perceber de economia, política ou carros e motas. Sejamos sinceros: ser homem é ter um cromossoma Y e um X e ter um pénis. Ponto final. Que o diga a miúda da política, que vende carros usados para garantir um salário ao final do mês enquanto tira um mestrado em Estudos Internacionais e luta pelos direitos humanos. E pelos direitos das mulheres. Sempre pelas mulheres.

Não sou lésbica ou bissexual. Sei perfeitamente que gosto de homens (só de um, para esclarecer a situação), mas odeio machistas. (Nota para a minha Mãe: Sei que não gostas que fale em ódio, mas por cada machista que existe no mundo, morre num panda bebé. E isso é chato!). Sou apaixonada por mulheres. Esse ser belo, que gera vida, arruma casas, gere carreiras e move montanhas.

Verdade seja dita, é disto que o sexo masculino tem medo. De mulheres de ferro. De fibra. Que quando pegam nas rédeas da vida, a conduzem à sua vontade. O problema é esse: homens que têm medo de olhar para o lado do condutor enquanto vão sentados no lugar do pendura; homens que preferem bater em vez de amar; homens que não respeitam a sexualidade feminina; homens que não percebem que ser pai e ser mãe é exactamente a mesma coisa; homens que não respeitam uma mini-saia, um decote proeminente ou uns calções mais curtos.

Homens que não compreendem o feminismo. O feminismo é uma luta pela igualdade de direitos, mas é também amar a mulher em todo o seu ser: a sua sensualidade, a sua capacidade de ser mãe e o seu poder de amar incondicionalmente. Somos cuidadoras por natureza. E a mulher do século XXI é uma cuidadora com um diploma em Engenharia Mecânica ou em Ciência Política. E não vai ser menosprezada por isso. A partir de agora, vamos olhar para a mulher com olhos de ver. Vamos respeitar pernas à mostra, decotes acentuados e opiniões femininas. Acima de tudo, vamos considerar e ter em conta essas opiniões, sem piropos ou comentários desagradáveis.

Sou feminista mais do que assumida e isso é, muitas vezes, motivo de piada por parte de alguns homens. Mas ainda bem. Para mim é um motivo de orgulho e eu sei que, no fundo, eles se sentem confrontados por eu não abdicar dos meus ideais e da minha luta. Eu quero acreditar que é isto mesmo que acontece.

Quero casar de branco, com um vestido digno de fazer inveja às princesas da Disney. Dispenso a parte da igreja pois seria hipócrita se considerasse em casar sob o olhar de alguém que, para mim, não existe. Quero ter uma carreira de sucesso. Mas também quero ter uma Leonor, um Tomás e uma Constança. E quero continuar a jantar fora com o meu namorado sem fraldas à mistura. Detesto sutiãs e adoro vestidos. Gosto de carros, mas fui criada entre filmes da Disney. Escrevo romances e tenho um sonho: ver uma corrida da NASCAR. Digo asneiras quando me apetece e não sei andar de saltos altos.

Ser mulher é isto. Mantermo-nos fiéis a nós próprias enquanto cuidamos dos outros. E que fique a lição (!): a Mulher não é um objecto. A Mulher é um tesouro. E quem tem uma Mulher, tem tudo. Incluindo um furacão.

 

Desejo-lhe um excelente mês de Novembro. Eu volto em Dezembro para mais uma dose de Direitos, sejam eles Humanos ou Femininos!