O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exercitos – Uma Restrospectiva (Review)

O ano de 2015 pode ter chegado com todo o seu esplendor, deixando os fãs na espectativa para a estreia de final de ano Star Wars: The Force Awakens, ou a mais próxima, a de The Avengers: Age of Ultron. No entanto, e como é natural tenho ainda um pé em 2014 porque o capítulo ainda não encerrou.

Falando sucintamente, nos temas mais embaraçosos de final de ano podemos destacar o famoso The Interview, um filme que poderia ter passado completamente despercebido não fosse o orgulho do líder Norte-Coreano. Mal jogado Kim Jong-un! E mal jogado Sony, pois só aumentaram o interesse num filme sem interesse nenhum!

Por último resta falar da proibição do filme Êxodo: Deuses e Reis em Marrocos, Egipto e Emirados Árabes Unidos por representar a figura de profeta Moisés e ir contra factos históricos. Os filmes bíblicos vão sempre causar problemas em locais onde a mente é pequenina, e onde a realidade encontra a ficção, e é abalada por não representar outra ficção em vigor. Estranho caso num filme que reúne todo o esplendor que Ridley Scott pode oferecer, que posso afirmar ser uma das mentes mais lúcidas em termos de realização e cinematografia rivalizando com lendas como Stanley Kubrick, à sua maneira claro.

Depois desta pequena análise dos podres do final do ano de 2014 resta voltarmos uma ultima vez à Terra-Média traçando uma perspectiva geral da trilogia de The Hobbit, com destaque para o último filme que estreou no dia 17 de Dezembro em Portugal. O que fica desta segunda, e derradeira, trilogia?

The-Hobbit-Battle-of-the-Five-Armies-poster-9-691x1024 Titulo Original: Hobbit: The Battle of the Five Armies

 Ano: 2014

 Realizador: Peter Jackson

Produção: Peter Jackson, Carolynne Cunningham, Fran Walsh, Zane  Weiner, Philippa Boyens

Argumento: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson, Guillermo del Toro, J.R.R. Tolkien (livro)

 Actores: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage

 Musica: Howard Shore

 Género: Aventura, Fantasia

 Ficha técnica completa em: http://www.imdb.com/title/tt2310332/

 Temos todos um problema com prequelas, especialmente quando  para algumas pessoas a palavra “prequela” rima com Jar Jar Binks. É preocupante quando as expectativas são elevadas e de repente atiradas ao chão de forma desapontante. Esse medo existiu para alguns em The Hobbit e não é um medo infundado. A trilogia de The Hobbit está dois passos atrás de O Senhor dos Anéis, não cativou de forma tão avassaladora, não atingiu de forma tão coerente uma aceitação abrangente na mente dos fãs de Tolkien. É perceptível, e até compreensível especialmente depois das mais de 20 horas que passei numa maratona Extended, de Peter Jackson e Terra-Média que intercalei perfeitamente com a minha ida ao cinema de forma a desfrutar de um filme com 6 partes que se completam, e sim nisso não nos podemos enganar, há perfeição na coerência de forma irrefutável, a história liga-se e não há vergonha nenhuma em começar com The Hobbit e acabar em The Lord of the Rings até porque a aventura só vai melhorando a cada filme, assumindo uma evolução de qualidade do inicio ao fim.

Mas então o que falhou em The Hobbit por mais qualidade que possa continuar a demonstrar? Indico três problemas nas próximas linhas. Escolhas estéticas parecem-me o primeiro problema e o mais derradeiro. Em O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos é bem evidente que Peter Jackson caiu na armadilha do CGI, num filme que não aguentará o passar tempo com tanta força como a trilogia original, onde apenas no necessário foi utilizada tecnologia virtual. Deixo uma pergunta ao leitor, olha para as duas imagens seguintes e diga-me o que é mais real para si?

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O cúmulo dos cúmulos não é apenas o facto de alguns orcs serem fruto de motion capture, o que retira toda a realidade que restaria a um filme de fantasia, está também no facto de até personagens importantes já serem fruto da magia do CGI. Dain, o líder dos anões das Colinas de Ferro surge montado num javali, surpresa para mim constatar que até esta personagem foi completamente animada tornando a Batalha dos Cinco Exércitos num misto de Lord of the Rings e Polar Express. A pergunta surge no entanto: terá Dain sido computadorizado para animar o javali?

Continuando no mesmo campo, a cor dada aos filmes é entranha, especialmente em A Viagem Inesperada, talvez sirva para traduzir a natureza mais infantil da história mas falha redondamente em encontrar coerência em todas as cenas. Também o exagero de cor, e de efeitos de pós-produção, parecem prejudicar em vez de melhorar a imagem do filme e a aparição de actores que deviam manter a aparência jovem da primeira trilogia. Se olhar-mos para Ian Holm ou até mesmo para Orlando Bloom, nenhum deles parece mais novo, simplesmente parecem muito mais estranhos… E não é por terem passado 14 anos se reparem nas fotografias seguintes…

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Algo falhou quer em pós-produção quer com o departamento de maquilhagem. Há perguntas que fazemos a esta trilogia que não começam com como, mas sim com porquê… PORQUÊ?

Por último resta a direcção do roteiro. Podiam ter sido dois filmes, mas foram três… A história é esticada, ultrapassando em milhas o que Tolkien desejaria para o seu filme e o que a audiência julgaria coerente mesmo nessa mesma adição. Entramos assim no próximo ponto critico que contém spoilers e por isso faço já aqui um aviso, uma vez que raramente ultrapasso essa barreira quando critico filmes. Avisarei mais lá a frente quando estes acabam…

___________________________________SPOILERS_____________________________________

Três personagens importantes esticam o pernil, morrem, vão desta para melhor… Fili, Kili e Thorin morrem cada um à sua maneira mas é nestas cenas que percebemos o intuito e a falha no que se trata de anões. Em primeiro lugar, embora tenha existido um esforço para dar personalidade aos anões, poucos tiveram tempo de ecrã suficiente para nos dar mais de si, e muito menos para criar uma relação com eles. A morte de Fili passa-nos quase despercebida, a morte de Kili faz apenas sentido devido a uma historia de amor impossível cujo o único intuito parece ser esse, dar impacto a uma morte que podia muito bem ter a mesma gravidade com outras orientações em termos de historia. Tauriel é uma personagem interessante num universo onde as personagens femininas vivem por vezes na penumbra mas a historia de amor é desnecessária, embora resulte para o acima descrito.

Já a batalha final e Thorin e Azog é um ponto positivo, há algo de arturiano numa espécie de homenagem a Tolkien e à literatura inglesa que tanto prezava. Para quem gosta e conhece a lenda arturiana reconhecerá momentos que fazem lembrar a Batalha de Camlann.

_________________________________FIM DE SPOILERS _________________________________

Depois da minha crítica duríssima faltam os pontos positivos. Critico até certo ponto o prolongar da história e a excessiva liberdade criativa mas vejo o porquê destas opções. Embora a trilogia original possa ser vista em três filmes diferentes, com inicio meio e fim, The Hobbit deve ser visto como um filme apenas porque não está tão devidamente dividido tratando-se apenas de um livro com pouco menos de 300 páginas. Torna-se evidente pois o inicio já tem um toque de sequência final, o resto do filme parece tornar-se num epilogo alargado mas gratificante que depressa encontra outro problema e logo de seguida um segundo epilogo. Este facto não destrói a qualidade do filme, mantem-se uma experiencia fabulosa do inicio ao fim.

As cenas em Dol Guldur com Gandalf e o resto do Conselho Branco são uma adição tremenda num acontecimento que os fãs só têm acesso nos apêndices do livro de O Regresso do Rei embora desfrute de alguma liberdade criativa.

A batalha em si, tão evidente no título, acaba por demonstrar exactamente o que é o filme. Falta mesmo assim a escala épica de outras batalhas da saga, não vemos efectivamente cinco exércitos a não ser por breves momentos, talvez estas falhas sejam complementadas com a já esperada Extended Edition. O conflito é explorado de forma coerente e sempre destacando as personagens e os conflitos de poder. O Hobbit é sobre ganância, opulência, egoísmo e de que forma a riqueza corrompe.

O fim pareceu altamente apressado, as despedidas quase inexistentes, no entanto a transição suave para O Senhor dos Anéis foi feita num grau de perfeição espectacular que completa a narrativa e reforça uma peça única com seis partes. Há no entanto um sabor amargo, talvez a abordagem pudesse ter sido diferente, mas o desejo de retomar a narrativa com a trilogia de O Senhor dos Anéis é evidente. As trilogias completam-se, podem ser vistas de seguida ou por ordem de produção, há algo que se destaca, há referências que percorrem ambos os filmes e que transformam a experiência, mas nunca de forma negativa.

Quanto aos actores, é possível tirar o chapéu a todos. É impossível imaginar outra pessoa que não seja Ian McKellen a interpretar Gandalf ou Cate Blanchett como Galadriel. Martin Freeman faz a versão perfeita de jovem Bilbo dando uma perspectiva nova sem abdicar dos maneirismos de Ian Holm. Tauriel, como já referi, é também uma adição pertinente embora a sua contribuição para a história seja altamente discutível. Era possível adiciona-la sem uma historia de amor desnecessária mas é de louvar o trabalho de Evangeline Lilly. Dos anões é possível destacar o que foi possível para os actores fazer tendo em conta o roteiro que não podia dar a devida importância a todos. No entanto, havia espaço para mais. Embora com pouco screen time é possível afeiçoarmo-nos a alguns. Pessoalmente tenho pena de não ter visto mais de Bofur (James Nesbitt) ou de Bifur (William Kircher). A inclusão de Legolas (Orlando Bloom) é talvez a mais discutível, mas no final parece dar um certo grau de continuidade e uma razão definida à sua participação na A Irmandade do Anel. Escusadas eram as acrobacias impossíveis e o excessivo uso de efeitos especiais nas suas acções (já não contando com a sua cara).

A musica mantém a qualidade a que Howard Shore já nos habituou com peças que se enquadram perfeitamente com o sentimento do filme.

Na qualidade inferior da trilogia de O Hobbit, A Batalha dos Cinco Exércitos mantém a qualidade dos anteriores embora se supere nalguns pontos. É um ponto de ligação bastante bem conseguido entre trilogias mas não chega ao nível da agora continuação. Peca por decisões estéticas e a abordagem muito baseada em efeitos especiais que por vezes não dignificam nem justificam a falta de realidade. Continua a estar a um nível superior no género da fantasia que pouco tem dado de qualidade nas últimas décadas. É mais um filho de Peter Jackson e, por isso, há algo de mágico na sua direcção.

Desolation of Smaug8.0

Volto para o próximo mês com mais cinema…

Artigo de Luís Antunes