O Idiota da Aldeia – Amigos Modernos

Desde pequeno que sempre acreditei que mais valia ter poucos mas bons amigos, do que muitos pseudo-amigos que se estariam a marimbar para mim. Como tal, fiz por cultivar todas as amizades que considerei verdadeiras desde infância. Vejo agora que esse foi o pior erro da minha vida. Eu passo a explicar.

Tudo começou com a nova tendência da estação Primavera/Verão/Outono/Inverno 2011, a emigração, que fez com que todo os meus amigos de infância fossem estudar ou trabalhar para o estrangeiro. Primeiro um, depois outro, até não restar mais nenhum. Ora eu, na tentativa de continuar a consolidar os laços de amizade que sempre nos uniram, fiz por comunicar com eles regularmente via skype, e-mail ou facebook. No entanto, cedo percebi que não tinha tempo para me manter a par da vida de todos eles, o que me fez enveredar pelo único caminho lógico: demitir-me do emprego e tornar-me amigo a full-time. Dessa forma, consegui acompanhar todas as suas novidades, angústias e alegrias. Mas apenas durante dois meses, porque depois fiquei sem dinheiro para a internet.

Ainda tentei arranjar um novo emprego mas faltavam-me sempre as qualificações necessárias: Licenciatura em “Cunha”, Mestrado em “Família Influente” ou Doutoramento em “Fazer Felácios”. Assim, pouco tempo depois, perdi a minha casa e tornei-me num sem-abrigo. Apesar de ser uma vida com poucas responsabilidades, eu continuava sem conseguir comunicar com os meus amigos, pelo que decidi recorrer à criminalidade para obter alguns euros que me permitissem quinze minutos de internet num qualquer cyber café. Como tenho princípios e não queria assaltar ninguém que estivesse em dificuldades, segui a máxima “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão” e tentei roubar uma bomba de gasolina. Durante o assalto, fui alvejado na coluna, fiquei paraplégico e acabei preso.

Felizmente, o computador da prisão tem internet, o que me permitiu tentar reatar as minhas amizades e compensar o tempo perdido. Só que todos os meus amigos me deixaram de falar porque, citando-os: “não és um verdadeiro amigo se não me vieres visitar”. A mensagem que quero transmitir com esta história é: ainda bem que existe a emigração forçada e em massa. Se não fosse esse fenómeno, nesta altura estaria diariamente com os meus amigos de infância, a partilhar com eles uma vida fútil de cumplicidade. Em vez disso, estou com o meu novo amigo N’Gwande, um senegalês muito simpático que conheci aqui na prisão. E sei que a nossa amizade é verdadeira porque, a troco de nada, o N’Gwande garantiu-me que faria com que eu sentisse de novo as pernas.

Crónica de Amílcar Monteiro
O idiota da Aldeia